Perdas e Danos
O tema da luta contra a AIDS já foi levado muitas vezes ao cinema como foco de diversas produções cinematográficas. Filadélfia (1993), de Jonathan Demme, segue como um dos mais memoráveis e ainda atuais. Voltando mais para perto, The Normal Heart (2014), produção para a TV da HBO, que trazia marcantes atuações de Mark Ruffalo e Matt Bomer, e Julia Roberts como uma médica cadeirante, se aproxima mais do espírito aqui, e mostra como foi o choque inicial da conscientização sobre uma doença rápida e fatal, quando surgiu no mundo pela primeira vez.
Se em Normal Heart tínhamos a AIDS afetando a comunidade gay nos EUA, na década de 1980, em 120 Batimentos por Minuto atravessamos o continente para a França da década de 1990. Nesta época atual de inclusão e aceitação, na qual ainda é preciso muita orientação, chega este drama gay de muito prestígio. Numa época delicada, onde Hollywood se vê pisando em ovos, acusada e cada vez mais questionada sobre representatividade. Época onde temos Moonlight: Sob a Luz do Luar vencedor do Oscar na categoria principal, e filmes como Me Chame pelo Seu Nome acumulando inúmeros elogios (quase garantido de estar nas cabeças na cerimônia deste ano também). Podemos inclusive pensar que não existe época mais propícia para lançamentos como este. A verdade é que esta época deveria ser sempre.
O filme aborda um assunto importante, que tem voltado a ser discutido com uma nova leva de pessoas contaminadas pelo vírus da AIDS – é reportado que o número tem aumentado nos últimos tempos, até mesmo em países como o Brasil. Escrito e dirigido por Robin Campillo, 120 Batimentos por Minuto é também um atestado político, e nos leva junto pelos atos extremos do grupo ACT UP, enquanto invadem escritórios de empresas farmacêuticas para exigir que combatam a epidemia que se alastra pelo país cada vez mais rápido e tira a vida principalmente de homossexuais. É bem verdade que a comunidade gay foi o primeiro e principal foco da doença, e que erroneamente – como o futuro viria a mostrar – ficou conhecida como uma doença deste nicho da sociedade.
A força e verve das ações dos membros tem propósito, quando hostilizam sem violência, apenas sujando o local com bexigas de sangue falso, ou quando interrompem discursos de representantes e políticos. Tais momentos mais apaixonados, são balanceados com descontração, quando os mesmos membros pacifistas (nos atos nunca resistem aos seguranças e policiais) resolvem extravasar, escapando de sua triste realidade (todos, ou quase todos os membros são portadores do vírus HIV) na pista de dança de alguma boate, ou no desfile da parada gay, local de visibilidade e influência para sua causa.
Ao mesmo tempo em que possui fervor, 120 Batimentos por Minuto também é sobre calmaria, sobre relacionamentos e amizades. Sobre o ser humano. O longa possui momentos intensos, e não me refiro ao teor sexual – sim, ele também se faz presente – porém, o tapa na cara vem com a impotência de uma vida se esvaindo diante de nossos olhos. O diretor Campillo usa relatos de suas experiências pessoais no grupo ativista ACT UP, e igualmente reflete suas perdas em tela – segundo as palavras do próprio cineasta, “eu também precisei vestir um namorado depois de sua morte”.
Não deixe de assistir:
No elenco, destacam-se as performances do argentino Nahul Pérez Biscayart, o grande chamariz aqui e o rapaz no pôster do filme, na pele do passional Sean Dalmazo, e o rosto conhecido da jovem estrela francesa Adèle Haenel (A Garota Desconhecida e Faces de uma Mulher), que encarna Sophie, uma das cabeças do ACT UP. Necessário, mesmo sem um aprofundamento maior em seus personagens – já que o propósito aqui era um panorama geral na situação e não em indivíduos – 120 Batimentos por Minuto era o representante da França por uma indicação ao Oscar de produção estrangeira, já eliminado na primeira etapa dos nove restantes. O que não diminui em nada sua importância para a composição do ano cinematográfico.