[ANTES DE COMEÇAR A MATÉRIA, FIQUE CIENTE QUE ELA ESTÁ RECHEADA DE SPOILERS]
Se você ainda não assistiu ao primeiro episódio de Cavaleiro da Lua, evite esta matéria, pois ela contém spoilers.
Demorou para chegar, mas pelo que indica o primeiro episódio, a série do Cavaleiro da Lua será simplesmente fantástica. Adaptando os quadrinhos da Marvel com mais liberdade, a produção introduziu com maestria seu protagonista e as motivações de seu antagonista, usando essa dualidade entre o anti-herói e o vilão como ponto de partida para uma trama simples, mas instigante sobre misticismo, ação e fé.
Para aqueles que não estão familiarizados com a história dos quadrinhos, Marc Spector é um mercenário que é deixado para morrer no deserto egípcio, mas acaba sendo ressuscitado pelo deus Khonshu, que passa a usá-lo como seu avatar. No entanto, Marc sofre de Transtorno Dissociativo de Identidade, o que faz com que ele tenha várias personalidades dentro de si, dentre elas Steve Grant, Jake Lockley e o Cavaleiro da Lua.
Na série, porém, a personalidade “mandante” do corpo do protagonista é Steven Grant (Oscar Isaac), um rapaz que trabalha no museu, que vive tendo flashes de uma vida de aventuras como Marc Spector, um mercenário problemático. Porém, ele logo percebe que essas lembranças não são sonhos. E quando os problemas de Marc começam a afetá-lo, a coisa fica séria.
E a forma que a direção encontrou para mostrar essas diversas personalidades foi brilhante. Usando a fotografia a seu favor, ele faz várias tomadas com enquadramentos que refletem o Steven em poças, espelhos e janelas, dando sempre a impressão de que ele nunca está sozinho, já que as vozes das outras personalidades que residem nele o acompanham eternamente. Além disso, praticamente tudo ao redor do protagonista, incluindo o aquário de seu peixinho dourado, faz referência ao Egito, lugar da morte e renascimento de Marc Spector. Quando anunciaram que o Cavaleiro da Lua ganharia uma série, a maior preocupação dos fãs foi justamente sobre como o transtorno e as personalidades seriam retratados. Mas agora acho que já estão todos tranquilos sobre isso.
Da mesma forma, nos quadrinhos, o anti-herói é um personagem extremamente violento e que não costuma ter compaixão de seus inimigos. Na série do Disney+, por conta da baixa classificação etária, não teria como mostrar o personagem esfacelando o rosto dos outros, então, a alternativa encontrada foi não exibir as cenas de violência, mas deixar os corpos ensanguentados expostos. Desse jeito, eles sugerem a brutalidade do anti-herói e não esbarram nas limitações da classificação etária. Foi uma saída inteligente e que deu um ar diferenciado para a produção, que parece ter um jeito mais de série da Netflix do que efetivamente do streaming da Disney.
Do outro lado da história, o vilão, Arthur Harrow, interpretado por Ethan Hawke, faz sua estreia já referenciando sua versão das HQs, aonde ele era um médico que buscava inibir os nervos de dor no corpo humano, o que ele parece ter conseguido na série, já que sua primeira cena é pisando em cacos de vidro com muita normalidade. Ao longo do episódio, ele explica ser o líder de um culto à Ammit, um demônio egípcio que devorava as almas pecadoras. Sua ligação com a entidade parece ser similar à de Steven/ Marc com Khonshu. E como eles representam ideias conflitantes na mitologia egípcia, o confronto entre “herói” e vilão provavelmente será justificado por essa guerra divina.
Falando nisso, a questão da cultura egípcia só deixa tudo mais incrível no episódio. As peças no museu, o visual de Khonshu, a história que liga os personagens e o leque de possibilidades desse aspecto ser explorado é de deixar qualquer um que assista a esse capítulo ansioso para o que vem por aí. Além disso, a cena final, em que finalmente é revelado o visual do Cavaleiro da Lua, vemos o personagem enfrentar um vilão com jeitão de cachorro, fazendo referência ao embate do Cavaleiro contra o Lobisomem, em sua estreia nos quadrinhos.
E se você tiver um pouco mais de conhecimento acerca da mitologia do próprio Cavaleiro da Lua, provavelmente identificou três personagens dos quadrinhos que foram mencionados ou adaptados para a telinha. A começar pela chefe de Steven no museu, Donna, que adapta a assessora de Marc nos quadrinhos. Outro conhecido do protagonista a dar as caras é Bertrand Crawley, a estátua humana com quem Steven conversa na praça. Nas HQs, ele é um informante do anti-herói. Por fim, em meio às ligações perdidas no celular de Marc, é possível ver o nome Duchamp. Nos quadrinhos, Jean-Paul Duchamp, o Francês, é o melhor amigo de Marc Spector e aparece em grande parte das aventuras originais do anti-herói.
Com todos esses elementos, o primeiro episódio faz valer seus cerca de 40 minutos de duração, usados inteiramente para introduzir seus personagens e a trama, deixando de lado as tradicionais menções ao MCU e a outros heróis. Essa independência da série é algo positivo para a produção e para o personagem em si, que parece ganhar uma liberdade maior para seu próprio núcleo.
Os novos episódios de Cavaleiro da Lua estreiam toda quarta no Disney+.