Anunciado sob forte expectativa, Priscilla foi vendido como um filme emocionante sobre a libertação de uma jovem do relacionamento com a maior estrela do rock do planeta. Com direção de Sofia Coppola, o longa quis retratar essa história tão polêmica pela ótica da própria Priscilla Presley, que ajudou no roteiro contando para a diretora causos de sua vida com Elvis. E casos como esse, em que o protagonista da vida real interfere no longa, isso pode ser excelente, como Elton John praticamente obrigando a direção a não poupar os podres de sua vida em Rocketman (2019), ou ruim, como infelizmente parece ter acontecido aqui.
Priscilla nunca escondeu para ninguém que Elvis sempre foi e ainda é o amor de sua vida, apesar dos abusos tenebrosos aos quais ela foi submetida e estão registrados em livro. E no final das contas, 99% dos fãs do cantor sabem dessa faceta podre do Rei do Rock. Então, o filme parte da ótica dela, de alguém que sofreu, mas que segue com sentimentos por ele. Ao fim de pouco menos de duas horas de duração, que parecem se estender para três horas, a sensação que fica é que o grande culpado pelo casal não ter dado certo foi a rotina de astro do rock e não o caráter completamente questionável de Elvis.
Nessa proposta de vilanizar o Elvis para logo em seguida suavizar as coisas, a biografia se torna apática. Talvez se Priscilla não tivesse participado, Sofia assumiria mais essa faceta abusiva do cantor. Talvez não, já que o filme em momento algum se dá ao trabalho de consolidar o Elvis como astro da música. Alguns podem dizer que não era a proposta do longa abordar a vida do cantor. No entanto, parte fundamental de entender a complexidade dessa relação passa justamente pelo status, pelo glamour e pelas pressões dessa vida de fama. E ao escolher por falar o mínimo possível do Elvis, Coppola distancia o público de sentimentos sobre suas ações. Ele é retratado como uma folha de papel em branco, que bate e depois afaga, sem qualquer profundidade.
E isso reflete diretamente na inconstância do filme. A parte inicial é incrível, porque a direção decide explorar os conflitos internos da protagonista e mostra como ela vai abrindo mão de ser quem é para se adequar aos desejos de Elvis. O cantor, inclusive, consegue causar muito mais revolta ao dar em cima de uma criança de 14 anos do que mais para o final, quando ele arremessa uma cadeira contra ela, ou quando tenta uma relação forçada. E não que um seja mais ou menos aceitável que o outro. É um filme que fala sobre abuso, então todas as formas de abuso deveriam ser retratadas de forma igualmente revoltantes. Aí que entra a sensação de algum tipo de interferência para tentar preservar a memória do ícone da música mundial.
A direção também tem um gravíssimo problema de montagem, contando a história de uma forma que deixa a passagem de tempo muito confusa. O filme conta dos 14 aos 29 anos de Priscilla Presley, mas é retratado de maneira corrida, fazendo parecer que o período dos 16 aos 29 anos passou em duas semanas. Esse manejo da história de forma corrida (e cansativa) distancia o público do envolvimento emocional.
Outro acontecimento questionável é não usar as músicas de Elvis na trilha, até mesmo para ajudar a criar esse gosto amargo no público. Ter uma cena dele cometendo atrocidades sonorizada com algum sucesso inquestionável dele seria o auge da controvérsia que foi a vida e a carreira do cantor.
Inicialmente, achei que havia sido por escolha da direção. Porém, a produção não conseguiu os direitos de uso dessas músicas, que foram estritamente vetadas pela Elvis Presley Enterprises. Diante disso, não há como julgar essa ausência no longa, apenas lamentar.
Sobre as atuações… Complicado. A jovem Cailee Spaeny é um espetáculo em cena. Ela convence como poucos que tem 14 anos de idade (ela gravou o filme com 25), passando uma pureza típica da idade, mesclada com aquela sensação de estar fazendo algo errado por querer se descobrir. Mais do que isso, ela consegue representar com maestria uma pessoa cuja vida, alegria de viver, está sendo sugada pelo meio em que está inserida. É realmente primorosa.
Agora, Jacob Elordi é péssimo. O rapaz é bonito, mas não convence por um segundo que está interpretando Elvis Presley. É assustador como um ser humano usando topete, óculos dourado e macacão de couro branco não consegue sequer remeter a figura do Elvis! É um personagem-chave, construído e interpretado de forma tão insossa que termina por afetar diretamente a experiência final. É muito ruim mesmo.
No fim, Priscilla não emociona (a cena de sua libertação é tão insossa que parece que ela está saindo pra comprar um picolé na rua), não mancha o legado de Elvis e cria um filme infelizmente esquecível e decepcionante, que se salva apenas pela atuação de uma jovem atriz que entendeu como poucas sua personagem.
Ele surge com uma pegada que lembra um pouco um documentário, mas não traz os depoimentos que o tornariam interessante. Também não traz as passagens de tempo de forma organizada. Ao mesmo tempo, não consegue criar emoção o bastante para um drama, fazendo um filme frio e insosso, salvo pelo trabalho irretocável de sua protagonista.
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