quarta-feira , 20 novembro , 2024

Crítica 2 | ‘Beau Tem Medo’ leva o BIZARRO a outro nível nas telonas

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Enfim chega aos cinemas um dos filmes mais misteriosos dos últimos anos: Beau Tem Medo. Anunciado por um bom tempo como Disappointment Blvd., o novo projeto do promissor Ari Aster foi inicialmente descrito como uma comédia de terror sobre um dos maiores empresários da história, com nome não revelado. Isso já seria uma grande surpresa, já que o diretor se popularizou por histórias de terror sobre relacionamentos, não pessoas públicas. No entanto, com a mudança do título para o atual, esse papo de ser uma biografia de um empresário foi ficando meio de lado e começou a ficar mais próximo do Ari Aster que conhecemos. Até porque um de seus primeiros trabalhos foi o curta “Beau”, que conta a história de um homem de meia idade paranoico que pretende visitar a mãe, mas começa a sofrer com uma série de eventos incomuns.

Conheça ‘Beau’, o curta de Ari Aster que influenciou ‘Beau Tem Medo’

Foto: Divulgação/ Diamond Films

Depois de muitas especulações e uma campanha publicitária que explorou ao máximo a aparência peculiar do jovem Armen Nahapetian, que muitos afirmaram categoricamente ser uma criança de CGI, o filme estreia e justifica toda a estranheza prometida nos materiais promocionais com uma condução narrativa que beira o abstrato, criando uma obra que propõe ao espectador não apenas refletir sobre o filme durante seu próprio desenrolar, mas também participar da trama como um grande componente do roteiro.



Em outras palavras, o roteiro e a direção te convidam a sentir na pele a desgraça que é ser o Beau e viver as situações mais constrangedoras e humilhantes possíveis, ao mesmo tempo que você também participa como promotor dessa humilhação. É um longa que te põe na pele de vítima e agressor em uma trama que exige completo desapego à realidade. As reações ao fim da sessão para qual fui convidado foram sensacionais. Enquanto alguns se questionavam sobre o que acabaram de assistir, outros afirmavam categoricamente não terem entendido nada. É um daqueles casos de “Não entendi, nota 9”. Isso porque é um longa que causa sensações, não necessariamente boas sensações, e propõe que você aceite a história sem se apegar a pontos racionais para “justificar” alguma cena ou algum acontecimento, assim como o próprio Beau ao longo das 2h59 de filme.

E por se tratar de um filme do Ari Aster, tudo gira em torno da mente supostamente problemática do medroso Beau, que só perde em nível de problemas para sua relação misteriosa com a própria mãe, uma personagem cuja aura transita entre a imaculada e a controversa conforme os flashbacks e as situações são apresentadas.

Foto: Divulgação/ Diamond Films

O filme tem cinco atos bem segmentados, cada um mais perturbador que o outro, crescendo a escala do absurdo com uma falta de naturalidade propositalmente incômoda. Afinal, foi construindo muito bem climas desconfortáveis e situações desagradáveis que o diretor fez seu nome no meio do terror atual. Só que neste filme, o protagonista carrega uma inocência praticamente infantil, o que deixa tudo que acontece com ele ainda mais incômodo. É como se Ari Aster construísse as desventuras de seu próprio Forrest Gump, com a diferença que absolutamente tudo dá errado para ele.

O primeiro ato consegue ser o mais “normal” deles, mesmo mostrando desde o nascimento até o presente do protagonista, já levantando algumas questões. Ele praticamente pega o curta original de 2011 e o expande com mais orçamento e tempo de tela. É nele que conhecemos a faceta “social” de Beau e como ele vive em um ambiente hostil, representado pelas mazelas sociais comuns a todo o planeta, como a pobreza, a luxúria, a violência descontrolada, o vício nas redes sociais e a total falta de apreço pela vida humana que o modelo social vigente proporciona diariamente. O conflito inicial de Beau é com seus vizinhos, que o acusam de estar escutando música alta durante a noite, criando a primeira divergência do público e o primeiro sinal de que o desprendimento da realidade será essencial para embarcar na proposta do filme. Isso porque apesar dos vizinhos e passantes da rua trazerem conflitos, acusando Beau de consumar os atos, em momento algum nos é mostrado ele realizando as ações.

É também o ato mais sutil acerca da personalidade do protagonista. Ele ainda parece ser um homem teoricamente normal, apenas vítima do contexto miserável em que está inserido. Ainda assim, ele se mostra um homem cordial e muito, mas muito submisso, mantendo contato apenas com sua amada mãe, para quem prometeu uma visita.

