domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | 3º episódio da última temporada de ‘Pose’ explora o complicado passado de Elektra

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Quando Pose estreou ainda em 2018, ninguém poderia acreditar que a série se tornaria um sucesso tanto de crítica quanto de público. Aclamada pelo fiel e irreverente retrato da comunidade LGBTQ+ no cenário nova-iorquino do final dos anos 1980 e começo dos anos 1990, a produção quebrou recordes e se tornou um dos símbolos da representatividade queer na indústria do entretenimento, principalmente ao canalizar os holofotes para as atrizes transsexuais que representam o foco de toda a narrativa. Arquitetada por Ryan Murphy, a obra caminha para um rápido final e, desde a estreia oficial da 3ª temporada na semana passada, vem delineando um crescendo catártico e que deve amarrar todas as pontas soltas.

Em “The Trunk”, terceiro episódio do último ciclo, voltamos a nos envolver com o complexo arco narrativo de Elektra Evangelista (Dominique Jackson), cujos relances permeiam os capítulos desde o piloto e a exaltam em um patamar tour-de-force apaixonante, ainda mais quando colocada ao lado da filha, Blanca (Mj Rodriguez). Agora, chegou a vez de visitarmos um conturbado momento da vida de Elektra, quando ainda dividia o teto com a problemática mãe, Tasha (Noma Dumezweni), e não podia ser quem realmente era. Para aqueles que se recordam das primeiras iterações, Damon (Ryan Jamaal Swain) havia sido expulso de sua casa quando se assumiu homossexual – e talvez a ideia de começar a série dessa forma tenha sido como preparo para uma realidade ainda pior quando pensamos na comunidade transgênero.



Murphy sempre teve cautela no tocante às histórias que trazia às telinhas – e com Pose isso não seria diferente. Aqui, o showrunner cede espaço para Janet Mock, que já emprestaras habilidades ao roteiro de diversas entradas, investir em peso em uma humanização do que apenas enxergamos do filme. Demonizadas por não corresponderem aos padrões estabelecidos por uma sociedade cis-heteronormativa e branca, as mulheres trans nunca encontraram espaço para serem quem realmente eram, com exceção do refúgio paradisíaco destinado aos ballrooms. Não é surpresa que Elektra, antes de ser abandonada pela mãe, trabalhasse como prostituta para ganhar o próprio dinheiro e para ter um gostinho de uma liberdade que, contraditoriamente, era regada a represálias. É nesse âmbito que a personalidade forte da protagonista emerge como uma blindagem contra o mundo e contra as pessoas que querem causar mal tanto a ela quanto àqueles que ama.

A ideia por trás de cada episódio não é revolucionar o modo como apreciamos uma construção audiovisual – muito pelo contrário: estamos aqui lidando com fórmulas dramáticas cuja estética pode não fugir do óbvio, mas certamente abre espaço para elementos de maior importância. A atenção do público é direcionada pela dinâmica intrincada entre as personagens principais e pelas subtramas que as ligam ao longo de décadas, compartilhando de histórias similares que as uniram em uma só família. Elektra, fazendo questão de fornecer às filhas e aos filhos o que não teve em casa, transforma-se no arquétipo maternal que gostaria de ter tido – falando inúmeras vezes que é responsável pelo bem-estar de cada um que se acolheu sob seu teto.

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Nesse meio-tempo, ela também enfrenta outros obstáculos no presente, sendo abordada pela polícia local em relação a uma inventada acusação que não tem quaisquer bases factuais para mantê-la encarcerada. O problema é quando os oficiais ameaçam vasculhar seu apartamento e, dessa forma, descobrir o baú onde esconde o corpo de um cliente que morreu de overdose – calcando discussões inúmeras vezes sobre a corruptibilidade do sistema judiciário e como o dogma “uma nação, para todos” é destinada apenas aos que não “desviam da norma imposta”. Elektra e Blanca, mais uma vez, se organizam ao lado de Lil Papi (Angel Bismark Curiel), Ricky (Dyllon Burnside) e Christopher (Jeremy Pope) para salvá-la das garras afiadas de uma lei falha e encerrar um capítulo obtuso de suas vidas.

Há algo consideravelmente poético nas metáforas empregadas ao longo do episódio. Elektra é a comunhão do passado, presente e futuro, ainda mais por estar no centro de três gerações que se comunicam de modos muito diferentes. O perturbado relacionamento com Tasha, sua mãe biológica, carrega um peso dramático emocionante e pungente, arrancando de Jackson uma atuação aplaudível e colocando-a como uma das merecedoras de atenção da temporada de premiações; em um exato oposto complementar, Elektra e Blanca entendem o significado de sacrifícios e percebem que, trabalhando juntas, podem conquistar o mundo – arrancando o desfile mais deslumbrante e incrível da produção.

