domingo , 22 dezembro , 2024

Considerado o MELHOR terror da última década, filme de Robert Eggers retorna à Netflix

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Se pararmos para pensar, é quase impossível contar o número de narrativas sobrenaturais que conhecemos; desde quando crianças, somos bombardeados com epopeia mitológicas e fantasiosas que trazem como centro da trama uma força antagônica e etérea materializada em formas grotescas ou sedutoras, representando na maior parte das vezes a perigosa sedução da qual devemos nos afastar para não correr riscos. Seja em contos de fada, filmes, séries ou até mesmos histórias passadas de boca a boca, é muito comum encontrarmos a figura da bruxa mergulhada numa vilanesca e caricata personificação, com os membros esqueléticos, nariz adunco, verrugas espalhadas pela pele já seca, e uma risada maquiavélica que nos arrepia instantaneamente.

Ao longo dos séculos – e principalmente com a evolução da indústria do entretenimento -, tal personagem sofreu várias alterações, tornando-se mais humana, mais complexa, dotada de um passado conturbado que reverbera em sua personalidade atual e afável às trevas. É claro que cair em alguns convencionalismos históricos é normal, mas é a partir de todas essas premissas que Robert Eggers, mergulhando em seu primeiro trabalho cinematográfico de grande reconhecimento, respalda sua mais nova obra com contos centenários que remontam à época da colonização dos Estados Unidos, das controvérsias do julgamento de Salem e todo o misticismo das terras do litoral leste. É muito fácil encontrar inúmeras referências de produções anteriores e até mesmo entender a sua importância para o terror e o suspense psicológico: afinal, A Bruxa é nada mais que uma pura experiência sinestésica que desconstrói e reconstrói tais gêneros.



O filme, que é considerado o melhor terror da última década pelos críticos, está de volta ao catálogo da Netflix.

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O pano de fundo nos transporta para as campesinas terras da Nova Inglaterra, em uma comunidade regida pelo fervor protestante-católico dos colonos europeus. Toda a narrativa gira em torno de uma família exilada por não corroborar com as duras leis de sua vila, partindo então para o interior das florestas e construindo um novo lar: desde o princípio, sabemos que essa jornada não acabará bem – as previsões estão intrinsecamente ligadas à incrível e angustiante trilha sonora composta por Mark Koven, cujas sensações imediatas prologam-se por cada um dos atos. Koven arquiteta um escopo musical que mistura elementos tonais e dilacerantes a uma espécie de cantos pagãos distorcidos, evocando perigo a todos os momentos. E é muito interessante notar como a música também entra em contraposição às construções cênicas: em diversos momentos, a família está simplesmente sentada ao redor da fogueira, enquanto a trilha escala um crescendo esmagador.

A situação aparentemente controlada no núcleo protagonista muda totalmente quando o filho mais novo desaparece sob circunstância misteriosas e sem aviso prévio. A primogênita, Thomasin (Anya Taylor-Joy revelando em um potencial indescritível), estava cuidando de seu irmão acalentado nas cobertas, e ao desviar a atenção por dois segundos, ele foi arrastado sem deixar traços para a floresta – e é aqui que as coisas ficam ainda mais assustadoras: ao invés de se privar em mostrar o que realmente aconteceu, Eggers coreografa uma dança fluida para acompanhar o outro lado da história que não recebe toda a atenção que poderia receber. Logo depois do sumiço do caçula, vemos uma figura encapuzada (a famigerada bruxa) que o leva para um casebre escondido por entre as árvores e o sacrifica num ritual obsceno e arrepiante.

Cair em interpretações maniqueístas é um erro que não devemos cometer ao assistir a esse longa-metragem: a história é baseada em contos de época que tentavam explicar o inexplicável, e a suposta antagonista é nada mais que um mero bode expiatório para encontrar sentido e lógica – ainda que sobrenaturais – a uma cultura movida pelo medo. Ora, se bem podemos nos lembrar, os protestantes viviam em guerra com os anglicanos, sendo perseguidos constantemente; nada mais natural que moverem-se através desse medo para conseguirem reconstituir as vidas que perderam no além-mar. As inúmeras referências são constantes, e inclusive apoiam outros temas que são trazidos pelo roteiro também assinado pelo cineasta.

