sábado , 21 dezembro , 2024

Crítica | A Festa – A asfixiante intelectualidade londrina presa nos quatro cantos da alma

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As confusões mais deliciosas sempre acontecem em contextos desconexos. O requinte, a música agradável que emana a sonoridade de figuras clássicas como Chuck Berry e os aperitivos bem elaborados são o cenário impecável da plasticidade de jantares e festas. E ainda que eles enalteçam a beleza da plenitude de seus atributos, são nos dilemas sombrios dos convidados que estão as melhores surpresas da noite. Em A Festa, um jantar entre amigos se transforma em um turbilhão emocional, em uma experiência aguerrida a conflitos internos, súbitos emocionais e explosões sensoriais que promovem uma rápida experiência sinestésica no espectador. Em linhas curtas, é barraco e confusão londrino, pós chá das 17h.



A produção dirigida por Sally Porter é curta, dura menos que alguns episódios de ‘Game of Thrones’, mas seu frenético nível de intensidade é hipnotizante. Com pouco mais de uma hora de duração, A Festa sabe honrar seu tempo de tela sem se preocupar com o tempo em si, à medida que involuntariamente faz dele uma de suas fortes características. Unapologetic, o longa não introduz os seus personagens, mas como em uma peça teatral, lhes confere o direito de se anunciarem. Com suas respirações compassadas ou arrítmicas, o pequeno elenco composto por Patricia Clarkson, Timothy Spall, Emily Mortimer, Cillian Murphy, Kristin Scott Thomas, Bruno Ganz e Cherry Jones se enclausuram em uma casa com amplas portas de vidro, um agradável pátio e a sensação de uma prisão sem grades. Entre as quatro paredes de um ambiente que os parece engolir a cada diálogo, as celebrações de uma conquista política ganham feições emocionais.

E como se Festim Diabólico (1948) e Deus da Carnificina (2011) se encontrassem, A Festa reside em si mesmo. Sem precisar cruzar as fronteiras da insistente porta de entrada da casa – que anuncia um novo e peculiar convidado a cada momento – a trama consiste em seus personagens. Sejam eles com seu emocional contido ou extravasado, cada qual representa muito mais do que a junção de sete personalidades absurdamente distintas. Essas figuras são as palavras que constroem o roteiro, que mesmo sendo simples, carrega uma profundidade arraigada na psique humana. Se pessoas naturalmente são complicadas, neste jantar os abismos que muitas vezes nos fazem chegar a essa conclusão ganham proporções bíblicas. E sem um único prato de comida para aplacar as exaltações, nossos personagens digladiam entre si, centrados em seu próprio ego e princípios, tentando absorver a caótica revelação do intelectual Bill, na figura assustada e cautelosa que Timothy Spall reproduz.

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April é aquela que se sobressai por seu ar pedante, frio e calculista. Com uma fala pontuada, que resguarda qualquer emoção notável, ela é a materialização do cinismo. Sua bela construção feita por Patricia Clarkson traz uma das personagens mais instigantes, que psicologicamente intriga a audiência ao lado do enérgico Tom (Murphy), com seus níveis de adrenalina exagerados, se mostrando uma grande incógnita durante a primeira metade do longa. E como uma audiência não convidada que invade os lados ocultos da alma dos personagens ao entrar como penetra em um jantar intimista, vemos uma série de camadas se soltarem, revelando as motivações dos protagonistas que, dentro desta epifania emocional caótica, se expõem gradativamente. Ao externar alguns de seus pensamentos mais catastróficos, testemunhamos a mesma dinâmica dos clássicos de Alfred Hitchcock e Roman Polanski se desenhar diante de nós, em torno do mistério de Marianne, a figura sem rosto mas tão conhecida por todos e tão presente. Nós não a vemos, mas as reações reflexivas desta elite londrina nos levam à imaginação, onde montamos um autorretrato cego dela – pensando quem seria essa figura tão peculiar e surpreendente.

Extasiante, A Festa é uma irônica comédia de humor negro, que invade os cômodos da elite intelectual londrina, trazendo um olhar provocativo sobre a mente humana e suas reações espontâneas sobre as circunstâncias da vida. Ao mostrar um grupo de personagens elaborados, com uma consciência social extraída de seu ciclo erudito e letrado, Sally Porter iguala as diversas camadas sociais, validando que entre as quatro paredes da alma, onde nossas emoções, sensações, temores e incertezas se abrigam, todos agimos com a mesma irracionalidade emocional. Local este que também guarda o ego, o vemos absolutamente aflorado, entre conversas que inicialmente tentam maquiar os sentimentos com o racionalismo, acarretando de fato em explosões sensoriais que alcançam a própria audiência. O poder do enclausuramento é essa ebulição incontrolável. E em preto e branco, sua sensação de sufocamento é ainda mais viva.