Nessa mais nova semana, a última temporada de Pose resolve apostar fichas num panorama antológico e que, diferente do que poderia se esperar, funciona em sua completude. “The Trunk” parece dar um singelo adeus à saga de Elektra Evangelista sem cair no melodrama novelesco e indicando que, não importa o que aconteça, seu legado viverá para sempre.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Quando Pose estreou ainda em 2018, ninguém poderia acreditar que a série se tornaria um sucesso tanto de crítica quanto de público. Aclamada pelo fiel e irreverente retrato da comunidade LGBTQ+ no cenário nova-iorquino do final dos anos 1980 e começo dos anos 1990, a produção quebrou recordes e se tornou um dos símbolos da representatividade queer na indústria do entretenimento, principalmente ao canalizar os holofotes para as atrizes transsexuais que representam o foco de toda a narrativa. Arquitetada por Ryan Murphy, a obra caminha para um rápido final e, desde a estreia oficial da 3ª temporada na semana passada, vem delineando um crescendo catártico e que deve amarrar todas as pontas soltas.

Em “The Trunk”, terceiro episódio do último ciclo, voltamos a nos envolver com o complexo arco narrativo de Elektra Evangelista (Dominique Jackson), cujos relances permeiam os capítulos desde o piloto e a exaltam em um patamar tour-de-force apaixonante, ainda mais quando colocada ao lado da filha, Blanca (Mj Rodriguez). Agora, chegou a vez de visitarmos um conturbado momento da vida de Elektra, quando ainda dividia o teto com a problemática mãe, Tasha (Noma Dumezweni), e não podia ser quem realmente era. Para aqueles que se recordam das primeiras iterações, Damon (Ryan Jamaal Swain) havia sido expulso de sua casa quando se assumiu homossexual – e talvez a ideia de começar a série dessa forma tenha sido como preparo para uma realidade ainda pior quando pensamos na comunidade transgênero.

Murphy sempre teve cautela no tocante às histórias que trazia às telinhas – e com Pose isso não seria diferente. Aqui, o showrunner cede espaço para Janet Mock, que já emprestaras habilidades ao roteiro de diversas entradas, investir em peso em uma humanização do que apenas enxergamos do filme. Demonizadas por não corresponderem aos padrões estabelecidos por uma sociedade cis-heteronormativa e branca, as mulheres trans nunca encontraram espaço para serem quem realmente eram, com exceção do refúgio paradisíaco destinado aos ballrooms. Não é surpresa que Elektra, antes de ser abandonada pela mãe, trabalhasse como prostituta para ganhar o próprio dinheiro e para ter um gostinho de uma liberdade que, contraditoriamente, era regada a represálias. É nesse âmbito que a personalidade forte da protagonista emerge como uma blindagem contra o mundo e contra as pessoas que querem causar mal tanto a ela quanto àqueles que ama.

A ideia por trás de cada episódio não é revolucionar o modo como apreciamos uma construção audiovisual – muito pelo contrário: estamos aqui lidando com fórmulas dramáticas cuja estética pode não fugir do óbvio, mas certamente abre espaço para elementos de maior importância. A atenção do público é direcionada pela dinâmica intrincada entre as personagens principais e pelas subtramas que as ligam ao longo de décadas, compartilhando de histórias similares que as uniram em uma só família. Elektra, fazendo questão de fornecer às filhas e aos filhos o que não teve em casa, transforma-se no arquétipo maternal que gostaria de ter tido – falando inúmeras vezes que é responsável pelo bem-estar de cada um que se acolheu sob seu teto.

Nesse meio-tempo, ela também enfrenta outros obstáculos no presente, sendo abordada pela polícia local em relação a uma inventada acusação que não tem quaisquer bases factuais para mantê-la encarcerada. O problema é quando os oficiais ameaçam vasculhar seu apartamento e, dessa forma, descobrir o baú onde esconde o corpo de um cliente que morreu de overdose – calcando discussões inúmeras vezes sobre a corruptibilidade do sistema judiciário e como o dogma “uma nação, para todos” é destinada apenas aos que não “desviam da norma imposta”. Elektra e Blanca, mais uma vez, se organizam ao lado de Lil Papi (Angel Bismark Curiel), Ricky (Dyllon Burnside) e Christopher (Jeremy Pope) para salvá-la das garras afiadas de uma lei falha e encerrar um capítulo obtuso de suas vidas.

Há algo consideravelmente poético nas metáforas empregadas ao longo do episódio. Elektra é a comunhão do passado, presente e futuro, ainda mais por estar no centro de três gerações que se comunicam de modos muito diferentes. O perturbado relacionamento com Tasha, sua mãe biológica, carrega um peso dramático emocionante e pungente, arrancando de Jackson uma atuação aplaudível e colocando-a como uma das merecedoras de atenção da temporada de premiações; em um exato oposto complementar, Elektra e Blanca entendem o significado de sacrifícios e percebem que, trabalhando juntas, podem conquistar o mundo – arrancando o desfile mais deslumbrante e incrível da produção.

Nessa mais nova semana, a última temporada de Pose resolve apostar fichas num panorama antológico e que, diferente do que poderia se esperar, funciona em sua completude. “The Trunk” parece dar um singelo adeus à saga de Elektra Evangelista sem cair no melodrama novelesco e indicando que, não importa o que aconteça, seu legado viverá para sempre.

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Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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