A nova encarnação do Superman no cinema, Homem de Aço, que estreia nesta sexta, 12, atingiu em cheio alguns elementos-chave do personagem. Não falo apenas dos cânones dos quadrinhos, sobre os quais sei muito pouco, mas dos significados que o herói representa no imaginário popular. Mais do que a aparência de galã perfeito do ator Henry Cavill, o roteirista David S. Goyer e o diretor Zack Snyder acertaram ao colocar o herói como um ideal e uma apoteose da super-humanidade com a qual qualquer espectador pode fantasiar. Um sucesso que, fatalmente, puxa um comboio de problemas.
A abordagem do filme se baseia na exploração exaustiva da vida de Kal-El (Cavill), desde a situação apocalíptica de seu planeta de origem, Krypton, até sua criação como Clark, no seio da família Kent. Incapaz de se encaixar naquela sociedade alienígena, ele cresce cheio de dúvidas e é instruído por seu pai, Jonathan (Kevin Costner), a esconder para seus poderes para a segurança de todos. Crescido, Clark muda de trabalho e de identidade em vários pontos dos EUA, e se encontra próximo de um time que descobre uma nave espacial no Ártico. É lá que ele conhece a repórter Louis Lane (Amy Adams) e descobre suas origens através de seu pai biológico, Jor-El (Russell Crowe). O protagonista logo se torna a esperança da humanidade perante a ameaça do General Zod (Michael Shannon), outro sobrevivente kryptoniano.
Goyer não economizou no elemento humano para construir a personalidade de Clark. Diversas cenas têm como objetivo exibir as fragilidades e inseguranças do jovem, que, enquanto cresce, segue certos preceitos, mas continua com diversas incertezas. Essas questões surgem em flashbacks, bem situados ao longo da narrativa para ressaltar a empatia que Clark pode gerar com qualquer espectador. Trata-se da primeira decisão correta ao tratar de tal personagem: apresentar seus superpoderes e sua origem alienígena e, mesmo assim, aproximá-lo dos traços definidores da humanidade. Além disso, esses fragmentos do passado servem para fundamentar as escolhas éticas que o herói tem de fazer ao longo de sua vida.
Aí, mais uma vez, os realizadores se mostram sagazes, por abordarem a representatividade do Superman como um ideal mesmo enquanto esmiúçam suas decisões em relação à Terra e seus habitantes. É uma proposta criada menos por reverência aos detalhes dos quadrinhos que originaram o personagem, e mais para restabelecer o símbolo mundialmente popular de um bondoso guardião da raça humana. E é aí que o caldo azeda.
Cientes da importância e potência dessa simbologia, Goyer e Snyder ressaltam a dificuldade inerente a fazer uma escolha quando muitas coisas importantes estão em jogo. O principal momento em que Clark se vê dividido entre duas opções arriscadas, porém, é precedido por uma opinião baseada em seu instinto, que, não é preciso ser um gênio para adivinhar, se prova correta. É uma pisada firme no caminho da mesmice do cinema americano, mas o imbróglio não se resolve. Zod mostra não operar como um vilão puramente maligno – há uma relativa ambiguidade no fanático personagem –, mas a resolução de evitar ou buscar o confronto estava além do poder do protagonista: a ameaça aos terráqueos sempre fez parte dos planos do general, o que torna as intenções dos dois kryptonianos opostas. Mesmo em uma situação desfavorável, Superman precisa derrotar o inimigo para salvar o planeta.
Por um lado, o herói não tinha como errar em suas escolhas e, por outro, o vilão estava mal-intencionado em todas as suas. A responsabilidade de defender a justiça certamente se torna mais leve e simples quando seu oponente tem planos avassaladoramente cruéis e mesquinhos – ou, mesmo que não o sejam, são exibidos segundo essa perspectiva. Quando, finalmente, Zod se vê incapaz de realizar seu intento, a faceta má que, no fundo, nunca esteve em questão, é escancarada – uma ideia que Shannon acata de forma quase cega. Trata-se de um daqueles instantes apoteóticos no clímax de um filme, nos quais tudo vale. A verdade é que a amoralidade dos vilões foi exposta de forma pavorosamente simplista algumas cenas antes, de tal modo que os atos do inimigo sequer fazem sentido ao se levar em consideração seu objetivo inicial. Mesmo assim, Superman se vê em um impasse para proteger os humanos, um demagogo drama confeccionado pelas mesmas pessoas que mal fizeram os mínimos esforços para questionar a vilania de Zod.
O público pode se divertir sem obstáculos mentais, já que todas as escolhas feitas por aquele avatar da humanidade soam espinhosas, mas operam em noções morais óbvias e absolutas. Mais do que se colocar no lugar do protagonista na hora de optar pelo Bem, o espectador pode aproveitar o filme de forma mais direta, exercendo esse mesmo Bem com porradas bem dadas no Mal. Em boa parte das (numerosas) lutas, a câmera fica incomumente próxima do herói, quase como um substituto a uma filmagem em primeira pessoa. A técnica se mostra muito melhor que a saraivada de planos-detalhe confusos que são padrão na indústria – além, claro, de servir bem à proposta de nos colocar na posição empolgante de guerreiro. Não é por acaso que uma das cenas derradeiras evoque a memória de Clark como um garoto brincando com uma capa vermelha. É o sonho de ser um Super-Homem que habita as pessoas comuns.
É verdade que há outro tipo de desorientação em certas sequências de ação, causada pelos motivos opostos: os planos muito abertos que exibem a destruição de cenários quase indistintos. Nesses momentos, alguns dos mais ensurdecedores da barulhenta sessão, a franquia Transformers vem à mente. Também não ajuda que as intenções e o modus operandi de Zod sejam muito semelhantes aos do vilão de Transformers: O Lado Oculto da Lua. Mesmo assim, fica difícil registrar esses detalhes como defeitos, já que as maiores inconsistências do filme resultam em um monumental desperdício da figura do Superman e sua representatividade no nosso imaginário.
Assim como o subtexto anticomunista, o moralismo fácil faz parte das (más) expectativas para um filme do herói. Talvez a grande surpresa de Homem de Aço seja que Zack Snyder, cuja estética o coloca quase no patamar de Michael Bay como artista-piada, surja tão emudecido e domado. Claro que é difícil elevar a voz na presença do real autor do filme, Hans Zimmer. Mesmo que seja excelente, a trilha sonora definitivamente se sobressai na base do grito, pois sufoca e suplanta qualquer qualidade da cena. Talvez tenha sido usada como alternativa para quando o roteiro ou os atores falhassem em suas tentativas de suscitar emoções. É verdade que o elenco e os diálogos têm poucos momentos de brilho, mas Zimmer sequer os dá o benefício da dúvida. Para um filme tão fundamentado em supostos questionamentos, o que mais chama atenção é como estes são afogados em prol das certezas e das garantias.
Crítica por: Pedro de Biasi