Você já ouviu falar em Dario Argento? O cineasta italiano é motivo de culto para os fãs de terror mais antigos e por seus próprios colegas de ramo. O diretor foi um dos responsáveis por implementar na década de 1970 (onde verdadeiramente ganhou força) o movimento giallo, uma vertente do cinema de horror italiano que privilegia o grafismo, o exagero e o nonsense. Outros artistas que trabalham em tal gênero e cinéfilos apaixonados por todo o universo em torno de tais produções cinematográficas conhecem o valor que Argento possui na indústria e sua contribuição, até hoje muito influente.
Dario Argento começou a carreira bem afastado do gênero que o imortalizaria, no entanto. Seu primeiro trabalho de grande relevância foi como parte do trio criativo que assinou o roteiro do faroeste dos faroestes: Era uma Vez no Oeste (1968), de Sergio Leone. Ao lado de Argento e do próprio Leone, a história contou ainda com outro lendário cineasta na confecção, Bernardo Bertolucci (O Último Tango em Paris).
Com uma carreira de 25 créditos como diretor, entre filmes, séries, documentários e filmes para a TV, Argento estreou no comando de uma obra em 1970, já no gênero que nunca viria a abandonar durante toda a sua filmografia: o horror giallo. Logo em seu primeiro longa, O Pássaro das Plumas de Cristal, seu estilo ficaria cimentado e ditaria regra para seu modus operandi nas telas – um assassino à solta, um herói ou heroína em perigo (o único capaz de resolver o mistério), polícia inoperante ou completamente ineficiente, teor alucinógeno de eterno pesadelo e violência extrema ao ponto do grotesco caricatural e histérico.
O diretor já tinha quatro filmes do gênero no currículo quando lançou Suspiria (1977), seu primeiro horror sobrenatural. Suspiria foi um divisor de águas na carreira do cineasta, vindo a se tornar sua obra mais celebrada. Esta era a primeira vez em que Argento deixava de lado o tema até então recorrente dos serial killers para investir em algo realmente sem explicação (e assim acompanhar o teor de seus primeiros filmes). O sentimento alucinógeno e onírico era justificado quando o diretor resolveu investir em sua primeira história de assombrações, entidades, espíritos malignos e bruxaria.
Suspiria – que ganhou remake este ano pelas mãos de Luca Guadagnino (Me Chame pelo seu Nome) – funciona de duas maneiras. Por um lado, é o avô de Cisne Negro (2010), de Darren Aronofsky, e fala sobre uma jovem bailarina chamada Suzy Bannion (Jessica Harper) ingressando numa prestigiada escola de dança e balé na Alemanha. Suzy chega como a promissora nova estrela da instituição, mas logo descobre estranhos acontecimentos e mortes de outras alunas – todas receosas com os eventos no local. Por outro lado, Argento investe num verdadeiro covil de bruxas enterrado abaixo da escola. Nesta camada paralela, Suspiria ganha contornos de O Bebê de Rosemary (1968), de Roman Polanski, no qual um cenário aparentemente acolhedor esconde terríveis segredos do passado, mantidos vivos até hoje.
Com Suspiria, inadvertidamente, Dario Argento dava início a sua chamada trilogia das Mães. E a primeira apresentada é justamente esta que ficou conhecida como a Mãe dos Suspiros (daí “suspiria”, ou “suspiro”, “Falta de Ar”). A ideia ficou na cabeça do diretor e ele seguiu adiante com ela em seu filme seguinte. A Mansão do Inferno (Inferno), de 1980, move a trama da Alemanha para Nova York e Roma. Rose Elliot (Irene Miracle) encontra o livro ancestral explicando sobre as três entidades conhecidas como As Três Mães. Logo, cabe a seu irmão Mark Elliot (Leigh McCloskey) evitar o apocalipse e impedir que a força conhecida como Mãe das Trevas cause um cataclismo.
Depois de um grande hiato, causado pela falta do mesmo impacto que Inferno causou em relação à Suspiria, Dario Argento finalmente revisitou a lenda das três mães de novo, para – ao que tudo indica – encerrar de maneira propícia sua trilogia. O Retorno da Maldição: A Mãe das Lágrimas (The Mother of Tears), de 2007, incluiu sua filha, Asia Argento, com quem o diretor já vinha trabalhando desde Trauma (1993), pela primeira vez num filme das três mães. Asia protagoniza como Sarah Mandy, funcionária de um museu em Roma que sem querer desperta a terceira mãe: a Mãe das Lágrimas. Como diz o título.
O curioso do encerramento é que o roteiro cria um forte vínculo com os outros filmes, em especial Suspiria, citando os feitos da bailarina Suzy – num momento expositivo no qual um padre conta para a personagem de Asia sobre as bruxas e seus perigos para o mundo caso não sejam impedidas. Este é também o filme mais apocalíptico da trilogia, cujas ameaças foram se intensificando em escala – em Suspiria tudo era centrado num único prédio, em Inferno existia a possibilidade de se espalhar, e em A Mãe das Lágrimas vemos em primeira mão a coisa se alastrar e tomar as ruas, com chacinas públicas. Esta é a entidade mais sedutora de todas. Enquanto nos filmes anteriores as mães assumiam formas decrépitas em recuperação, aqui a Mãe das Lágrimas já chega ao mundo nas belíssimas e jovens formas da israelense Moran Atis, dona de trajes reveladores e hiper sexualizados ao longo de suas aparições.
Durante o Festival de Toronto 2007, onde o longa fez sua estreia, Dario Argento chegou a dizer que não descarta um quarto filme abordando “as três mães”. Asia brincou sobre a possibilidade de se tratar de uma “pré-sequência”. No ano em que o novo Suspiria chega para celebrar o cineasta, não seria nada mal que o lendário diretor começasse a pensar seriamente nesta ideia.
Agora, resta esperar para saber se o novo Suspiria aborda tais questões, se de cara abre espaço para as continuações – ou se funciona como obra única, com começo, meio e fim, esquecendo qualquer possibilidade de ampliar este universo como Argento fez.