Buffy: A Caça-Vampiros, série cult que ainda guarda um lugar especial no coração dos fãs e fez da jovem Sarah Michelle Gellar uma estrela da TV nos anos 90, está completando 26 anos de seu lançamento em 2023 – tendo estreado em 10 de março de 1997. O seriado está completinho, com suas sete temporadas, disponível na Star Plus – a plataforma de streaming da Disney com as produções do acervo da Fox e os seus conteúdos, digamos, mais adultos. Sem dúvidas é um prato cheio para todos os fãs e os nostálgicos pelos produtos da querida década de 1990.
Mas o que talvez nem todos saibam é que o programa criado por Joss Whedon havia ganhado às telas cinco anos antes. E não na TV, mas sim numa produção para os cinemas de US$7 milhões bancada pela mesma Fox. É sobre esta versão cinematográfica, obscura para muitos, também presente no acervo da Star Plus, que falaremos nesta matéria.
Buffy: A Caça-Vampiros estreou no dia 1º de julho de 1992 nos cinemas dos EUA e chegaria no fim do mês no resto do país. Em grande parte do mundo, devido ao fracasso do longa em seu país de origem, o filme chegaria direto no mercado de vídeo. A ideia nasceu da mente do próprio Joss Whedon, ainda um nome desconhecido em Hollywood na época, tendo estreado como roteirista em sitcoms como Roseanne (1989-1990) e Parenthood (1990-1991).
O mote aqui era uma mistura de gêneros, como uma espécie de As Patricinhas de Beverly Hills encontra Os Garotos Perdidos. Ou seja, uma abordagem mais espertinha, cheia de referências, piadas e muita graça ao gênero do terror de vampiros. Whedon criou uma trama onde uma patricinha de marca maior, uma jovem chamada Buffy, extremamente fútil, cuja meta de vida era viajar para a Europa, casar com Christian Slater e depois morrer (como citado pela própria) teria um arco dramático onde se descobriria a salvadora do mundo e eventualmente cresceria como pessoa.
Buffy é a escolhida para combater os vampiros em sua pequena cidade – que são bem reais e estão entre nós, prontos para transformar os jovens do local em mortos-vivos. Do dia para noite, a jovem de cabeça vazia descobre a ameaça e recebe a notícia de que ela, e apenas ela, é a linha de defesa da humanidade. Muito antes de Kevin Williamson mesclar tão perfeitamente o humor e o terror nos slasher adolescentes do fim da década de 1990, a começar com Pânico, Joss Whedon tinha essa proposta em sua narrativa – mas infelizmente as coisas não sairiam como planejado pelo realizador.
Para começar, seu roteiro original foi completamente reescrito em prol de entregar um filme mais leve e aprazível aos adolescentes. No desfecho, por exemplo, numa manobra digna de Carrie – A Estranha, Buffy acaba com o baile de formatura incendiando a escola, num esforço para destruir os vampiros. Tais mudanças deixaram o roteirista Whedon tão frustrado e aborrecido – já que estava se distanciando por completo de sua visão – que o criador decidiu abandonar a produção, deixando o set e nunca mais retornando. Apesar disso, o filme ainda leva seu crédito como roteirista único da obra.
Curiosamente, o fato citado acima do incêndio na escola provocado por Buffy, é mencionado algumas vezes na série. Segundo Whedon, o seriado é um derivado de seu roteiro original e não do filme. O roteirista acredita que a produção cinematográfica de Buffy deva ser encarada como uma obra própria, sem qualquer ligação com o programa de TV – tamanho o desafeto pelo longa. De acordo com ele, tudo em relação ao filme não deve ser considerado cânone para a série – separando bastante ambos. De fato, o roteiro original de Whedon inclusive se tornou uma HQ, intitulada “A Origem” – essa sim considerada por ele como precursora da emblemática série noventista.
Uma das principais diferenças abandonadas na série em relação ao filme foram as infames cólicas “sensoriais” de Buffy. Não sabemos exatamente se a ideia partiu de Joss Whedon ou já consta entre as inúmeras modificações que o roteiro sofreu, mas o fato é: no filme Buffy tinha um poder, digamos, no mínimo curioso (para não dizer sem noção) que depois desapareceu na versão televisiva (ainda bem). Imagine o sentido aranha do herói Homem-Aranha, que o avisa dos perigos ao redor. Agora pense numa versão pseudo-engraçadinha que tenta subverter para o universo feminino de uma adolescente. Em resumo: Buffy tem cólicas sempre que um vampiro está por perto – o que ela define como algo muito semelhante a cólicas menstruais. Er… bem,…
Para o papel protagonista da heroína, a morena Alyssa Milano era a primeira escolha, e dizem estava pronta para pegar o papel. Milano fez sucesso na adolescência no seriado cômico Quem é o Chefe (1984-1992) e no cinema foi a filha de Arnold Schwarzenegger em Comando para Matar (1985). A atriz ainda estava no ar com sua sitcom quando quase pegou o papel de Buffy, e na época tinha 20 aninhos.
