terça-feira , 5 novembro , 2024

Artigo | Revisitando ‘Pinóquio’, uma das primeiras animações dos estúdios Walt Disney

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O embate entre o bem e o mal é o tema-base de grande parte das narrativas tanto literárias quanto audiovisuais; a partir desse confronto de conceitos tão opostos, é possível delinear inúmeras narrativas que perpassem pelos constantes dilemas do ser humano, incluindo o discernimento sobre o certo e o errado e como essa sutil diferença é justamente o que nos torna maleáveis e empáticos em relação ao outro. Logo, levando em consideração o público-alvo de maior zona de ataque de Walt Disney, não é nenhuma surpresa que o magnata da indústria da animação tenha adotado uma trama respaldada nesses princípios tanto como forma de conscientizar quanto como de explanar a partir de uma perspectiva fantástica – por vezes assustadora – a importância de reconhecer o que é justo e o que é libertário.

Ainda que a obra original assinada por Carlo Collodi tenha seu próprio brilho e apresente uma profundidade muito maior em relação a seus personagens, é inegável dizer que Pinóquio tornou-se uma obra-prima do panteão Disney principalmente por representar um avanço inenarrável em relação à obra predecessora, Branca de Neve e os Sete Anões’ – a começar pela delineação de seus personagens: enquanto no longa anterior o diretor e produtor tenha se fincado muito em entregar técnicas modernas para a realização de iterações animadas em detrimento de uma preocupação narrativa, o que ocasionou em uma repetição de eventos cansativa e a insurgência de figuras maniqueístas e sem qualquer arco de personalidade, aqui temos uma mudança em relação a esses estigmas.

O protagonista-título é um simples boneco de madeira forjado por um marceneiro chamado Geppetto, cujo dom para esculpir as peças mais incríveis e encantadoras é simplesmente emocionante. Ele realiza seu trabalho com tanta paixão que acaba desejando que sua última criação – a marionete em questão – ganhe vida e torne-se integrante de uma família nada convencional, formada pelos adoráveis Fígaro, o gato, e Cleo, o peixe dourado (nomes não escolhidos ao acaso). Em retribuição por levar alegria a inúmeras pessoas, a etérea Fada Azul resolve conceder o desejo do velho inventor e dá vida ao amadeirado boneco, dizendo que sua transformação estará completa caso mantenha-se no bom caminho e não caia nas tentações da vida. E é exatamente aqui que a nossa grande aventura começa.

Hamilton Luske e Ben Sharpsteen realizam um incrível trabalho como diretores desse longa e aproveitam o vasto material que têm em mãos, incluindo a ingenuidade pueril de Pinóquio. Apesar de não ser uma criança convencional, ele é dotado das mesmas curiosidades e da mesma sede por conhecer o que é novo, o que o torna muito influenciável. E ainda que tente seguir os passos de uma bondade intrínseca, é claro que ele encontrará alguns inimigos muito perigosos e que, através de uma sedutora retórica de fama e fortuna, tentarão e conseguirão, mesmo que por um breve tempo, colocá-lo à mercê de suas vontades individualistas.

Em outras palavras, o filme trata de assuntos muito complexos através de uma subjetividade infantilizada: temos, por exemplo, a presença de duas raposas trambiqueiras que se portam como humanos adultos e ludibriam os inocentes para conseguirem sobreviver. É possível traçar paralelos inclusive com obras do clássico cinema soviético que também utilizava-se dessa técnica de transposição antropomórfica para dissertar acerca da personalidade de seus personagens, mas Disney aqui opta por deixá-la o mais claro possível – afinal, esses animais são símbolos da enganação e da mentira, e abusam de suas sedutoras promessas impossíveis para alcançaram seus objetivos. Temos também o arquétipo da ambição desmedida, encarnada pelo Signor Stromboli, dono de uma apresentação de marionetes que quase consegue capturar o nosso herói e obrigá-lo a fazer parte do show business.

