Em Sessão Especial em Cannes, no último sábado, dia 19 de maio, Kleber Mendonça Filho realizou o lançamento do seu documentário Retratos Fantasmas, seu quinto longa-metragem. Fruto de sete anos de trabalho de pesquisa, o projeto é composto 60% por fotografias e vídeos de acervos pessoais, da produção pernambucana de cinema, televisão e outras instituições.
Em bate-papo exclusivo com o CinePOP, o diretor dos premiados O Som ao Redor (2012), Aquarius (2016) e Bacurau (2019) fala do processo de montagem do filme, suas inspirações e seu próximo projeto com Wagner Moura.
Começo do projeto Retratos Fantasmas
“Ele é todo composto por pedaços de imagens, fotografias, lembranças e um texto que precisava ser escrito para fazer aquilo funcionar”, comenta Kleber Mendonça Filho sobre o seu processo criativo. Com o título advindo de uma foto com um borrão fantasmagórico do arquivo pessoal do cineasta, Retratos Fantasmas foi um árduo processo de encaixe.
Segundo Mendonça Filho, no início, a montagem do filme não estava funcionando por conta da narração. O destrave, no entanto, ocorreu quando o diretor começou a escrever o roteiro de Agente Secreto, seu próximo filme ambientado em 1977.
“Escrevendo Agente Secreto, eu comecei a entender melhor Retratos Fantasmas, porque o primeiro se passa no centro de Recife. (…) Da mesma maneira, quando voltei para o projeto Agente Secreto, o roteiro do filme ficou muito melhor. Ou seja, foi o intercâmbio de dois filmes completamente diferentes.”, explica o Kleber.
Referências de documentários
Kleber elegeu dois “santos padroeiros” para este projeto: Manoel de Oliveira e Agnès Varda. O primeiro lhe ajudou a conceber a ideia dos espaços da sua casa a partir da obra Visita ou Memórias e Confissões (1982), filme autobiográfico sobre a vida e a casa do cineasta Manoel de Oliveira (1908-2015).
A partir de confissões e reminiscências, o documentário relata a importância da residência na vida do diretor português, sendo apresentado somente depois de sua morte. “Eu o vi aqui em Cannes, em 2015, quando finalmente foi mostrado e, nessa época, eu já tinha o projeto do que viria a ser Retratos Fantasmas. (…) Ele me deu uma base emotiva e estética para fazer meu filme”; confessa o brasileiro.
Na época da montagem, os documentários de Agnés Varda foram lançados na plataforma de streaming MUBI e o processo de se colocar na história da cineasta franco-belga também o ajudou a compôr sua própria assinatura. Além das cenas de seus filmes e arquivos da cidade de Recife, os filhos do diretor estão presentes em seus momentos em família, assim como a memória da sua mãe historiadora.
Política nacional no cinema
Com a linguagem documental na sua cinematografia, desde Crítico, Kleber Mendonça Filho não pensa em retratar a política brasileira no cinema. De acordo com ele, Pedra Costa e Maria Augusta Ramos fazem trabalhos maravilhosos nesse aspecto, mas seu interesse é sobre a lógica das pessoas na sociedade.
“Os filmes que eu faço são sobre a vida no mundo e quando você fala sobre a vida, naturalmente aspectos políticos surgem. Aquarius, por exemplo, é sobre uma mulher que não aceita a proposta de alguns homens e a sua renúncia torna-se um ato político. (…) Bacurau é um faroeste de aventura, mas torna-se muito político porque fala das relações de poder no Brasil. (…) Prefiro fazer filmes sobre a vida em sociedade e a lógica das pessoas e sobre a história também, eu gosto muito de filmes de história.”
Wagner Moura em Agente Secreto
Após o lançamento de Retratos Fantasmas, previsto para o segundo semestre deste ano nos cinemas brasileiros, Kleber Mendonça Filho planeja começar as filmagens do seu projeto com Wagner Moura. Com o título de Agente Secreto, o diretor já adianta o período e a localização na cidade de Recife.
“Espero filmar no próximo ano. É um filme de ficção e se passa em 1977, mas não é sobre a ditadura, é sobre o Brasil quase 50 anos atrás. Um retrato bem áspero. O Brasil ainda tem muitos problemas, mas 50 anos atrás era bem mais hard. É um thriller de aventura e eu estou querendo muito filmar.”, declara Kleber entusiasmado com o futuro trabalho.