sexta-feira , 21 fevereiro , 2025

Crítica | A História Da Eternidade


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Poderoso e emocionante

A necessidade de filmar o sertão sempre esteve presente no imaginário dos cineastas brasileiros, o próprio Cinema Novo é hibrido de lá, títulos como Vidas Secas (1963) e Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) conquistaram o mundo por sua natural beleza estética e total crueza no que dizem. Árida e castigada, a paisagem contem elementos que transmitem, de forma clara, a realidade ali presente e se torna o cenário perfeito para contar histórias de vários traços dramáticos. E foi desse modo que o pernambucano Camilo Cavalcante fez seu longa de estreia, transportou e correlacionou três poderosos contos para um lugar isolado, um vilarejo isento de lapidação social e vícios de consumo, criando uma relação peculiar de tempo e espaço.

Ao lado do cinematografo Beto Martins, o diretor engendra planos abertos magníficos, não só pelos cenários impressionantes, mas pelo cuidadoso trabalho de mise-en-scène e figurino. Cada frame poderia facilmente ser emoldurado e se tornar um belo mosaico da vida rural. O desenho de som e trilha sonora assinada por Zbigniew Preisner também são fundamentais, pois, além de utilizar a musica do sanfoneiro Dominguinhos para embalar as muitas cenas intimistas e escolher bem as canções incidentais, consegue capturar pequenas ações da vida cotidiana, estabelecendo uma atmosfera bem crível.



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A trama central, mesmo com todo impressionante apelo estético, não fica de lado e é muito emotiva, no melhor sentido da palavra. Possui uma dicotomia sucessiva: é delicada e verdadeira, linda e cruel, sublimemente banal e ao mesmo tempo impactante. A maioria dos personagens são alegorias perfeitas do povo sertanejo. Vemos caricaturas pontuais, como o chefe de família pouco esclarecido que só enxerga a vida concreta, a filha que sonha alto, a matriarca que cuida de todos com sua fé latente e um artista não entendido em meio a tanto sofrimento e ignorância. Um juntado de figuras e contos formando uma fábula que começa deveras tocante, mas no desenvolvimento torna-se curiosa e lá pelo fim do terceiro ato causa impacto total.

Um dos elementos mais importantes de A História Da Eternidade é o cast de atores. Todos, sem exceção, realizam trabalhos excepcionais e conferem uma hiper-realidade quase que documental. A começar pelo personagem de Claudio Jaborandy, o vaqueiro Nataniel, que em vários momentos nos faz esquecer que aquilo é uma ficção por construir um homem bruto e rancoroso, mas que na hora certa se entrega por completo ao drama. A Querência de Marcelia Cartaxo passa por duas fases bem distintas de sofrimento e felicidade, testando assim o potencial da atriz. O sempre ótimo Irandhir Santos é outro que merece destaque e elogia-lo é só redundância. Mesmo não sendo o protagonista, o ator consegue roubar a cena, interpretando um personagem tridimensional e rico em sua essência.


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Falando nisso, Camilo Cavalcante dá ao próprio Irandhir o merecido presente de fazer uma das cenas mais lindas já perpetradas no cinema brasileiro contemporâneo. Quando o seu Joãozinho, vestido por um estranho manto artesanal, pega o primeiro LP do subversivo grupo Secos & Molhados e põe na vitrola a faixa ‘Fala’ – que possui versos como “Se eu não entender, não vou responder, então, eu escuto…”, indicando uma concisa rima narrativa – e a câmera começa a girar em torno dele, enquanto os moradores (seu público) observam com pasmasses, ficamos do outro lado da tela vibrando com a beleza cinematográfica posta em prática. Aliás, o filme em si nos causa essa impressão, já que acerta em todos os pontos aludidos e fascina em vários aspectos, já nascendo assim como um jovem clássico.

Texto originalmente publicado na cobertura do VII Janela Internacional de Cinema do Recife.


