Cuidado: spoilers à frente.
‘Stranger Things’ tornou-se um fenômeno sem precedentes no catálogo da Netflix: levando-nos à pequena cidade de Hawkins, que se transformou em palco para uma artimanha político-militar sci-fi com consequências derradeiras, a produção conquistou fãs ao redor do mundo e um dos títulos preferidos dos assinantes, motivo pelo qual cada temporada superou as expectativas e quebrou recordes de visualizações. Agora, caminhando para o ciclo de encerramento, a série vem acompanhada com expectativas altíssimas que prometem encerrar com qualidade e com solidez os arcos dos personagens que aprendemos a amar em quase uma década de exibição.
Após uma primeira leva de capítulos bem estruturada, que contou com inúmeras reviravoltas e algumas explicações que há muito estávamos esperando, a gigante do streaming retornou com três novas iterações que nos preparam para o series finale – que vai ao ar hoje, 31 de dezembro, às 22h (horário de Brasília). E, seguindo os passos do início do ciclo, somos engolfados em um frenético vórtice de altos riscos que arremessam nossos heróis em becos sem saída, lutas pela sobrevivência e verdades que vêm à tona envoltas em um turbilhão de emoções que, apesar de aprazíveis o bastante para nos deixar curiosos pela conclusão, pecam em se valer de repetições estilísticas e técnicas que denotam uma falta de comprometimento com a própria criatividade.

Desde a primeira temporada, os Irmãos Russo (responsáveis por trazerem esse universo à vida) se aliaram a um time competente de roteiristas e diretores que pegaram as fórmulas da ficção científica e do terror para nos apresentar a uma complexa trama envolvendo Eleven (Millie Bobby Brown), uma poderosa jovem com poderes psíquicos, o desaparecimento de Will Byers (Noah Schnapp) e uma conspiração governamental e bélica envolvendo o lugar conhecido como Mundo Invertido. Desde então, os criadores arriscaram se aventurar em dramas adolescentes, suspenses psicológicos e comédias ácidas para mostrar que tinham como se reinventar mesmo esquadrinhando um território bastante conhecido pelo público.
Ao chegar ao quinto ciclo, os showrunners começaram a demonstrar uma fadiga artística que não conseguiu superar o incrível season finale predecessor, em que a fusão entre os dois cosmos se concretizaria com as ações do maquiavélico e vingativo Vecna (Jamie Campbell Bower). Abrindo espaço para várias tramas e subtramas que demandariam tempo em demasia para se finalizarem ou para convergirem a um ponto em comum, os Irmãos Russo se perderam em escolhas descartáveis e que poderiam ter sido resolvidas em um período reduzido para que a tão aguardada batalha final entre Eleven e seus aliados e Vecna tomasse palanque – dessa forma, cumprindo com a promessa de uma investida épica e quase epopeica que serviria como o encerramento perfeito para uma atração venerada pelo público.

Os três novos capítulos não se ramificam em dois ou três núcleos, mas sim em cinco: temos Eleven, Hopper (David Harbour) e Kali (Linnea Berthelsen) tentando escapar do Mundo Invertido, enquanto Dustin (Gaten Matarazzo), Nancy (Natalia Dyer), Johnathan (Charlie Heaton) e Steve (Joe Keery) procuram pelo núcleo de energia que rege esse perigoso universo para destruir o centro de poder de Vecna – apenas para entenderem que esse lugar, na verdade, funciona como um buraco de minhoca cuja ponte entre os dois cosmos foi erguida inadvertidamente por Eleven; Joyce (Winona Ryder), Mike (Finn Wolfhard), Lucas (Caleb McLaughlin), Robin (Maya Hawke), Murray (Brett Gelman), Erica (Priah Ferguson) e Will criam planos para não apenas entrar em contato com Dustin e os outros no Mundo Invertido, mas para controlar a mente de Vecna e dar um jeito de impedir seu catastrófico desejo de se realizar.
Max (Sadie Sink), por sua vez, fortalece sua aliança com Holly (Nell Fisher) para que ela e as outras crianças raptadas por Vecna sejam salvas – encontrando um novo rosto confiável em Derek (Jake Connelly), e percebendo que foram atraídas para uma armadilha. Eventualmente, Max consegue voltar para seu corpo físico, mas descobre que Holly ainda está subjugada a Vecna, funcionando como um dos doze receptáculos que serão engrenagem para a colisão entre as duas realidades. E, é claro, temos o fio conduto da série que se resume à complicada relação psíquica entre Vecna, Eleven e Will (este tendo descoberto que é muito mais poderoso do que imaginava).

Como podemos ver, a condução narrativa é profusa demais para ser guiada como deveria e, eventualmente, falha em trazer elementos que tenham relevância significativa para o “andar da carruagem”. Enquanto alguns enredos de fato dão continuidade à macro-mitologia arquitetada pelos Irmãos Russo, outras soam desconsideráveis e prolongadas em excesso, valendo-se de metáforas e explicações super-didáticas que já foram usadas e abusadas pelas storylines das temporadas anteriores – e que, agora, soam como uma formulaica e preguiçosa saída estilística. Todavia, é necessário mencionar o trabalho primoroso de boa parte do elenco, que se mantém fiel à identidade de seus respectivos personagens ao se prepararem para um doloroso adeus (com destaque a Heaton, Dyer, Hawke, Keery e Matarazzo).
A segunda parte da quinta temporada de ‘Stranger Things’ fica no meio do caminho e, por mais que conte com alguns clímaces, mergulha em um pesaroso tom agridoce de frustração – como se certas escolhas se justificassem para nada além de tapa-buracos que antecipam um aguardado series finale.



