Cuidado: muitos spoilers à frente.
Desde sua estreia oficial, ‘O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder’ vem se mostrando como uma das séries mais ambiciosas da atualidade e, mesmo com uma recepção negativa por parte do público, continua a entregar exatamente o que prometeu: além de posar como uma carta de amor para J.R.R. Tolkien, autor da saga original, é notável como os showrunners J.D. Payne e Patrick McKay conseguiram expandir a mitologia da Terra-Média sem querer “reinventar a roda”, e sim construindo uma competente narrativa que, mesmo com seus erros, é aprazível do começo ao fim e nos deixa instigados para saber o que vai acontecer.
Se nas semanas anteriores a produção se desequilibrou no tocante ao ritmo, querendo justapor inúmeras tramas e subtramas em um breve período de uma hora, adentramos, agora, no melhor episódio da primeira temporada, “Udûn”. Aqui, Payne e McKay unem forças com os roteiristas Nicholas Adams e Justin Doble para transferir os holofotes para o encontro de Galadriel (Morfydd Clark) e o exército de númenorianos que a vem ajudando com Arondir (Ismael Cruz Córdova), Bronwyn (Nazanin Boniadi) e o povo das Terras do Sul que vêm sendo assolados pelas forças das trevas. O resultado é espetacular e presta inúmeras homenagens à trilogia cinematográfica, ainda que não tenha o mesmo impacto que as épicas batalhas de ‘As Duas Torres’ e ‘O Retorno do Rei’.
Dando continuidade aos eventos do capítulo predecessor, Arondir aguarda pacientemente a chegada de Adar (Joseph Mawle) e dos Orcs (ou Uruks, como é mencionado há algum tempo) e, em uma rápida investida, consegue destruir parte do exército para dar tempo a Bronwyn preparar o contra-ataque. Não demora muito até que eles se enfrentam – e, a princípio, ficamos um tanto quanto incomodados com a rapidez com que as coisas são resolvidas. Felizmente, a trama nos prepara algumas reviravoltas e surpresas e coloca os humanos contra si próprios, enganando os soldados para uma investida final que quase os derrota e que nos arranca alguns suspiros de angústia e de medo. Córdova faz um ótimo trabalho, mas é Boniadi e Tyroe Muhafidin (Theo) quem roubam a nossa atenção ao enfrentarem, pela primeira vez, o prospecto sombrio da escravização e da morte.
Mas não temam: Galadriel está aqui para salvar o dia. Ao abarcar nas Terras do Sul, e Elfa, auxiliada pela Rainha Míriel (Cynthia Addai-Robinson) e os guerreiros de Númenor, destroem as forças malignas e capturam Adar, em uma centelha de esperança que insurge, prenunciando dias melhores. Mas, conhecendo o cosmos de Tolkien, tudo o que é bom dura pouco – e, considerando que ainda temos dois episódios para a temporada chegar ao fim, mais eventos se desenrolariam. E é aí que tudo fica mais complicado: o misterioso plano de Adar envolvendo os túneis se concretiza, revelando que sua captura deveria acontecer para que a missão fosse completada.
Galadriel, ainda que não tenha o mesmo tempo de cena que os outros, mostra-se como ponto-chave para o surpreendente gancho do final do episódio – e sua breve conversa com Adar por fim explica uma personalidade rebelde e que ainda anseia pela vingança. O antagonista percebe que a elfa se rendeu à escuridão ao se recusar a entrar em Valinor e voltar para a Terra-Média em uma vendeta pessoal contra aqueles que mataram sua família. Por essa razão, é notável como Galadriel parece cega para as artimanhas que se escondem na sombra, impotente em perceber quando alguém a engana. Nesse quesito, Clark volta a entregar uma ótima atuação, rendendo-se à compreensão de que não há nada a fazer além de se reerguer de uma melancolia dormente que começa a revelar suas fraquezas.
O episódio inteiro é regado a sangue, mortes e uma batalha que há muito vinha sido premeditada. E nada disso seria possível sem a sólida condução de Charlotte Brändström: a veterana das séries de fantasia, que já emprestou suas habilidades para ‘Outlander’ e ‘The Witcher’, por exemplo, sabe como transitar entre a reflexão metafísica, materializada por uma contemplação quase divina, e a intimidade de um terror exponencial e implacável – como a cena em que Bronwyn quase perde a vida e exige de Theo um obrigatório e pungente amadurecimento. Como se não bastasse, Brändström tem ciência completa de como explorar ao máximo o potencial das sequências de ação, em coreografias mais realistas que não tangenciam a incredulidade, mas pegam aspectos emprestados de outras produções do gênero.
O sexto episódio de ‘Os Anéis de Poder’ é um divisor de águas para a série e o melhor até agora. Concluindo uma das múltiplas narrativas que continuam a se desenrolar, “Udûn” é infundido com transformações meticulosas e o início de uma guerra que deve se estender ao season finale – e que, sem sombra de dúvida, cultiva no público uma necessidade de saber o que, por fim, irá acontecer.