Crítica | A Amante – Desilusões de vida em drama da Tunísia

Alguns Dias Com Ela

Por mais que tentemos traçar as coordenadas por onde nossas vidas irão seguir, a imprevisibilidade das questões humanas cisma em surpreender o planejado. Escrito e dirigido por Mohamed Ben Attia, este drama romântico da Tunísia – com coprodução da França e Bélgica – bem que poderia ser o típico filme sobre desilusão amorosa não fosse a estrutura e narrativa impostos a ele, servindo para potencializar seu discurso.

Badalado por festivais de cinema pelo mundo em 2016, o longa aporta em nosso país em circuito dois anos depois, com a pompa de ter vencido os prêmios de melhor ator (Majd Mastoura) e melhor filme de estreia para o diretor Attia no prestigiado Festival de Berlim.

Na trama, o introvertido Hedi (Mastoura) – título original do filme – tem a vida delineada em sua frente. O sujeito está de casamento marcado com a doce Khedija (Omnia Ben Ghali) e o bom emprego numa fábrica de automóveis foi arranjado pelo pai da noiva. À frente de todos os planos está a matriarca da família do protagonista, Baya (Sabah Bouzouita), sempre tomando as rédeas das situações em nome de “um bem maior”.



A pacata, porém, mecânica vida que espera Hedi é segura, mas gelada e sem emoção. Demora para ele perceber que não é desta forma que pretende passar o resto de seus dias, e uma viagem de trabalho será decisiva para abrir os olhos e a mente deste noivo comatoso. Uma leve descarrilhada o leva para um resort, local onde conhece Rim (Rym Ben Messaoud), uma funcionária que vive de forma descompromissada, num dia após o outro.

O entrosamento é quase instantâneo, e aos poucos a mulher vai conquistando o afeto do protagonista com seu jeito desapegado e livre. A conexão imediata começa a fazer Hedi questionar sua vida e futuro. Com Rim, ele se sente vivo e à vontade para revelar seus verdadeiros desejos, como se tornar um desenhista.  O contraste entre as possibilidades colocadas em sua frente é a grande questão do longa: emoção e imprevisibilidade ou segurança e monotonia.

O desvio do caminho faz com que Hedi, inclusive, questione a noiva sobre os desejos pessoais dela – reprimidos pelo que a sociedade espera e agora ela mesma percebe como única opção. Um dos melhores trechos do longa é o rápido debate dentro do carro, no qual o protagonista coloca a jovem contra a parede.

A Amante é um filme extremamente identificável e humano, que nos sacode para que reavaliemos nossas próprias vidas e caminhos. Para que percebamos muitas vezes estar inertes diante de situações, guiados apenas pelo comodismo, falta de iniciativa ou medo da desaprovação – minando assim, na maioria das vezes, nossa própria felicidade. Fora isso, a obra de Attia guarda ainda o forte soco no estômago de doer o coração, necessário para que transcendesse o simples e esperado conto de fadas moderno. Uma produção singela, mas ainda assim mais real do que gostaríamos de admitir.

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Pablo R. Bazarello
Crítico, cinéfilo dos anos 80, membro da ACCRJ, natural do Rio de Janeiro. Apaixonado por cinema e tudo relacionado aos anos 80 e 90. Cinema é a maior diversão. A arte é o que faz a vida valer a pena. 15 anos na estrada do CinePOP e contando...
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