Sequência de Peter Pan tem em sua produção e execução muito mais do que apenas uma aventura infanto-juvenil
A proximidade do natal sempre traz à tona memórias de diversos tipos. Alegres ou tristes elas criam essa identidade muito própria para uma ocasião já cercada de simbolismo, memórias essas que invariavelmente mantém viva a criança dentro de cada um. Enquanto muitos filmes se concentram sobre a data em si e a atmosfera que ela proporciona, em 1991 uma obra em particular tomou um caminho diferente.
À primeira vista, principalmente com uma visão de cinema moderno acostumada com reboots e sequências, a ideia de uma produção como Hook – A Volta do Capitão Gancho poderia soar oportunista e certamente desnecessária. Uma sequência de um clássico absoluto da literatura como Peter Pan, que teve seu debute no teatro em 1904, no qual o protagonista voltaria mais velho e teria que enfrentar novamente seu arqui-inimigo Capitão Gancho não soa atrativa.
A produção de Hook começou ainda nos anos 80, quando o cineasta Steven Spielberg abordou a Disney com a ideia de um live action da obra original. O cineasta tinha embasamento na ideia, uma vez que o próprio criador do personagem, J. M. Barrie já havia considerado no passado algo do tipo sem jamais ter posto em prática.
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Essa colaboração com a casa do Mickey, porém, não foi para frente. Durante uma entrevista em 1992 concedida à revista Cinema Papers, Spielberg indicou que gostaria de fazer algo que fosse parecido com a versão de 1924. “Eu ia fazê-lo no início de 1985. Eu estava buscando os direitos e em 1985 eu finalmente os adquiri do Hospital Infantil de Londres. Meu desejo era fazer um filme do Peter Pan baseado no livro, uma versão live-action como o filme mudo de 1924…”.
Muito do que Spielberg queria explorar com essa nova abordagem carregaria um enorme peso particular para ele. Na mesma entrevista mencionada, o diretor afirma que tinha ligação com o personagem desde cedo, quando sua mãe ainda lia para ele antes de dormir. Na escola, ele participou de uma peça sobre Peter Pan (inclusive utilizando esse evento como inspiração para a cena de abertura para o filme).
O projeto, porém, fora engavetado. A justificativa dada pelo cineasta foi o nascimento de seu filho, uma vez que “repentinamente eu não poderia mais ser Peter Pan. Eu tinha que ser seu pai. Essa é literalmente a razão pela qual eu não havia feito o filme antes… Quando ele nasceu, eu subitamente me tornei a imagem cuspida do meu pai e da minha mãe.”
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Sua vontade de dirigir o filme só voltaria após ler o roteiro assinado por Jim Hart. Originalmente, conforme dito, Spielberg desejava fazer uma adaptação da obra original; contudo após perceber a visão de Hart para um Peter que se esquecera da infância e de suas aventuras na Terra do Nunca, o diretor se pegou convencido de que, mesmo fugindo da sua ideia inicial, aquilo era uma boa premissa para um filme.
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Por se tratar de um projeto com bastante peso particular para Spielberg, Hook contou com elementos que faziam parte da vida dele. Além da já mencionada cena de abertura com a peça escolar, o diretor sentiu imediata identificação com o protagonista Peter Banning (interpretado por Robin Williams) por justamente estar atravessando uma fase da vida em que o trabalho estava lhe consumindo muito de seu tempo e pouco via os filhos.
Com o roteiro em mãos e os principais nomes confirmados (Dustin Hoffman como Capitão Gancho, Julia Roberts como Sininho e o já mencionado Robin Williams como Peter Pan) a produção se iniciou com um orçamento de US$ 48 milhões. De acordo com a matéria Waiting to See if ‘Hook’ Will Fly, assinada por Richard W. Stevenson para o New York Times em 1991, esse foi o custo inicial do projeto. Porém, “pessoas envolvidas na produção falaram que esse valor havia inchado antes das filmagens sequer começarem, primeiro para US$ 52 milhões e finalmente para pouco mais de US$ 62 milhões na época que o filme estava pronto”.
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A causa de tal aumento não só costuma ser atribuída ao elenco estelar, mas também à imponência do set de filmagem. A produção não poupara esforços em criar uma vila pirata e navios, como o famoso Jolly Roger do Gancho, em escalas gigantes. Tudo isso contribuiu para que o filme tivesse constantes problemas com a contabilidade.
Sua performance nas bilheterias, porém, foi um sucesso. O filme fechou com uma bilheteria global de US$ 300 milhões, bem como uma semana de abertura bastante positiva de mais de US$ 13 milhões, segundo o portal The Numbers. Já a recepção da crítica não acompanhou a empolgação das bilheterias. Dentre as mais recorrentes estavam, de acordo com as palavras de Roger Ebert, “a incapacidade de reimaginar o material, de encontrar algo novo, fresco e urgente para se fazer com o mito do Peter Pan”.
De um certo ponto de vista o filme também deixou um legado relacionado a continuar as aventuras em Peter Pan. Por volta de 2002 a Disney lançou a animação Peter Pan 2: De Volta a Terra do Nunca – cuja a premissa era ser uma continuação da animação de 1953, dessa vez focada em Jane, a filha de Wendy da aventura original. Assim como Peter Banning, Jane é mostrada como uma pessoa com pouca ou nenhuma tendência à imaginação (uma vez que a história se passa durante um momento trágico como os bombardeios alemães à Inglaterra na Segunda Guerra Mundial) mas que ao ser levada à Terra do Nunca precisará rever diversos conceitos sobre a vida.
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Pode-se dizer que a maior força no roteiro de Hook seja seu apelo para o ato de lembrar; a todo instante, o protagonista é lembrado de que ele precisa recordar quem foi e o quão urgente é isso. Ele que se esqueceu das coisas simples que, durante sua infância, eram tudo para ele, o definiam. Com a idade adulta e o acúmulo de responsabilidades ele abdicou de quem realmente era e o que o fazia feliz.
Muito provavelmente a identificação gerada pelo filme junto às gerações que o viram na infância contribuíram para uma certa apreciação tardia; para que se criasse esse laço sentimental com a obra. O mais curioso é que o natal não é um tema essencial para o andamento do roteiro como é em Grinch ou o Estranho Mundo de Jack, só que ainda assim ele evoca o exercício de lembrar dos melhores aspectos do passado. Poucas coisas podem ser mais natalinas que isso.
Assista:
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