Foto: Divulgação/ Diamond Films

O segundo ato é ambientado em uma casa familiar, onde Ari Aster mostra que tortura pode ser entretenimento se for conduzida por um diretor que sabe o que está fazendo e um elenco completamente compromissado. Nessa sequência, Beau é tratado como um visitante no lar de uma família tradicional, em que apenas a filha parece se incomodar com sua presença. É outro momento bastante comum a crianças em fase de crescimento e amadurecimento, que é passar a noite fora. Não surpreendentemente, a direção dá um jeito de colocá-lo em situações nas quais ele pede pela mãe, exatamente como uma criança que dormiu fora de casa pela primeira vez.

E sem dar muitos detalhes, esse ato é um dos mais grotescos de todo o filme. Ele promove um contraste de imagem com os personagens apresentados que vão se somando à trama, que novamente é incômodo e traz novos conflitos e mistérios. É também um momento carregado de críticas, principalmente porque esses personagens tão idealizados e que representam a típica família americana são responsáveis por ações muito questionáveis e injustificáveis, enquanto ostentam uma roupagem muito próxima do cotidiano de muitos.

Foto: Divulgação/ Diamond Films

Eis que o filme transita de forma ofegante para o terceiro ato, aquele que provavelmente vai marcar o imaginário das pessoas quando lembrarem desse filme. Marcado pelas cores fortes e pela metalinguagem, ele leva Beau para uma sessão de teatro em meio à floresta, onde surgem personagens que criam algum tipo de vínculo positivo com o protagonista, e é quando o filme abraça uma estética colorida de encher os olhos. É o momento em que a ficção e a ‘realidade’ se misturam e Beau se permite sonhar acordado, levando o espectador a viajar por meio de seus medos e traumas de forma quase didática. Essa sequência é tão fascinante e surtada quanto triste. Suas aspirações são simples, dignas de quem apenas quer uma vida comum e não consegue por conta de seus traumas e paranoias.

É uma outra clara situação de contraste, mas que é feita de forma tão envolvente e surrealista que mesmo em meio a situações pesadas e tristes, consegue criar uma catarse misturando passado, presente e futuro. Fazendo o paralelo com as situações infantis às quais o protagonista é submetido, é como a primeira vez que uma criança vai a uma feira ou ao cinema em si, criando amigos, encontrando desconhecidos e se envolvendo pelos próprios sonhos e desejos projetados na arte. É um breve momento de acolhimento real em meio a tantas provações.

Foto: Divulgação/ Diamond Films

Os atos finais são quando tudo descamba e conseguem se tornar ainda mais bizarro. É principalmente no quarto ato que a proposta de ser um pesadelo em carne e osso se materializa e os níveis da bizarrice se tornam ilimitados. Absolutamente tudo neste ato é cruel, traumático e surpreendente. Por isso, vamos falar o mínimo possível dele e do quinto no texto, apenas dizer que são construídos de forma que o abstrato se torna palpável e os conflitos desenvolvidos e sugeridos ao longo da história se encontram em uma situação pra lá de inusitada, reunindo os maiores pesadelos da existência de Beau em uma sequência complexa envolvendo a busca por respostas e os horrores da psique humana.

Entre os atos, a direção traz flashbacks da infância de Beau, mostrando um pouco mais de seu comportamento nas diferentes faixas etárias. As cenas de sua infância são retratadas em um cruzeiro, sempre ao fim do dia ou no início da noite, com cores quentes que destoam das demais. É uma representação de tempos mais vívidos em que Beau conseguiu criar vínculos com pessoas de fora da família. O mais curioso é ver como ele se tornou esse adulto tomado pelo medo, enquanto ele tenta sobreviver às provações da desventura da vida.

Foto: Divulgação/ Diamond Films

Outro ponto que se destaca e pode passar despercebido é o uso da trilha musical para ajudar a construir no subconsciente a ideia de que Beau é visto como uma criança. Além de praticamente todos os personagens o tratarem sob um tom professoral, se colocando acima dele em vários sentidos, todas as canções do longa contam histórias de alguém sendo guiado ou influenciado por uma mãe ou uma pessoa não revelada, o que casa perfeitamente com a proposta do filme. Mas não indicamos que vocês procurem a trilha antes de ver o longa, porque os nomes das trilhas originais são bastante reveladores e podem tirar um pouco da abstração.

