UMA ÓTIMA COMÉDIA DE ALLEN
Desde 2005, com o fabuloso Match Point, o diretor e roteirista Woody Allen entrou em uma nova boa safra. O que não significa que entregue apenas obras-primas. Já virou uma máxima da crítica falar que ele tem altos e baixos e que “o pior Allen ainda é melhor do que a maioria dos filmes em cartaz” – ou qualquer coisa do tipo. É algo natural para quem tem a produtividade de um filme por ano.
Nesta fase mais recente, Allen produziu, ao menos, 4 grandes obras: Match Point, Vicky Cristina Barcelona, Blue Jasmine e Meia-Noite em Paris (ainda que eu tenha um problema com esse filme e precise revê-lo). Junto deles, tivemos alguns fiascos e um punhado de obras que flutuam em entre o bom e o ótimo. O recente Café Society está entre um dos melhores filmes que o diretor colocou nas telas nesta década.
Ou melhor: Café Society é a melhor comédia de Allen nesta década. É um trabalho que articula muito bem vários temas recorrentes na sua obra, tudo embalado em uma plasticidade impecável. Ainda que não seja a obra-prima que alguns falam, sobram qualidades e certamente é bem melhor do que sua comédia anterior Magia ao Luar.
Nos anos 1930, o jovem Bobby (Jesse Eisenberg), que troca o Bronx, em Nova York, por Hollywood, onde seu tio Phil Stern (Steve Carell) é agente das grandes estrelas. Lá, ele se envolve com Vonnie (Kristen Stewart). Outros elementos como a família judia e a máfia completam a história.
A narrativa de Café Society tem dois momentos bem claramente delimitados. Na primeira parte, Bobby é um anônimo tentando vencer na vida, ainda deslumbrado com Hollywood. Na segunda parte, Bobby sobe na vida dirigindo um clube noturno e passa a fazer parte do crème de la crème da sociedade. Aquele Bobby humilde e bicho do mato da primeira parte vira um homem sofisticado, que circula muito a vontade pelo meio dos ricos e famosos.
O maior sonho do Bobby da primeira parte é uma vida simples ao lado de Vonnie. Na segunda parte, encontramos um Bobby mais ambíguo: enquanto anda com desenvoltura entre as altas rodas nova-iorquinas, alguns gestos seus apontam um desejo de viver outra realidade. Isto fica especialmente evidente na relação com a sua esposa.
Essa estrutura dupla me lembrou outro filme de Allen. Na comédia Trapaceiros, de 2000, um grupo tenta construir um túnel para roubar um banco e usa como fachada uma loja de biscoitos (ou bolachas, você escolhe, não vou me meter em polêmica). O assalto fracassa, mas a loja de fachada da certo e eles ficam ricos. Na segunda parte do filme, o ex-ladrão Ray (Woody Allen) não consegue se adaptar ao ambiente da alta sociedade.
Em Trapaceiros, a crítica à alta sociedade é direta e mesmo ingênua, reflexo daquele período de vacas magras pelo qual passava o diretor. Em Café Society, Allen gera uma ambivalência imensa: Bobby tem atração e rejeição por aquela vida na alta sociedade. A simples e brilhante cena final consegue sintetizar visualmente essa dubiedade do personagem.
Ainda que o roteiro tenha alguns problemas – especialmente na primeira parte, na qual a história da máfia fica mal encaixada – a história flui bem e possui ótimos momentos de humor. O que deixou este crítico realmente deslumbrado foi a parte plástica da obra. Direção de arte, figurino, movimentação de câmera, todos os elementos plásticos do filme são de uma sofisticação que não via fazia tempos nos trabalhos de Allen.
O que mais se destaca é a fotografia de Vittorio Storaro – vencedor do Oscar pelas fotografias de Apocalypse Now e O Último Imperador. Com uma fotografia fortemente calcada em tons de amarelo, Storaro cria variações que traduzem, com muita sutileza, os sentimentos das personagens e as relações entre eles. Há instantes nos quais isso fica bem evidente, como na diferença da fotografia entre Nova York (um cinza mais escura e fria) e Hollywood (um amarelo quente e sofisticado). Há outros mais sutis, como mudar a luminosidade dos rostos dos personagens para destacá-los durante diálogos. Poderia desfiar parágrafos e mais parágrafos só sobre o trabalho de Storaro, mas prefiro torcer para que ele vença o máximo de prêmios ano que vem.
E, aí, o que achou do filme? Riu bastante, ou saiu da sala de cinema achando este apenas mais um filme pé-no-saco do Woody Allen? Na sua cidade, é bolacha ou biscoito? Vamos, comente, compartilhe e curta nossas redes sociais:
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