Eventualmente, a atmosfera já tensa da família dá um lugar a uma insegurança extrema: após tentativas fracassadas de seguirem em frente, Caleb, o segundo mais velho, aventura-se na floresta junto a Thomasin para impedi-la de ser mandada embora para a cidade grande – afinal, eles precisam de algum sustento, visto que as plantações não crescem, a comida é escassa e eles não têm como se manter por conta própria. A partir daqui, o ator-mirim Harvey Scrimshaw mostra-se merecedor de tantas ovações quanto seus colegas mais velhos ao mergulhar em seu personagem com tanta contundência que chega a ser mórbido: ele acaba retornando para a casa dias depois, tomado por uma febre inexplicável e com o corpo todo arranhado, dançando entre a lucidez e a loucura. É só então que, através de um monólogo quase teatral, ele se rende ao último suspiro de salvação em uma sequência perscrutada pelo puro silêncio.

Ainda que a chegada do terceiro ato represente uma quebra de ritmo perceptível, Eggers tenta fazer a experiência sensorial valer a pena e consegue na maior parte de sua obra. A histeria religiosa que acomete a família é um dos principais pontos tratados na obra, bem como o paganismo e a fé compulsória que logo mais corrompe cada um deles: o patriarca William (Ralph Ineson) é um dos exemplos mais claros de transgressão de arco e de personalidade, e sua presença é um elemento essencial para a composição da fotografia. Ao lado de Jarin Blaschke, o diretor toma cuidados especiais que tangenciam até mesmo pinturas religiosas, optando pelos planos frontais e pelo jogo de luz e sombra para compor a estética visual – suas inclinações para o barroco são simplesmente espetaculares.

Entretanto, a mudança brusca do tratamento da luz é também um elemento muito bem-vindo conforme cada personagem encontra seu trágico fim: alguns morrem, outros são raptado novamente pela bruxa, e Thomasin é a única que, desolada por mentiras e pela desconfiança de seus semelhantes, junta-se às forças do mal para encontrar a paz. E mesmo que a cena final só seja bem construída pelo último frame – que evoca memórias de gravuras pagãs históricas -, essa oscilação proposital é brilhante. Todo o exterior da casa é estranhamente repulsivo, marcado por uma paleta de cores cinza-azulada, quase morta: a luz interior é um dos únicos momentos convidativos, como se o filme prezasse pela segurança excessiva e condenasse os perigos que existem do lado de fora.

A Bruxa não é como a maioria das obras de terror e suspense – não passa nem perto disso. Então, é normal que grande parte do público não se identifique, visto que espera pelos jump scares e pelas construções exacerbadas que não irão existir. Aqui, o mal assume formas sutis e desliza sutilmente por todo o desenrolar da história, e esse talvez seja o ponto de maior sucesso do longa-metragem.

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Ao longo dos séculos – e principalmente com a evolução da indústria do entretenimento -, tal personagem sofreu várias alterações, tornando-se mais humana, mais complexa, dotada de um passado conturbado que reverbera em sua personalidade atual e afável às trevas. É claro que cair em alguns convencionalismos históricos é normal, mas é a partir de todas essas premissas que Robert Eggers, mergulhando em seu primeiro trabalho cinematográfico de grande reconhecimento, respalda sua mais nova obra com contos centenários que remontam à época da colonização dos Estados Unidos, das controvérsias do julgamento de Salem e todo o misticismo das terras do litoral leste. É muito fácil encontrar inúmeras referências de produções anteriores e até mesmo entender a sua importância para o terror e o suspense psicológico: afinal, A Bruxa é nada mais que uma pura experiência sinestésica que desconstrói e reconstrói tais gêneros.

O filme, que é considerado o melhor terror da última década pelos críticos, está de volta ao catálogo da Netflix.

O pano de fundo nos transporta para as campesinas terras da Nova Inglaterra, em uma comunidade regida pelo fervor protestante-católico dos colonos europeus. Toda a narrativa gira em torno de uma família exilada por não corroborar com as duras leis de sua vila, partindo então para o interior das florestas e construindo um novo lar: desde o princípio, sabemos que essa jornada não acabará bem – as previsões estão intrinsecamente ligadas à incrível e angustiante trilha sonora composta por Mark Koven, cujas sensações imediatas prologam-se por cada um dos atos. Koven arquiteta um escopo musical que mistura elementos tonais e dilacerantes a uma espécie de cantos pagãos distorcidos, evocando perigo a todos os momentos. E é muito interessante notar como a música também entra em contraposição às construções cênicas: em diversos momentos, a família está simplesmente sentada ao redor da fogueira, enquanto a trilha escala um crescendo esmagador.