Falando em passar despercebido, esse filme conta com uma infinidade de detalhes e autorreferências que enriquecem muito a história. Só que são tantas que chega a ser quase impossível. Por isso, se você embarcar na proposta, é bem provável que termine sua análise pós-sessão com vontade de assisti-lo novamente só para prestar atenção nesses pequenos detalhes, mesmo que isso signifique encarar mais uma vez 2h59 de filme. E grande parte desse tempo é conduzida pela atuação brilhante de Joaquin Phoenix, que interpreta o Beau adulto e idoso.

No entanto, não acredito que ele seja indicado nas grandes premiações. É que, apesar da mudança física expressiva dele para o papel, o Beau é um personagem de meia idade com personalidade passiva, vítima de uma sociedade, tem um relacionamento misterioso e complexo com a mãe, vive com psicológico abalado e passa o tempo inteiro fugindo. Ou seja, cai exatamente no mesmo arquétipo do Arthur Fleck, personagem que rendeu ao ator um Oscar em Coringa (2019). Mesmo assim, ele está fantástico como Beau.

Foto: Divulgação/ Diamond Films

Beau Tem Medo é um daqueles filmes que despertará as mais diferentes reações nos espectadores. Inclusive, se uma pessoa assisti-lo a mais de uma vez, a probabilidade de mudar sua visão sobre a trama, os personagens e afins, terminando a sessão com uma nova interpretação, é altíssima. Entretanto, muitos podem não comprar a proposta e aí a experiência das quase 3h não será das mais positivas. A boa notícia é que os fãs do Ari Aster vão se deleitar com o diretor praticamente estabelecendo seu parque de diversões, elevando ao máximo seu estilo e estética de direção. E quem não gosta do trabalho do diretor, muito provavelmente não vai mudar de ideia com esse aqui. Até porque a mescla de comédia com drama e terror não é das mais palatáveis, por mais que funcione muito bem em tela.

No final das contas, Beau Tem Medo me remeteu a escutar a música Bohemian Rhapsody, do Queen. É uma grande mistura de estilos que não tem medo de propor coisas novas e não quer que o público ache um sentido na obra, mas que sinta sua proposta e se deixe envolver por seus extremos. Mesmo que você não entenda nada, essas obras são capazes de causar sensações e gerar interpretações. E o melhor de tudo é que não tem um “caminho certo” a se seguir. Todas as rotas e viagens compõe a totalidade dessas produções e é justamente isso que faz delas trabalhos únicos. No caso de Beau, é um filme que definitivamente merece ser visto no cinema, porque como é longo e requer que você viaje junto com o protagonista, a experiência de assisti-lo em uma sala climatizada escura, onde não haverá pausas e estímulos externos, como telefones e outras telas, é a melhor para vivenciar a produção com a intensidade que ela pede.

Foto: Divulgação/ Diamond Films

Beau Tem Medoestá em cartaz nos cinemas do Brasil.

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Pedro Sobreirohttp://cinepop.com.br/
Jornalista apaixonado por entretenimento, com passagens por sites, revistas e emissoras como repórter, crítico e produtor.

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Conheça ‘Beau’, o curta de Ari Aster que influenciou ‘Beau Tem Medo’

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Depois de muitas especulações e uma campanha publicitária que explorou ao máximo a aparência peculiar do jovem Armen Nahapetian, que muitos afirmaram categoricamente ser uma criança de CGI, o filme estreia e justifica toda a estranheza prometida nos materiais promocionais com uma condução narrativa que beira o abstrato, criando uma obra que propõe ao espectador não apenas refletir sobre o filme durante seu próprio desenrolar, mas também participar da trama como um grande componente do roteiro.

Em outras palavras, o roteiro e a direção te convidam a sentir na pele a desgraça que é ser o Beau e viver as situações mais constrangedoras e humilhantes possíveis, ao mesmo tempo que você também participa como promotor dessa humilhação. É um longa que te põe na pele de vítima e agressor em uma trama que exige completo desapego à realidade. As reações ao fim da sessão para qual fui convidado foram sensacionais. Enquanto alguns se questionavam sobre o que acabaram de assistir, outros afirmavam categoricamente não terem entendido nada. É um daqueles casos de “Não entendi, nota 9”. Isso porque é um longa que causa sensações, não necessariamente boas sensações, e propõe que você aceite a história sem se apegar a pontos racionais para “justificar” alguma cena ou algum acontecimento, assim como o próprio Beau ao longo das 2h59 de filme.

E por se tratar de um filme do Ari Aster, tudo gira em torno da mente supostamente problemática do medroso Beau, que só perde em nível de problemas para sua relação misteriosa com a própria mãe, uma personagem cuja aura transita entre a imaculada e a controversa conforme os flashbacks e as situações são apresentadas.

