Depois de tantas franquias, filmes clássicos, games e outras obras adaptadas para o contexto contemporâneo, não demoraria muito para que este sucesso da televisão, adaptado para o cinema três vezes nos anos 1990, ganhasse a sua versão século XXI. Antes de escrever este texto, fui buscar algumas informações técnicas sobre o filme para construção da crítica já estruturada e confesso que me decepcionei com a miopia crítica de alguns posicionamentos sobre o filme. Explicarei isto mais detidamente, mas antes, vou explorar um pouco das bases do filme.
As Tartarugas Ninja parte do argumento de uma cidade envolta na criminalidade. Uma repórter, April O´Neil (Megan Fox) fareja uma matéria que a coloque num posicionamento de jornalista séria, e assim, descobre uma rede de crimes no porto da cidade, combatida, dentre uma das suas investidas, por quatro criaturas misteriosas. Ao levar esta situação para a sua chefe, Whoopi Goldberg (numa participação pequena, porém valiosa), é humilhada diante dos colegas, afinal, convenhamos, alegar que quatro criaturas promoveram a má condução de uma ação criminosa através de fotos do celular pessoal beira a ausência de sanidade. Como já conhecemos o roteiro dos filmes deste quilate, April vai precisar provar a sua tese, vai conhecer as criaturas que agem às escondidas, assim como o Homem-Aranha e outros super-heróis.
Diferente das cenas onde quase não enxergamos o que está acontecendo, tamanha a chamada estética do tesourinha (excesso de cortes) do cinema contemporâneo, haja vista nosso painel repleto de filmes como Capitão América 2- O Soldado Invernal e as sequências de Velozes e Furiosos, bem como os próprios filmes anteriores de Michael Bay, onde praticamente não compreendemos nada do que está acontecendo, só sentados diante de barulhos em excesso, As Tartarugas Ninja é uma produção que escapa deste esquema, resgata recursos da vanguarda trazida por Matrix (a famosa cena da bala que atravessa lentamente o espaço fílmico). Sendo assim, a narrativa é bem orquestrada pelo diretor Jonathan Liesbeman, que consegue dar conta do recado diante do roteiro disponível. A cena do deslizamento numa montanha repleta de gelo, por exemplo, é deliciosamente divertida e bem conduzida. Fique atento para esta, caro leitor. Depois desta dica, convenho que seja necessário explicitar os motivos que me levaram a considerar algumas reflexões sobre o filme míopes.
A função da crítica cinematográfica, segundo alguns estudos, é promover uma ponte entre leitores e filmes, aquecendo a indústria cinematográfica. Apesar do foco de entretenimento que estas produções promovem, não podemos pensar o filme apenas como uma obra fechada, sem relacionar com reflexões oriundas do nosso conhecimento de mundo e dos acontecimentos que pululam na mídia mundial cotidianamente, nem tampouco podemos tratar as nossas críticas como guia de consumo, taxando se um filme deve ou não ser assistido. Isso é uma opção do espectador e esta é uma questão que precisa ficar clara. Toda obra cinematográfica dialoga com seu momento histórico e com esta produção, não seria diferente, e no próximo tópico, exponho para você algumas observações que considero relevantes.