IMPERDÍVEL! Você vai VICIAR nessa história de Vingança à moda antiga....

Wilker Medeiroshttps://www.youtube.com/imersaocultural
Wilker Medeiros, com passagem pela área de jornalismo, atuou em portais e podcasts como editor e crítico de cinema. Formou-se em cursos de Fotografia e Iluminação, Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica, Forma e Estilo do Cinema. Sempre foi apaixonado pela sétima arte e é um consumidor voraz de cultura pop.

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Ao lado do cinematografo Beto Martins, o diretor engendra planos abertos magníficos, não só pelos cenários impressionantes, mas pelo cuidadoso trabalho de mise-en-scène e figurino. Cada frame poderia facilmente ser emoldurado e se tornar um belo mosaico da vida rural. O desenho de som e trilha sonora assinada por Zbigniew Preisner também são fundamentais, pois, além de utilizar a musica do sanfoneiro Dominguinhos para embalar as muitas cenas intimistas e escolher bem as canções incidentais, consegue capturar pequenas ações da vida cotidiana, estabelecendo uma atmosfera bem crível.

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A trama central, mesmo com todo impressionante apelo estético, não fica de lado e é muito emotiva, no melhor sentido da palavra. Possui uma dicotomia sucessiva: é delicada e verdadeira, linda e cruel, sublimemente banal e ao mesmo tempo impactante. A maioria dos personagens são alegorias perfeitas do povo sertanejo. Vemos caricaturas pontuais, como o chefe de família pouco esclarecido que só enxerga a vida concreta, a filha que sonha alto, a matriarca que cuida de todos com sua fé latente e um artista não entendido em meio a tanto sofrimento e ignorância. Um juntado de figuras e contos formando uma fábula que começa deveras tocante, mas no desenvolvimento torna-se curiosa e lá pelo fim do terceiro ato causa impacto total.

Um dos elementos mais importantes de A História Da Eternidade é o cast de atores. Todos, sem exceção, realizam trabalhos excepcionais e conferem uma hiper-realidade quase que documental. A começar pelo personagem de Claudio Jaborandy, o vaqueiro Nataniel, que em vários momentos nos faz esquecer que aquilo é uma ficção por construir um homem bruto e rancoroso, mas que na hora certa se entrega por completo ao drama. A Querência de Marcelia Cartaxo passa por duas fases bem distintas de sofrimento e felicidade, testando assim o potencial da atriz. O sempre ótimo Irandhir Santos é outro que merece destaque e elogia-lo é só redundância. Mesmo não sendo o protagonista, o ator consegue roubar a cena, interpretando um personagem tridimensional e rico em sua essência.

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Falando nisso, Camilo Cavalcante dá ao próprio Irandhir o merecido presente de fazer uma das cenas mais lindas já perpetradas no cinema brasileiro contemporâneo. Quando o seu Joãozinho, vestido por um estranho manto artesanal, pega o primeiro LP do subversivo grupo Secos & Molhados e põe na vitrola a faixa ‘Fala’ – que possui versos como “Se eu não entender, não vou responder, então, eu escuto…”, indicando uma concisa rima narrativa – e a câmera começa a girar em torno dele, enquanto os moradores (seu público) observam com pasmasses, ficamos do outro lado da tela vibrando com a beleza cinematográfica posta em prática. Aliás, o filme em si nos causa essa impressão, já que acerta em todos os pontos aludidos e fascina em vários aspectos, já nascendo assim como um jovem clássico.

Texto originalmente publicado na cobertura do VII Janela Internacional de Cinema do Recife.

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Wilker Medeiros, com passagem pela área de jornalismo, atuou em portais e podcasts como editor e crítico de cinema. Formou-se em cursos de Fotografia e Iluminação, Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica, Forma e Estilo do Cinema. Sempre foi apaixonado pela sétima arte e é um consumidor voraz de cultura pop.

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