 

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As confusões mais deliciosas sempre acontecem em contextos desconexos. O requinte, a música agradável que emana a sonoridade de figuras clássicas como Chuck Berry e os aperitivos bem elaborados são o cenário impecável da plasticidade de jantares e festas. E ainda que eles enalteçam a beleza da plenitude de seus atributos, são nos dilemas sombrios dos convidados que estão as melhores surpresas da noite. Em A Festa, um jantar entre amigos se transforma em um turbilhão emocional, em uma experiência aguerrida a conflitos internos, súbitos emocionais e explosões sensoriais que promovem uma rápida experiência sinestésica no espectador. Em linhas curtas, é barraco e confusão londrino, pós chá das 17h.

A produção dirigida por Sally Porter é curta, dura menos que alguns episódios de ‘Game of Thrones’, mas seu frenético nível de intensidade é hipnotizante. Com pouco mais de uma hora de duração, A Festa sabe honrar seu tempo de tela sem se preocupar com o tempo em si, à medida que involuntariamente faz dele uma de suas fortes características. Unapologetic, o longa não introduz os seus personagens, mas como em uma peça teatral, lhes confere o direito de se anunciarem. Com suas respirações compassadas ou arrítmicas, o pequeno elenco composto por Patricia Clarkson, Timothy Spall, Emily Mortimer, Cillian Murphy, Kristin Scott Thomas, Bruno Ganz e Cherry Jones se enclausuram em uma casa com amplas portas de vidro, um agradável pátio e a sensação de uma prisão sem grades. Entre as quatro paredes de um ambiente que os parece engolir a cada diálogo, as celebrações de uma conquista política ganham feições emocionais.

E como se Festim Diabólico (1948) e Deus da Carnificina (2011) se encontrassem, A Festa reside em si mesmo. Sem precisar cruzar as fronteiras da insistente porta de entrada da casa – que anuncia um novo e peculiar convidado a cada momento – a trama consiste em seus personagens. Sejam eles com seu emocional contido ou extravasado, cada qual representa muito mais do que a junção de sete personalidades absurdamente distintas. Essas figuras são as palavras que constroem o roteiro, que mesmo sendo simples, carrega uma profundidade arraigada na psique humana. Se pessoas naturalmente são complicadas, neste jantar os abismos que muitas vezes nos fazem chegar a essa conclusão ganham proporções bíblicas. E sem um único prato de comida para aplacar as exaltações, nossos personagens digladiam entre si, centrados em seu próprio ego e princípios, tentando absorver a caótica revelação do intelectual Bill, na figura assustada e cautelosa que Timothy Spall reproduz.

April é aquela que se sobressai por seu ar pedante, frio e calculista. Com uma fala pontuada, que resguarda qualquer emoção notável, ela é a materialização do cinismo. Sua bela construção feita por Patricia Clarkson traz uma das personagens mais instigantes, que psicologicamente intriga a audiência ao lado do enérgico Tom (Murphy), com seus níveis de adrenalina exagerados, se mostrando uma grande incógnita durante a primeira metade do longa. E como uma audiência não convidada que invade os lados ocultos da alma dos personagens ao entrar como penetra em um jantar intimista, vemos uma série de camadas se soltarem, revelando as motivações dos protagonistas que, dentro desta epifania emocional caótica, se expõem gradativamente. Ao externar alguns de seus pensamentos mais catastróficos, testemunhamos a mesma dinâmica dos clássicos de Alfred Hitchcock e Roman Polanski se desenhar diante de nós, em torno do mistério de Marianne, a figura sem rosto mas tão conhecida por todos e tão presente. Nós não a vemos, mas as reações reflexivas desta elite londrina nos levam à imaginação, onde montamos um autorretrato cego dela – pensando quem seria essa figura tão peculiar e surpreendente.

Extasiante, A Festa é uma irônica comédia de humor negro, que invade os cômodos da elite intelectual londrina, trazendo um olhar provocativo sobre a mente humana e suas reações espontâneas sobre as circunstâncias da vida. Ao mostrar um grupo de personagens elaborados, com uma consciência social extraída de seu ciclo erudito e letrado, Sally Porter iguala as diversas camadas sociais, validando que entre as quatro paredes da alma, onde nossas emoções, sensações, temores e incertezas se abrigam, todos agimos com a mesma irracionalidade emocional. Local este que também guarda o ego, o vemos absolutamente aflorado, entre conversas que inicialmente tentam maquiar os sentimentos com o racionalismo, acarretando de fato em explosões sensoriais que alcançam a própria audiência. O poder do enclausuramento é essa ebulição incontrolável. E em preto e branco, sua sensação de sufocamento é ainda mais viva.

 

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