Primeiro ponto: sempre amei a versão dos quatro amigos aventureiros e defensores da corrupção que assola a cidade, companhias das manhãs da infância, juntamente com os desenhos animados da época, mas não é por isso que vou esconder que o roteiro peca em apresentar muito mal o vilão intitulado Destruidor, bem como o personagem caricato Eric Sacks, interpretado por William Fichtner. Segundo ponto: Megan Fox e Michael Bay. Bastou o produtor se envolver com algumas franquias ruins para se tornar o pior pesadelo dos críticos, que geralmente não mudam o discurso. Exagerado? Sim. Mas nesta produção temos que combinar que o produtor consegue injetar ânimo e nostalgia numa narrativa que se propõe a divertir, porém, consegue ir além se você estiver antenado com o mundo e ligado na proposta de que um filme é uma obra aberta, de múltiplas interpretações. Megan Fox não é uma grande atriz, seu apelo no Olimpo das Celebridades sensuais e atraentes, ótimos requisitos para a publicidade, atrapalha a sua carreira de atriz que pretende se levar à sério, mas a sua presença não danifica o filme. Diríamos ser neutra, por isso, acho incorreto alegações exageradas enquadrando-a como uma modelo ou coisa do tipo. Acredito que Will Arnett (ator de Arrested Development e dono de algumas cenas divertidas) auxilie a condução da personagem de Fox, eliminando apenas a amiga loira que mora com a jornalista, uma loira estereotipada dona de duas cenas repletas de estupidez. Fora isso, não há grandes problemas. Estabelecido os pontos, acredito que seja a hora de sair em defesa dos argumentos que tornam a narrativa um pouco além do mero entretenimento.
Ao instaurar a metalinguagem e dialogar com a mídia, o filme toca em questões muito caras para o campo do jornalismo contemporâneo: a ética. Hollywood adora redenção ou personagens que deixam a humildade de lado e se julgam superiores a tudo. Milagrosamente isso não ocorre. Demitida após levar a sua tese novamente para a editora do jornal onde trabalha, Megan Fox e Whoopi Goldberg não encenam o velho chavão do tipo “desculpe-me, aceito-a de volta”, dentre outros momentos de redenção bem comuns neste tipo de cinema, o que considerei um ponto extremamente positivo. A sociedade dos mitos contemporâneos, bem como a metalinguagem com as novas mídias (o celular) no conduzir da narrativa também são pontos que precisam ser bem pensados. Confesso que não são tão bem explorados, mas só uma citação basta para entendermos que há uma história consciente deste tipo de reflexão, mas que talvez não aprofunde pela falta de espaço e pela necessidade de conexão com o cinema comercial. Cinema não é apenas arte, mas uma poderosa indústria cultural, por isso, não devemos esquecer esta questão.
A dinâmica entre Leonardo, Michelangelo, Donatello e Rafael é um dos pontos mais positivos, auxiliados pela trilha sonora que movimenta a narrativa com bastante dose de ânimo. A montagem e a direção de fotografia são outros pontos que ajustam bem o filme ao formato 3D. Com pouco mais de 90 minutos de duração, o filme diverte sem ofender o espectador com piadas chulas e a comum escatologia das produções hollywoodianas de cada dia.
Antes de finalizar, ainda proponho outra reflexão: em meio a tanta sensualidade por parte de Megan Fox, cenas de ação e luta entre Mestre Splinter e Destruidor, o filme nos permite discutir a atual polêmica sobre Direito animal. As tartarugas da história, assim como o rato, vítimas de uma mutação após uma sabotagem no laboratório, passaram a vida nos esgotos, escondendo-se como forma de proteção, afinal, a “estranheza” diante dos padrões da sociedade provavelmente diminuiria o tempo de vida destas criaturas. Outra questão é a ironia presente na narrativa, o que me fez lembrar Wes Craven na quadrilogia Pânico. Ao brincar conscientemente com os clichês do gênero, o diretor estabelece a metalinguagem no enredo e constrói muito bem a sua narrativa. Em As Tartarugas Ninja, o diretor responsável não consegue com o mesmo êxito dominar esta façanha, afinal, Craven é um mestre de vanguarda, mas apresenta piadas divertidas com produções como Lost e Pequena Miss Sunshine, dentre outros produtos da cultura pop contemporânea.
Diante do exposto, assumo que o filme não é uma obra prima, mas consegue dar conta do que se compromete: entreter, afinal, esperar mais que isso do filme é exigir demais, e assim, convido-lhe para assistir a uma sessão de Lucy, novo filme de Luc Besson, que também estreia em Agosto e apresenta cenas de ação tão velozes (ou mais) que As Tartarugas Ninjas, mas é adornado por questões filosóficas e do campo dos estudos da Memória, da teoria do Caos, da globalização, dentre outras pautas contemporâneas.