Mas de que adiantaria tantos obstáculos sem uma força que tentasse alertá-lo sobre os perigos do mundo? Até mesmo com essa retórica pergunta podemos fazer alusão ao arquétipo da consciência, que dentro do escopo do longa insurge em uma das figuras mais memoráveis desse universo animado, o Grilo Falante. Além de ter um arco extremamente bem delineado e que foge aos convencionalismos do gênero conto-de-fadas, ele entra como narrador-personagem da trama e acompanha Pinóquio, seu protegido, em todas as suas aventuras, muitas vezes servindo como base para o amadurecimento do garoto-boneco e para sua própria autodescoberta, visto que também mergulha em uma jornada para encontrar seu propósito no mundo.

Assim como Branca de Neve’, Pinóquio é um filme atemporal e anacrônico, tornando-se uma fonte de aprendizagem tanto para as crianças quanto para os adultos, também por trazer inúmeras referências que não necessariamente serão compreendidas por um público-alvo mais jovem. O roteiro preza pela entrada de alguns elementos de sordidez inimaginável, incluindo o vício em drogas – como o álcool e o tabaco – e a alienação: com a chegada do terceiro ato, adentramos em um cenário que assemelha muito às fantasiosas terras de distopias futuristas que têm como base o “pão e circo”, mantendo seus usuários em bolhas de puro divertimento como forma de abstraí-los de uma dura e cruel realidade. E como já é de esperar, as viradas dentro da trama não poupam em brincar com a ideia de ação e reação, mostrando as consequências da irresponsabilidade e do livre-arbítrio.

Toda a estética do filme mostra-se muito mais evoluída, principalmente pela paleta de cores – que segue as sensações do protagonista e percorre um caminho de amadurecimento juntamente a seus personagens – e pela fluidez dos movimentos da animação. A técnica da rotoscopia retorna mais uma vez, porém abandona os excessivos floreios de investidas anteriores e aproxima a arquitetura geral de uma humanização mais palpável. Entretanto, ainda percebemos alguns maneirismos que insistem em falar mais alto, como os efeitos sonoros que acompanham cada movimento e cada gesto, deixando o escopo imagético redundante e, por vezes, monótono.

É muito difícil não se emocionar com essa animação; a envolvência inegavelmente bem estruturada de Pinóquio permite que até os mais céticos espectadores se conectem com algum de seus blocos, seja pela nostalgia, seja pelo resgate de uma infância turbulenta, ou até mesmo pela busca de sonhos perdidos. Tal animação é e sempre será considerada uma obra-prima, pautada em uma dosagem quase perfeita de comédia, drama e inclusive terror.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Ainda que a obra original assinada por Carlo Collodi tenha seu próprio brilho e apresente uma profundidade muito maior em relação a seus personagens, é inegável dizer que Pinóquio tornou-se uma obra-prima do panteão Disney principalmente por representar um avanço inenarrável em relação à obra predecessora, Branca de Neve e os Sete Anões’ – a começar pela delineação de seus personagens: enquanto no longa anterior o diretor e produtor tenha se fincado muito em entregar técnicas modernas para a realização de iterações animadas em detrimento de uma preocupação narrativa, o que ocasionou em uma repetição de eventos cansativa e a insurgência de figuras maniqueístas e sem qualquer arco de personalidade, aqui temos uma mudança em relação a esses estigmas.

O protagonista-título é um simples boneco de madeira forjado por um marceneiro chamado Geppetto, cujo dom para esculpir as peças mais incríveis e encantadoras é simplesmente emocionante. Ele realiza seu trabalho com tanta paixão que acaba desejando que sua última criação – a marionete em questão – ganhe vida e torne-se integrante de uma família nada convencional, formada pelos adoráveis Fígaro, o gato, e Cleo, o peixe dourado (nomes não escolhidos ao acaso). Em retribuição por levar alegria a inúmeras pessoas, a etérea Fada Azul resolve conceder o desejo do velho inventor e dá vida ao amadeirado boneco, dizendo que sua transformação estará completa caso mantenha-se no bom caminho e não caia nas tentações da vida. E é exatamente aqui que a nossa grande aventura começa.