A situação aparentemente controlada no núcleo protagonista muda totalmente quando o filho mais novo desaparece sob circunstância misteriosas e sem aviso prévio. A primogênita, Thomasin (Anya Taylor-Joy revelando em um potencial indescritível), estava cuidando de seu irmão acalentado nas cobertas, e ao desviar a atenção por dois segundos, ele foi arrastado sem deixar traços para a floresta – e é aqui que as coisas ficam ainda mais assustadoras: ao invés de se privar em mostrar o que realmente aconteceu, Eggers coreografa uma dança fluida para acompanhar o outro lado da história que não recebe toda a atenção que poderia receber. Logo depois do sumiço do caçula, vemos uma figura encapuzada (a famigerada bruxa) que o leva para um casebre escondido por entre as árvores e o sacrifica num ritual obsceno e arrepiante.

Cair em interpretações maniqueístas é um erro que não devemos cometer ao assistir a esse longa-metragem: a história é baseada em contos de época que tentavam explicar o inexplicável, e a suposta antagonista é nada mais que um mero bode expiatório para encontrar sentido e lógica – ainda que sobrenaturais – a uma cultura movida pelo medo. Ora, se bem podemos nos lembrar, os protestantes viviam em guerra com os anglicanos, sendo perseguidos constantemente; nada mais natural que moverem-se através desse medo para conseguirem reconstituir as vidas que perderam no além-mar. As inúmeras referências são constantes, e inclusive apoiam outros temas que são trazidos pelo roteiro também assinado pelo cineasta.

Eventualmente, a atmosfera já tensa da família dá um lugar a uma insegurança extrema: após tentativas fracassadas de seguirem em frente, Caleb, o segundo mais velho, aventura-se na floresta junto a Thomasin para impedi-la de ser mandada embora para a cidade grande – afinal, eles precisam de algum sustento, visto que as plantações não crescem, a comida é escassa e eles não têm como se manter por conta própria. A partir daqui, o ator-mirim Harvey Scrimshaw mostra-se merecedor de tantas ovações quanto seus colegas mais velhos ao mergulhar em seu personagem com tanta contundência que chega a ser mórbido: ele acaba retornando para a casa dias depois, tomado por uma febre inexplicável e com o corpo todo arranhado, dançando entre a lucidez e a loucura. É só então que, através de um monólogo quase teatral, ele se rende ao último suspiro de salvação em uma sequência perscrutada pelo puro silêncio.

Ainda que a chegada do terceiro ato represente uma quebra de ritmo perceptível, Eggers tenta fazer a experiência sensorial valer a pena e consegue na maior parte de sua obra. A histeria religiosa que acomete a família é um dos principais pontos tratados na obra, bem como o paganismo e a fé compulsória que logo mais corrompe cada um deles: o patriarca William (Ralph Ineson) é um dos exemplos mais claros de transgressão de arco e de personalidade, e sua presença é um elemento essencial para a composição da fotografia. Ao lado de Jarin Blaschke, o diretor toma cuidados especiais que tangenciam até mesmo pinturas religiosas, optando pelos planos frontais e pelo jogo de luz e sombra para compor a estética visual – suas inclinações para o barroco são simplesmente espetaculares.

Entretanto, a mudança brusca do tratamento da luz é também um elemento muito bem-vindo conforme cada personagem encontra seu trágico fim: alguns morrem, outros são raptado novamente pela bruxa, e Thomasin é a única que, desolada por mentiras e pela desconfiança de seus semelhantes, junta-se às forças do mal para encontrar a paz. E mesmo que a cena final só seja bem construída pelo último frame – que evoca memórias de gravuras pagãs históricas -, essa oscilação proposital é brilhante. Todo o exterior da casa é estranhamente repulsivo, marcado por uma paleta de cores cinza-azulada, quase morta: a luz interior é um dos únicos momentos convidativos, como se o filme prezasse pela segurança excessiva e condenasse os perigos que existem do lado de fora.

A Bruxa não é como a maioria das obras de terror e suspense – não passa nem perto disso. Então, é normal que grande parte do público não se identifique, visto que espera pelos jump scares e pelas construções exacerbadas que não irão existir. Aqui, o mal assume formas sutis e desliza sutilmente por todo o desenrolar da história, e esse talvez seja o ponto de maior sucesso do longa-metragem.

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