Born to be wild
Em fevereiro de 2008, Amy Winehouse ganha cinco prêmios Grammy por seu álbum Back to Black. No trabalho da cantora não faltam relatos sobre as dificuldades em seus relacionamentos, solidões e outros turbulentos processos de dor, claro, também não falta ritmo e melodia, mas é inegável que existe um trabalho muito mais íntimo em jogo. Contudo, meses depois surge – a até então desconhecida – Lady Gaga, com o que viria a ser uma das principais músicas do seu primeiro álbum, o single Just Dance.
O seu primeiro trabalho, tal como as suas primeiras aparições e shows, debruçava-se – mesclando acidez e alta costura – no lado mais obscuro da fama e suas falsas faces. Porém, em seu mais recente álbum, Joanne (2016), apresenta uma nova faceta, que justamente por sua simplicidade soa tão transgressora quanto o seu começo de carreira. Livre de subterfúgios ofuscantes a artista se revela mais próxima das temáticas intimistas, fugindo discretamente da imagem daquela que devora dores, horrores e doenças para uma transformação maior.
No documentário Gaga: five foot two , dirigido por Chris Moukarbel, Gaga se despe das barrocas e inusitadas caracterizações para mostrar um lado mais aproximado de seus fãs. Não se trata da mulher invencível e inalcançável presente nos grandes eventos e realizando performances mirabolantes, mas de alguém que padece. O filme, que tem como primeira imagem, uma Gaga em –literal- ascensão, se aprofunda na força sensível que seria motriz da virada estética de seu objeto. O documentário, bastante orgânico e funcional, parece se fazer de subtemas para montar uma estrutura que atenda as muitas pessoas que habitam Stefani Germanotta.
O longa -desde seu começo- é claro ao evidenciar uma posição privilegiada na qual ele contaria com uma distância curta o bastante para obter revelações, contudo essa mesma não parece ser cautelosa para , por vezes, não tornar sua presença nítida demais levando ao espectador uma desconfiança sobre o quão previamente articulada a situação se encontrava. Um exemplo se encontra no depoimento de Gaga sobre Madonna. Não há dúvidas sobre o teor do que é dito por Gaga, mas falta naturalidade à ocasião que parece confeccionada para a existência do subtema Madonna.
Sua estrutura se aprofunda aos poucos em seu objeto, criando condições para que até quem possui uma imagem mais engessada de Lady Gaga encontre um novo ponto de partida. Nesse momento a vemos em reuniões de família, emocionada em um batizado, tomando sol à beira da piscina, acordando descabelada e com a raiz do cabelo por pintar. Somente após algum tempo acompanhando seus trajetos, seu afeto por alguns parceiros de trabalho e sobretudo a presença constante de sua família, conhecemos a história por trás do álbum Joanne. Aos verdadeiros fãs não haverá novidade alguma nos fatos ditos, mas o documentário agrega um paralelismo com a, então ainda recente, descoberta da fibromialgia da cantora.
A dor e a morte ganham vozes e revelam as inseguranças e finalmente o longa consegue atingir seu objetivo de denotar que mesmo alguém tão repleto de recursos e sucessos atravessa o que há de mais humano. Ao perder aqueles que a cercam e não ter certeza sobre como seu corpo -para a artista em questão um instrumento necessário não só para a performance, mas para sua percepção -responderia daquele momento em diante, Gaga se afasta de sua plasticidade sem renegá-la, pois não se trata de uma desvalorização de seu apelo estético mas uma transformação da artista que encontra forças justamente ao se despir das armaduras.
Apesar de se tratar de um documentário simples e objetivo, não lhe falta esmero e rigor técnico, como tudo que envolve a artista e o próprio filme expõe. Mas é inegável que seu maior valor está na percepção da cantora em transformar minimalismo e humanidade em irreverência.