Foto: Divulgação/ Diamond Films

O filme tem cinco atos bem segmentados, cada um mais perturbador que o outro, crescendo a escala do absurdo com uma falta de naturalidade propositalmente incômoda. Afinal, foi construindo muito bem climas desconfortáveis e situações desagradáveis que o diretor fez seu nome no meio do terror atual. Só que neste filme, o protagonista carrega uma inocência praticamente infantil, o que deixa tudo que acontece com ele ainda mais incômodo. É como se Ari Aster construísse as desventuras de seu próprio Forrest Gump, com a diferença que absolutamente tudo dá errado para ele.

O primeiro ato consegue ser o mais “normal” deles, mesmo mostrando desde o nascimento até o presente do protagonista, já levantando algumas questões. Ele praticamente pega o curta original de 2011 e o expande com mais orçamento e tempo de tela. É nele que conhecemos a faceta “social” de Beau e como ele vive em um ambiente hostil, representado pelas mazelas sociais comuns a todo o planeta, como a pobreza, a luxúria, a violência descontrolada, o vício nas redes sociais e a total falta de apreço pela vida humana que o modelo social vigente proporciona diariamente. O conflito inicial de Beau é com seus vizinhos, que o acusam de estar escutando música alta durante a noite, criando a primeira divergência do público e o primeiro sinal de que o desprendimento da realidade será essencial para embarcar na proposta do filme. Isso porque apesar dos vizinhos e passantes da rua trazerem conflitos, acusando Beau de consumar os atos, em momento algum nos é mostrado ele realizando as ações.

É também o ato mais sutil acerca da personalidade do protagonista. Ele ainda parece ser um homem teoricamente normal, apenas vítima do contexto miserável em que está inserido. Ainda assim, ele se mostra um homem cordial e muito, mas muito submisso, mantendo contato apenas com sua amada mãe, para quem prometeu uma visita.

Foto: Divulgação/ Diamond Films

O segundo ato é ambientado em uma casa familiar, onde Ari Aster mostra que tortura pode ser entretenimento se for conduzida por um diretor que sabe o que está fazendo e um elenco completamente compromissado. Nessa sequência, Beau é tratado como um visitante no lar de uma família tradicional, em que apenas a filha parece se incomodar com sua presença. É outro momento bastante comum a crianças em fase de crescimento e amadurecimento, que é passar a noite fora. Não surpreendentemente, a direção dá um jeito de colocá-lo em situações nas quais ele pede pela mãe, exatamente como uma criança que dormiu fora de casa pela primeira vez.

E sem dar muitos detalhes, esse ato é um dos mais grotescos de todo o filme. Ele promove um contraste de imagem com os personagens apresentados que vão se somando à trama, que novamente é incômodo e traz novos conflitos e mistérios. É também um momento carregado de críticas, principalmente porque esses personagens tão idealizados e que representam a típica família americana são responsáveis por ações muito questionáveis e injustificáveis, enquanto ostentam uma roupagem muito próxima do cotidiano de muitos.

Foto: Divulgação/ Diamond Films

Eis que o filme transita de forma ofegante para o terceiro ato, aquele que provavelmente vai marcar o imaginário das pessoas quando lembrarem desse filme. Marcado pelas cores fortes e pela metalinguagem, ele leva Beau para uma sessão de teatro em meio à floresta, onde surgem personagens que criam algum tipo de vínculo positivo com o protagonista, e é quando o filme abraça uma estética colorida de encher os olhos. É o momento em que a ficção e a ‘realidade’ se misturam e Beau se permite sonhar acordado, levando o espectador a viajar por meio de seus medos e traumas de forma quase didática. Essa sequência é tão fascinante e surtada quanto triste. Suas aspirações são simples, dignas de quem apenas quer uma vida comum e não consegue por conta de seus traumas e paranoias.

É uma outra clara situação de contraste, mas que é feita de forma tão envolvente e surrealista que mesmo em meio a situações pesadas e tristes, consegue criar uma catarse misturando passado, presente e futuro. Fazendo o paralelo com as situações infantis às quais o protagonista é submetido, é como a primeira vez que uma criança vai a uma feira ou ao cinema em si, criando amigos, encontrando desconhecidos e se envolvendo pelos próprios sonhos e desejos projetados na arte. É um breve momento de acolhimento real em meio a tantas provações.

