Aventura solo da primeira vingadora apenas comprova que estúdio já tem definido o gênero para os personagens nem tão poderosos
No princípio todos os filmes que compuseram a assim chamada fase 1 do MCU eram todos muito experimentais, ainda que com identidades quase totalmente definidas. Homem de Ferro e sua sequência abraçaram a ficção científica no tocante às armaduras de Tony Stark; mesmo assim, na primeira aventura havia uma interessante investida em um diálogo entre a presença de tecnologia extremamente avançada usada pelo protagonista e um mundo muito próximo do real no pós 11 de setembro e com guerras no Oriente Médio.
O primeiro Thor seguiu por outra direção e abraçou a fantasia inerente tanto ao material fonte (os quadrinhos assinados por Stan Lee, Jack Kirby e Larry Lieber) quanto a própria mitologia nórdica de onde o herói é originado. A despeito do trabalho cinematográfico entregue pelo diretor Kenneth Branagh, esse filme foi importante para o estúdio por apresentar desde cedo a presença de todo um núcleo fora do cenário até então conhecido da Terra.
Então veio Capitão América: o Primeiro Vingador, essa que é uma obra muito consciente das origens do personagem e se arrisca propositalmente nela. Tanto roteiro como direção não fogem das origens publicitárias do super-herói como parte dos esforços de guerra em 1941. Com isso é entregue ao público uma aventura tradicional e similar com o que era produzido até então no cinema de quadrinhos.
Um protagonista improvável recebe poderes e precisa derrotar um vilão cartunesco e com motivações bastante diretas; uma legítima história que poderia estampar as páginas das primeiras edições lançadas quando a Marvel ainda era a Timely Comics. Ainda assim, a produção não alcançou o mesmo consenso de Homem de Ferro (que tinha a vantagem da já mencionada história ambientada no mundo real, algo em ressonância com o que estava sendo feito com os bem sucedidos filmes do Batman até então) e junto a Thor foi relegada a certo esquecimento.
Em sua tese de mestrado intitulada Running Head: From Propaganda to a Blockbuster: the role of nationality in the reinterpretation of Captain America for modern international audiences, a autora Eeva-Kaisa Lintala estabelece uma linha divisória entre o que o público buscava do personagem nos anos 40 e o que passou a buscar em 2011.
“Em resumo, pode ser argumentado que em geral a audiência dos quadrinhos do Capitão América geralmente procuravam por uma identidade social ou de pertencimento, enquanto que os filmes modernos buscam primariamente e acima de tudo serem divertidos. Essa é pelo menos a razão mais implícita de ambas as audiências estarem consumindo a mídia.”.
A virada de fase do MCU foi importante para o sentinela da liberdade, bem como seu leque de heróis humanos, pois foi a virada de chave definitiva. Enquanto que Tony Stark encerrava sua trilogia, Steve Rogers avançava para seu segundo filme solo. Em Soldado Invernal a tão desejada contextualização entre Capitão América e mundo atual ocorreu; sua trama envolvia uma ampla operação de espionagem governamental conduzida pela S.H.I.E.L.D tendo semelhanças com a vigilância internacional dos EUA denunciada por Edward Snowden em 2013.
O novo capítulo também serviu de “abrigo” para a Viúva Negra, até então sem uma franquia própria, e introduziu Sam Wilson e Sharon Carter. Uma trama centrada no mundo da espionagem se mostrou um ótimo reduto para os elementos menos poderosos do MCU, oferecendo desafios que seriam difíceis para tais indivíduos, precisando ser superados aos poucos e com um trabalho de investigação.
Do ponto de vista técnico essa opção pôde ser interpretada como um tributo, ou tentativa de resgate, dos filmes de espionagem que se proliferaram em meados dos anos 2000; liderados pelo renascer da franquia 007 em Cassino Royale e pela trilogia Bourne estrelada por Matt Damon. Por último, essa nova inclinação narrativa serviu como uma alternativa pés no chão para o MCU que, naquela altura, escalonava na ambição.
Não muito depois veio Guerra Civil, que manteve muito da ambientação estabelecida no filme anterior, porém servindo muito mais como um grande crossover do que uma aventura específica para o núcleo mais mundano dos heróis. Foi somente com o seriado Falcão e o Soldado Invernal que a inclinação “Nolanística” foi oficializada para esse seguimento e, dada a deixa pós Ultimato, esse será o cenário mais propício para desenvolver as consequências do blip.
Mais recentemente o lançamento de Viúva Negra, mesmo que cronologicamente ultrapassado, fez uso dessa inspiração e consolidou esse espaço para não só a personagem de Scarlett Johansson mas também para futuras aparições de Florence Pugh.