Ela não ficou com a personagem, mas no ano seguinte da estreia da série de Buffy, estrearia seu próprio seriado de sucesso nos mesmos moldes com Charmed – Jovens Bruxas (1998-2006). Para o papel protagonista no filme da Fox então entrava em cena a loiríssima Kristy Swanson, famosa pelo prazer culposo cult de Wes Craven, A Maldição de Samantha (1986). Quatro anos depois de Buffy, Swanson participaria da única adaptação (até o momento) do herói dos quadrinhos O Fantasma (1996). Justiça seja feita, a loirinha Swanson está bem no papel e se entrega de verdade ao projeto. O problema do longa, incluindo o pobre resultado, nada tem a ver com sua protagonista.
Além de Kristy Swanson, Buffy: A Caça-Vampiros também marcaria os primeiros papeis de gente como a duas vezes vencedora do Oscar Hilary Swank, Ben Affleck, Thomas Jane e David Arquette.
Assista ao trailer:
O saudoso Luke Perry, no auge de sua popularidade devido à série Barrados no Baile (Beverly Hills 90210) – que havia estreado dois anos antes -, vive o interesse amoroso da heroína: o rebelde Pike – uma espécie de bad boy de bom coração, de certa forma similar ao papel de Dylan que vivia no seriado. Os grandes nomes do elenco, no entanto, eram os dos veteranos Donald Sutherland e Rutger Hauer. O primeiro vive Merrick, o responsável por rastrear a caçadora e treiná-la para salvar o mundo, e o segundo vive Lothos, o vampirão malvado do filme. De acordo com Whedon, Sutherland não foi nada fácil de se trabalhar. O ator constantemente reescrevia seus diálogos ao bel prazer, sem sequer consultar o roteirista.
Porém, existe outro ator no filme Buffy que atraiu atenção de forma extremamente negativa na época. O humorista Paul Reubens não é muito conhecido aqui no Brasil, mas ele é o responsável pela criação do personagem infantil Pee Wee Herman, que viu seu auge na década de 80, tendo seu próprio programa para crianças na TV, além de estrelar dois filmes (em 1985 e 1988 – o primeiro inclusive marcando a primeira produção dirigida por Tim Burton).
A vida pessoal de Reubens era outra história, e embora o comediante fosse associado a uma inocência juvenil, ele era também um pervertido de marca maior. Reubens foi preso no início da década de 1990, enquanto se masturbava publicamente dentro de um cinema exibindo filmes pornô. Na época, isso foi um verdadeiro escândalo, e o ator foi colocado na geladeira por um tempo. Seu primeiro papel depois disso foi aqui em Buffy, onde vive o segundo vampiro em poder, Amilyn – num papel que foi originalmente planejado para a atriz Joan Chen (de Twin Peaks). Figuras como David Bowie e Mick Jagger também fariam aparição como vampiros, mas no fim das contas a produção terminou sem dinheiro para conseguir escalar os músicos, mesmo em pontinhas.
Buffy: A Caça-Vampiros se meteu em briga de cachorro grande, programando sua estreia para julho de 1992, época dos maiores lançamentos do ano, por serem as férias escolares da garotada. Assim, o filme estreou em quinta posição no ranking das bilheterias, com US$4.5 milhões no primeiro fim de semana – logo na semana seguinte, caindo para a décima posição. Buffy terminaria sua estadia nas telonas com um pouco mais do dobro de seu orçamento, com US$16.6 milhões, evitando assim se tornar um fracasso retumbante. Ao menos financeiramente, já que as críticas do filme não seriam nada favoráveis.
Joss Whedon por outro lado não desistiu da ideia de sua patricinha matadora e deste universo de vampiros, terror, adolescentes, humor, referências pop e diálogos espertinhos. Após a explosão do filme Pânico (1996), Whedon achou que valia a pena tentar de novo, afinal a demanda por produtos deste gênero haviam aumentado consideravelmente, e levou sua premissa novamente à Fox, desta vez ao seu segmento televisivo.
Com um novo elenco encabeçado por Sarah Michelle Gellar, novos personagens, e muitas participações de jovens atores do momento (na época), Buffy: A Caça-Vampiros finalmente alcançaria a popularidade merecida. O programa ficaria no ar por sete temporadas. E se você é daqueles que acham que já está mais do que na hora de Buffy ensaiar um retorno na forma de um reboot, saiba que o próprio criador concorda com você. Whedon vem tentando tirar um reboot do papel e chegou perto de conseguir em 2019. O problema atual, assim como foi há 31 anos no passado, são certas acusações de má conduta no ambiente de trabalho por parte do criador – o que deve dificultar as coisas para sua menina dos olhos…
É a criatura pagando pelos pecados de seu criador.