Histórias envolvendo a batalha entre o homem e a natureza sempre foram tema da indústria cinematográfica. Podemos, por exemplo, pensar no clássico ‘O Dia Depois de Amanhã’, que colocou em perspectiva a pequenez do ser humano frente ao poder destrutivo das forças que regem o planeta, ou então ‘Tubarão’, o primeiro blockbuster de todos os tempos que demonstrou a periculosidade dos animais frente à mortalidade das pessoas. Agora, somos convidados a visitar a exuberante savana africana para mergulhar em mais uma dessas aventuras – o divertido e escapista ‘A Fera’.
Dirigido por Baltasar Kormákur, a narrativa parte de uma premissa simples que se prova muito eficiente: o Dr. Nate Samuels, interpretado pelo incrível Idris Elba, viaja com suas duas jovens filhas para a África do Sul para relembrarem da vida de sua falecida ex-esposa e tentarem consertar um relacionamento que vem sofrendo duros contratempos. Lá, eles cruzam caminho com Martin Battles (Sharlto Copley), um guarda que cuida da reserva local de caçadores ilegais cujo único propósito é destruir os reais habitantes daquele vasto e idílico cenário em busca de lucro. E, em uma das patrulhas, Martin leva Nate e as meninas para passearem por um caminho que não é acessível aos turistas – e tudo corre bem, até que um obstáculo perigoso se põe à frente deles: um gigantesco leão assassino que resolveu se revoltar contra qualquer um que ousasse encontrá-lo. E é aí que tudo se complica.
Kormákur não é nenhum novato na indústria do show business e sabe como construir espetáculos visuais. Afinal, ele trabalhou em ‘Everest’ que, apesar de ter pecado na construção narrativa, de fato nos deixou com vertigem ao sair dos cinemas – e isso não seria diferente com ‘A Fera’. Mas aqui, não é só o belíssimo retrato da savana que nos tira o fôlego, e sim a praticidade de um roteiro que não quer “reinventar a roda”, mas utilizar os convencionalismos a seu favor. Não lidamos apenas com o renascimento de uma família que lida com o luto, mas com um leão que também posa como uma das vítimas principais do predador mais incansável e determinado de todos – o próprio homem. O suposto antagonista perdeu seu bando pelas mãos dos caçadores (ou poachers, no original) e foi arremessado em um vórtice de vingança incontrolável.
Que Elba faz um trabalho fantástico, não é nenhuma surpresa – como podemos nos lembrar, ele consegue transformar os mais medíocres personagens em tours-de-force envolventes, como vimos na trágica adaptação de ‘A Torre Negra’, por exemplo, ou no esquecível melodrama ‘Depois Daquela Montanha’. Além desse protagonista, temos a impecável atuação de Iyana Halley e Leah Sava Jeffries como Meredith e Norah Samuels, respectivamente, causando uma ótima pressão e já deixando uma marca impressionante no escopo mainstream. Meredith é a mais velha e, por isso, sente que tem uma responsabilidade para com a irmã mais nova – mas os papéis que esperaríamos são invertidos em prol de uma maior complexidade para cada uma delas: Meredith, eventualmente, demonstra uma vulnerabilidade apaixonante, enquanto Norah posa como uma heroína sem precedentes que nunca foge de um problema.
A condução do longa-metragem é outro aspecto que nos chama a atenção: não temos a explosão costumeira de filmes de sobrevivência ou de ação, e sim uma construção artística que, apesar de não se realizar por completo, tem indícios de uma autoria bem interessante. O mais incrível é a forma como Kormákur transforma a vastidão de um cenário como este em um claustrofóbico e inescapável labirinto, utilizando um jogo de câmera que constrói a tensão de modo angustiante – seja centralizando o enquadramento nas expressões dos personagens, seja nas movimentações certeiras e nos planos-sequências. É claro que a trilha sonora serve mais como uma redundância, mas não forte o suficiente para varrer os pontos altos da produção.
Os principais problemas se mostram no ato final da jornada, em que nem mesmo as atuações conseguem salvar a bola de neve que se ergue. Depois de enfrentarem o leão em uma arrepiante cena, Nate e as filhas se aglutinam em um vórtice repetitivo que vai de lugar nenhum a nenhum lugar – culminando em uma conclusão previsível e que não traz nada de novo, exceto por um desenlace cândido e que dialoga com o início da história. Felizmente, o curto tempo de duração não prolonga ainda mais o que poderia ser um desastre completo.
‘A Fera’ pode não estar livre de óbvios equívocos, mas, sem sombra de dúvida, é uma pedida para qualquer um que busque um escape cinematográfico que ao menos tenha alguma coisa para dizer. Comandado por performances sólidas e uma ideia bem clara do que quer transmitir para o público, o resultado é bastante aprazível e funciona dentro de seus limites.