Hamilton Luske e Ben Sharpsteen realizam um incrível trabalho como diretores desse longa e aproveitam o vasto material que têm em mãos, incluindo a ingenuidade pueril de Pinóquio. Apesar de não ser uma criança convencional, ele é dotado das mesmas curiosidades e da mesma sede por conhecer o que é novo, o que o torna muito influenciável. E ainda que tente seguir os passos de uma bondade intrínseca, é claro que ele encontrará alguns inimigos muito perigosos e que, através de uma sedutora retórica de fama e fortuna, tentarão e conseguirão, mesmo que por um breve tempo, colocá-lo à mercê de suas vontades individualistas.

Em outras palavras, o filme trata de assuntos muito complexos através de uma subjetividade infantilizada: temos, por exemplo, a presença de duas raposas trambiqueiras que se portam como humanos adultos e ludibriam os inocentes para conseguirem sobreviver. É possível traçar paralelos inclusive com obras do clássico cinema soviético que também utilizava-se dessa técnica de transposição antropomórfica para dissertar acerca da personalidade de seus personagens, mas Disney aqui opta por deixá-la o mais claro possível – afinal, esses animais são símbolos da enganação e da mentira, e abusam de suas sedutoras promessas impossíveis para alcançaram seus objetivos. Temos também o arquétipo da ambição desmedida, encarnada pelo Signor Stromboli, dono de uma apresentação de marionetes que quase consegue capturar o nosso herói e obrigá-lo a fazer parte do show business.

Mas de que adiantaria tantos obstáculos sem uma força que tentasse alertá-lo sobre os perigos do mundo? Até mesmo com essa retórica pergunta podemos fazer alusão ao arquétipo da consciência, que dentro do escopo do longa insurge em uma das figuras mais memoráveis desse universo animado, o Grilo Falante. Além de ter um arco extremamente bem delineado e que foge aos convencionalismos do gênero conto-de-fadas, ele entra como narrador-personagem da trama e acompanha Pinóquio, seu protegido, em todas as suas aventuras, muitas vezes servindo como base para o amadurecimento do garoto-boneco e para sua própria autodescoberta, visto que também mergulha em uma jornada para encontrar seu propósito no mundo.

Assim como Branca de Neve’, Pinóquio é um filme atemporal e anacrônico, tornando-se uma fonte de aprendizagem tanto para as crianças quanto para os adultos, também por trazer inúmeras referências que não necessariamente serão compreendidas por um público-alvo mais jovem. O roteiro preza pela entrada de alguns elementos de sordidez inimaginável, incluindo o vício em drogas – como o álcool e o tabaco – e a alienação: com a chegada do terceiro ato, adentramos em um cenário que assemelha muito às fantasiosas terras de distopias futuristas que têm como base o “pão e circo”, mantendo seus usuários em bolhas de puro divertimento como forma de abstraí-los de uma dura e cruel realidade. E como já é de esperar, as viradas dentro da trama não poupam em brincar com a ideia de ação e reação, mostrando as consequências da irresponsabilidade e do livre-arbítrio.

Toda a estética do filme mostra-se muito mais evoluída, principalmente pela paleta de cores – que segue as sensações do protagonista e percorre um caminho de amadurecimento juntamente a seus personagens – e pela fluidez dos movimentos da animação. A técnica da rotoscopia retorna mais uma vez, porém abandona os excessivos floreios de investidas anteriores e aproxima a arquitetura geral de uma humanização mais palpável. Entretanto, ainda percebemos alguns maneirismos que insistem em falar mais alto, como os efeitos sonoros que acompanham cada movimento e cada gesto, deixando o escopo imagético redundante e, por vezes, monótono.

É muito difícil não se emocionar com essa animação; a envolvência inegavelmente bem estruturada de Pinóquio permite que até os mais céticos espectadores se conectem com algum de seus blocos, seja pela nostalgia, seja pelo resgate de uma infância turbulenta, ou até mesmo pela busca de sonhos perdidos. Tal animação é e sempre será considerada uma obra-prima, pautada em uma dosagem quase perfeita de comédia, drama e inclusive terror.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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