quinta-feira , 21 novembro , 2024

Crítica | A Favorita – Emma Stone e Rachel Weisz em filme de época sensual, hilário e repugnante

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Ligações Perigosas

Alguns filmes surgem e fazem uma campanha tão positiva junto aos críticos e especialistas de cinema em festivais, que começam a gerar burburinho de prêmios. E quando a época de premiações de fato chega, tais filmes começam a ser lembrados em todas elas, escalando seu caminho até o auge da sétima arte: o Oscar. É exatamente este o caso de A Favorita, drama de época passado na corte britânica do século XVIII – um dos poucos filmes este ano garantido de estar entre os indicados quando o anúncio for feito no próximo dia 22 de janeiro.

Para entender melhor as entrelinhas de A Favorita é necessário traçar um perfil de seu comandante, o grego Yorgos Lanthimos. Oriundo de um tipo de cinema deturpado, criativo, mas para lá de desconfortável, o currículo do diretor não gritava exatamente “prêmio popular” no passado. É só dar uma olhada em obras como Dente Canino (2009), O Lagosta (2015) e O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017) para perceber um padrão inquietante, dentro e, consequentemente, fora das telas – imprimindo em nós, o público, uma tensão avassaladora.



Na trama, assim como grandes e inesquecíveis filmes sobre manipulações e intrigas – vide A Malvada (1950) e Ligações Perigosas (1988) – Rachel Weisz e Emma Stone se digladiam num verdadeiro jogo de xadrez pelo afeto da Rainha Anne (Olivia Colman). Insegura, se sentindo completamente pressionada pela iminente guerra com a França e num processo degenerativo em relação a doenças atribuladas à sua péssima alimentação, a monarca “louca” (dona de fortes tendências homossexuais) é vestida pela britânica Colman como uma roupa justa, mas extremamente confortável.

Colman é uma atriz estupenda, que nunca teve chance para brilhar antes como em A Favorita. Justamente por isso, seu reconhecimento (mesmo que tardio) é muito bem-vindo. Este é um papel divisor de águas em sua carreira e a artista se entrega de cabeça – realizando inclusive cenas indigestas em questão de repugnância (uma certa cena de vômito e bolo azul). Justamente por tal inconsistência em sua forma de reinar, cresce o poder de sua dama de companhia, a cortesã Lady Sarah, vivida de forma vampiresca por uma severa Rachel Weisz. É ela quem sopra no ouvido da governante, e rege o país com mão de ferro, sempre tendo suas vontades atendidas.

Um dos panos de fundo de A Favorita é a guerra com a França, que se aproxima a passos galopantes. Ainda hesitando, a Rainha Anne não tem certeza se esta é a decisão mais sensata – e nesta linha de raciocínio, o inescrupuloso Harley (Nicholas Hoult) é um dos principais defensores de uma estratégia pacifista, que una os países e não os separe com sangue. Lady Sarah tem uma ideia diferente – e assim como extremistas radicais, prefere tomar decisões duras e declarar guerra, antes que o país seja saqueado pelos inimigos – cenário inquestionável em sua cabeça. Existem muitas entrelinhas políticas contidas em A Favorita, a maioria facilmente traduzidas para a atualidade – muitas em relação à personagem fria e estrategista de Weisz.

Como precisamos de mais conflitos, entra em cena a ingênua e, a princípio, destrambelhada Abigail (Emma Stone), prima da personagem de Weisz. Uma vez uma dama da sociedade, a família da jovem cai em desgraça financeira, forçando-a a assumir um cargo de serviçal no castelo da Rainha. Na trilha das mais espertas alpinistas sociais, aos poucos Abigail vai conquistando seu espaço e aumentando seu terreno no gosto da Rainha. Seu carisma, juventude e energia começam a cativar a regente, e em pouco tempo estará declarada a guerra – não entre Inglaterra e França, mas sim entre as favoritas da Rainha, por um lugar único em seu coração e ao lado do trono.

A Favorita é escrito por Tony McNamara e Deborah Davis, que mesclam com muita propriedade tremendo humor ácido (e doses alucinógenas) a uma trama sóbria de história e política. Um dos grandes charmes do longa é sua insanidade fluente, que escorre por diversos frames e cenas. Por falar em frame, o filme é extremamente ousado em seu visual – onde a fotografia arrisca com trechos nos quais são utilizadas lentes grande angular, dando aquele aspecto arredondado no qual conseguimos ver além do olho humano, numa conjectura de 180 graus. Fora isso, os figurinos e direção de arte deixarão a vida dos concorrentes a tais prêmios mais difícil. É pura extravagância. Mas uma necessária.

Além do domínio de Colman – no papel mais difícil do trio (reparem no longo close que a atriz recebe momentos antes de revelar à personagem de Stone e à plateia seu tórrido caso de amor com Weisz) -, o resto do trio está tão à vontade que é difícil dizer quem é a protagonista e pilar desta estrutura. Mais um ponto para o roteiro e a direção de Lanthimos.

