O tema da imigração – principalmente a imigração ilegal – na Europa e nos Estados Unidos tem tomado espaço nos noticiários e nos debates sociais. A precarização e o estrangulamento financeiro têm forçado milhares e milhares de pessoas a abandonarem suas casas, suas raízes, suas culturas para tentarem uma vida em outro lugar, distante, na esperança de conseguir dar melhor sustento às suas famílias. As histórias, as motivações são basicamente as mesmas, porém, o eixo norte do planeta está alcançando um ponto em que não dá mais para fingir que este fenômeno social não está acontecendo. E, como ferramenta na urgência desse debate, chega esta semana aos cinemas brasileiros o filme francês ‘A História de Souleymane’.
Souleymane (Abou Sangare) está tenso. Enquanto aguarda para ser atendido, ele repassa mentalmente o texto que irá dizer, mas se perde nos detalhes, o que faz com que o agente perca a paciência com ele, afinal, Souleymane precisa decorar o texto direitinho para, no dia da entrevista para pedir acolhida como refugiado na França, seu discurso soe convincente e ele consiga os papéis. Porém, como se concentrar, se ele vive sozinho na França, trabalhando quatorze horas por dia fazendo entregas de refeições, usando uma conta emprestada de um colega que lhe cobra um percentual e todos os dias ele precisa lutar para ter um teto onde dormir e uma refeição para fazer?
Premiado no Festival de Cannes 2024, vencedor de quatro prêmios César e exibido no Festival Varilux do ano passado, ‘A História de Souleymane’ tem uma premissa muito simples, mas é a forma como ela é contada que faz toda a diferença.
Escrito por Boris Lojkine e Delphine Agut, o roteiro acompanha o protagonista em basicamente um final de semana, na sua rotina comum. Entretanto, são os desafios dessa rotina que imprimem os impulsos que dão a ‘A História de Souleymane’ um ritmo de thriller vertiginoso. Enquanto o protagonista pedala pra cima e pra baixo em uma Paris menos turística e mais cotidiana, a câmera do diretor Boris Lojkine foca sua lente nos defeitos e nas soluções da sociedade parisiense diante de uma questão tão sensível quanto latente na contemporaneidade: a presença, em massa, de imigrantes, muitos dos quais, ilegais.
Ao acompanharmos o protagonista, o espectador delineia por inúmeras questões presentes na jornada destes indivíduos, desde o endurecimento das emoções na hora de lidar com os familiares deixados em outros países aos jeitinhos que são dados nos subterfúgios para, mesmo ilegalmente, conseguir de alguma forma trabalhar (e aqui é o ponto mais impactante do longa, pois o protagonista só consegue trabalhar porque o racismo social entende todos iguais e porque a uberização do trabalho criou serviços que não criam vínculos empregatícios, e, portanto, abrange o desocupado, não o desempregado).
Ao mesmo tempo, como o protagonista usa uma bicicleta para fazer suas entregas e fica num corre direto entre restaurante e cliente, ziguezagueando pelas frenéticas ruas parisienses, a câmera do diretor Boris Lojkine se apropria desse ritmo acelerado para fazer correr seu filme, causando angústia e vertigem no espectador que, sem perceber, prende a respiração (e só solta no subir das letras do crédito).
‘A História de Souleymane’ é um filme impactante que busca evidenciar as condições às quais os imigrantes se submetem (e são submetidos) na Europa. Mas, em outra camada, também demonstra a precarização dos serviços uberizados. Desses filmes que fazem o espectador sair nervoso e com a mão na consciência ao fim da sessão.
