A paródia do parodiado
Com uma cena de abertura promissora, digna de seus melhores momentos nas telonas, o agente secreto mais famoso do cinema chega três anos depois de sua última aventura, o elogiadíssimo 007 – Operação Skyfall (indicado para cinco prêmios no Oscar e vencedor de dois – caminho que este novo exemplar não deverá percorrer). No México, em plena festividade do dia dos mortos, feriado comparável ao carnaval brasileiro, Bond (novamente interpretado por Daniel Craig, desta vez claramente desmotivado) deixa a beldade interpretada por Stephanie Sigman (Miss Bala) de lado para perseguir um criminoso italiano, no caminho derruba um prédio e numa praça lotada de pessoas protagoniza uma cena de ação de tirar o fôlego, envolvendo um helicóptero.
Esse longo momento inicial poderia servir de prévia para o tom do filme. Mas infelizmente, SPECTRE (no título original) segue daí para baixo, numa rota acelerada rumo ao declínio. É clara a perda de energia do novo exemplar de 007 ao longo dos minutos. Essa é uma produção básica, que não vive à altura dos melhores filmes do espião, entregando somente o “feijão com arroz” esperado, sem criar nenhum grande momento verdadeiramente. Sim, todas as peças estão aparentemente no lugar, e SPECTRE faz uso de algumas referências que deverão encantar os aficionados. Mas será que isso é o suficiente?
SPECTRE não conta com a beleza estética da fotografia de SKYFALL (provida pelo mestre Roger Deakins), o ritmo acelerado que não deu folga em Quantum of Solace, o roteiro intrincado de Cassino Royale (que sobressaiu todos da franquia), ou performances empenhadas e comprometidas de gente como Javier Bardem, Eva Green e Mads Mikkelsen, de fato.
Na trama, Bond consegue pegar um anel do criminoso italiano que perseguia. Tal ordem veio diretamente do túmulo, dada pela antiga M (Judi Dench, numa ponta). No objeto, a imagem de um polvo está gravada, um ser que simboliza os tentáculos de uma organização que possui braços em todos os lados. Depois de uma noite com a viúva do sujeito (papel da estonteante Monica Bellucci, a bondgirl mais velha aos 50 anos – numa participação quase “piscou perdeu”), o espião parte para seguir as pistas, que o levarão direto à porta da organização terrorista.
Entre uma perseguição de carro pelas ruas de Roma, e uma na neve da gelada Áustria, Bond conhece Madeleine Swann (Léa Seydoux, provavelmente a melhor coisa do filme), uma médica com laços sombrios, e o capanga Mr. Hinx (Dave Bautista), um grandalhão monossilábico que serve como homenagem ao icônico Oddjob (Harold Sakata), segurança de chapéu com abas de lâmina duro na queda em 007 Contra Goldfinger (1964).
Rostos conhecidos como o novo M (Ralph Fiennes), Moneypenny (Naomie Harris) e Q (Bem Whishaw) – todos parte do cânone – fazem o esperado, ao mesmo tempo em que novos jogadores, como o líder criminoso Franz Oberhauser (Christoph Waltz) e o manipulador Denbigh (Andrew Scott), chefe de segurança da MI5 (um vilão bem melhor e crível para essa nova era de Craig), entram em campo.
O que mais desaponta é a simplicidade do roteiro de SPECTRE, que se banha sem vergonha em clichês esperados, não desviando de nenhum – que podemos ver a quilômetros de distância – ao ponto do filme quase se tornar uma paródia dele mesmo. Ao sair da exibição para a imprensa com um amigo, discutíamos o fator Austin Powers – depois que assistirem ao filme vocês entenderão. Esse é o nível de “surpresa” imposta aqui. Os fãs e aficionados se esbaldarão. Para os demais, digamos que este não é o filme para começar a gostar da franquia.