A Favorita é pura decadência. É a olhada de bastidores na podridão dos poderosos. Uma viagem enlouquecedora através de psiques abaladas, corredores e escuras passagens secretas. “A burguesia fede” de Cazuza encontra sua materialização. Propriamente atualizada para “o ser humano fede” e não presta. A não ser Yorgos Lanthimos, Emma Stone, Rachel Weisz, Olivia Colman e um dos grandes filmes do ano.

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Para entender melhor as entrelinhas de A Favorita é necessário traçar um perfil de seu comandante, o grego Yorgos Lanthimos. Oriundo de um tipo de cinema deturpado, criativo, mas para lá de desconfortável, o currículo do diretor não gritava exatamente “prêmio popular” no passado. É só dar uma olhada em obras como Dente Canino (2009), O Lagosta (2015) e O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017) para perceber um padrão inquietante, dentro e, consequentemente, fora das telas – imprimindo em nós, o público, uma tensão avassaladora.

Na trama, assim como grandes e inesquecíveis filmes sobre manipulações e intrigas – vide A Malvada (1950) e Ligações Perigosas (1988) – Rachel Weisz e Emma Stone se digladiam num verdadeiro jogo de xadrez pelo afeto da Rainha Anne (Olivia Colman). Insegura, se sentindo completamente pressionada pela iminente guerra com a França e num processo degenerativo em relação a doenças atribuladas à sua péssima alimentação, a monarca “louca” (dona de fortes tendências homossexuais) é vestida pela britânica Colman como uma roupa justa, mas extremamente confortável.

Colman é uma atriz estupenda, que nunca teve chance para brilhar antes como em A Favorita. Justamente por isso, seu reconhecimento (mesmo que tardio) é muito bem-vindo. Este é um papel divisor de águas em sua carreira e a artista se entrega de cabeça – realizando inclusive cenas indigestas em questão de repugnância (uma certa cena de vômito e bolo azul). Justamente por tal inconsistência em sua forma de reinar, cresce o poder de sua dama de companhia, a cortesã Lady Sarah, vivida de forma vampiresca por uma severa Rachel Weisz. É ela quem sopra no ouvido da governante, e rege o país com mão de ferro, sempre tendo suas vontades atendidas.

Um dos panos de fundo de A Favorita é a guerra com a França, que se aproxima a passos galopantes. Ainda hesitando, a Rainha Anne não tem certeza se esta é a decisão mais sensata – e nesta linha de raciocínio, o inescrupuloso Harley (Nicholas Hoult) é um dos principais defensores de uma estratégia pacifista, que una os países e não os separe com sangue. Lady Sarah tem uma ideia diferente – e assim como extremistas radicais, prefere tomar decisões duras e declarar guerra, antes que o país seja saqueado pelos inimigos – cenário inquestionável em sua cabeça. Existem muitas entrelinhas políticas contidas em A Favorita, a maioria facilmente traduzidas para a atualidade – muitas em relação à personagem fria e estrategista de Weisz.

Como precisamos de mais conflitos, entra em cena a ingênua e, a princípio, destrambelhada Abigail (Emma Stone), prima da personagem de Weisz. Uma vez uma dama da sociedade, a família da jovem cai em desgraça financeira, forçando-a a assumir um cargo de serviçal no castelo da Rainha. Na trilha das mais espertas alpinistas sociais, aos poucos Abigail vai conquistando seu espaço e aumentando seu terreno no gosto da Rainha. Seu carisma, juventude e energia começam a cativar a regente, e em pouco tempo estará declarada a guerra – não entre Inglaterra e França, mas sim entre as favoritas da Rainha, por um lugar único em seu coração e ao lado do trono.

A Favorita é escrito por Tony McNamara e Deborah Davis, que mesclam com muita propriedade tremendo humor ácido (e doses alucinógenas) a uma trama sóbria de história e política. Um dos grandes charmes do longa é sua insanidade fluente, que escorre por diversos frames e cenas. Por falar em frame, o filme é extremamente ousado em seu visual – onde a fotografia arrisca com trechos nos quais são utilizadas lentes grande angular, dando aquele aspecto arredondado no qual conseguimos ver além do olho humano, numa conjectura de 180 graus. Fora isso, os figurinos e direção de arte deixarão a vida dos concorrentes a tais prêmios mais difícil. É pura extravagância. Mas uma necessária.

Além do domínio de Colman – no papel mais difícil do trio (reparem no longo close que a atriz recebe momentos antes de revelar à personagem de Stone e à plateia seu tórrido caso de amor com Weisz) -, o resto do trio está tão à vontade que é difícil dizer quem é a protagonista e pilar desta estrutura. Mais um ponto para o roteiro e a direção de Lanthimos.

A Favorita é pura decadência. É a olhada de bastidores na podridão dos poderosos. Uma viagem enlouquecedora através de psiques abaladas, corredores e escuras passagens secretas. “A burguesia fede” de Cazuza encontra sua materialização. Propriamente atualizada para “o ser humano fede” e não presta. A não ser Yorgos Lanthimos, Emma Stone, Rachel Weisz, Olivia Colman e um dos grandes filmes do ano.

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