Foto: Divulgação/ Diamond Films

Os atos finais são quando tudo descamba e conseguem se tornar ainda mais bizarro. É principalmente no quarto ato que a proposta de ser um pesadelo em carne e osso se materializa e os níveis da bizarrice se tornam ilimitados. Absolutamente tudo neste ato é cruel, traumático e surpreendente. Por isso, vamos falar o mínimo possível dele e do quinto no texto, apenas dizer que são construídos de forma que o abstrato se torna palpável e os conflitos desenvolvidos e sugeridos ao longo da história se encontram em uma situação pra lá de inusitada, reunindo os maiores pesadelos da existência de Beau em uma sequência complexa envolvendo a busca por respostas e os horrores da psique humana.

Entre os atos, a direção traz flashbacks da infância de Beau, mostrando um pouco mais de seu comportamento nas diferentes faixas etárias. As cenas de sua infância são retratadas em um cruzeiro, sempre ao fim do dia ou no início da noite, com cores quentes que destoam das demais. É uma representação de tempos mais vívidos em que Beau conseguiu criar vínculos com pessoas de fora da família. O mais curioso é ver como ele se tornou esse adulto tomado pelo medo, enquanto ele tenta sobreviver às provações da desventura da vida.

Foto: Divulgação/ Diamond Films

Outro ponto que se destaca e pode passar despercebido é o uso da trilha musical para ajudar a construir no subconsciente a ideia de que Beau é visto como uma criança. Além de praticamente todos os personagens o tratarem sob um tom professoral, se colocando acima dele em vários sentidos, todas as canções do longa contam histórias de alguém sendo guiado ou influenciado por uma mãe ou uma pessoa não revelada, o que casa perfeitamente com a proposta do filme. Mas não indicamos que vocês procurem a trilha antes de ver o longa, porque os nomes das trilhas originais são bastante reveladores e podem tirar um pouco da abstração.

Falando em passar despercebido, esse filme conta com uma infinidade de detalhes e autorreferências que enriquecem muito a história. Só que são tantas que chega a ser quase impossível. Por isso, se você embarcar na proposta, é bem provável que termine sua análise pós-sessão com vontade de assisti-lo novamente só para prestar atenção nesses pequenos detalhes, mesmo que isso signifique encarar mais uma vez 2h59 de filme. E grande parte desse tempo é conduzida pela atuação brilhante de Joaquin Phoenix, que interpreta o Beau adulto e idoso.

No entanto, não acredito que ele seja indicado nas grandes premiações. É que, apesar da mudança física expressiva dele para o papel, o Beau é um personagem de meia idade com personalidade passiva, vítima de uma sociedade, tem um relacionamento misterioso e complexo com a mãe, vive com psicológico abalado e passa o tempo inteiro fugindo. Ou seja, cai exatamente no mesmo arquétipo do Arthur Fleck, personagem que rendeu ao ator um Oscar em Coringa (2019). Mesmo assim, ele está fantástico como Beau.

Foto: Divulgação/ Diamond Films

Beau Tem Medo é um daqueles filmes que despertará as mais diferentes reações nos espectadores. Inclusive, se uma pessoa assisti-lo a mais de uma vez, a probabilidade de mudar sua visão sobre a trama, os personagens e afins, terminando a sessão com uma nova interpretação, é altíssima. Entretanto, muitos podem não comprar a proposta e aí a experiência das quase 3h não será das mais positivas. A boa notícia é que os fãs do Ari Aster vão se deleitar com o diretor praticamente estabelecendo seu parque de diversões, elevando ao máximo seu estilo e estética de direção. E quem não gosta do trabalho do diretor, muito provavelmente não vai mudar de ideia com esse aqui. Até porque a mescla de comédia com drama e terror não é das mais palatáveis, por mais que funcione muito bem em tela.

No final das contas, Beau Tem Medo me remeteu a escutar a música Bohemian Rhapsody, do Queen. É uma grande mistura de estilos que não tem medo de propor coisas novas e não quer que o público ache um sentido na obra, mas que sinta sua proposta e se deixe envolver por seus extremos. Mesmo que você não entenda nada, essas obras são capazes de causar sensações e gerar interpretações. E o melhor de tudo é que não tem um “caminho certo” a se seguir. Todas as rotas e viagens compõe a totalidade dessas produções e é justamente isso que faz delas trabalhos únicos. No caso de Beau, é um filme que definitivamente merece ser visto no cinema, porque como é longo e requer que você viaje junto com o protagonista, a experiência de assisti-lo em uma sala climatizada escura, onde não haverá pausas e estímulos externos, como telefones e outras telas, é a melhor para vivenciar a produção com a intensidade que ela pede.

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