Nem todas as pessoas ouviram falar do nome Ruth Bader Ginsburg, porém, definitivamente este é um nome de peso para os estudantes de Direito, especialmente nos Estados Unidos. Mais ainda: é um nome de extrema relevância para as estudantes mulheres, por ela ser juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos, indicada ao cargo pelo então presidente Bill Clinton.
A história de Ruth Bader, mais conhecida como RBG, chegou primeiramente aos cinemas este ano com o filme ‘Suprema’, com Felicity Jones no papel principal. Agora, o documentário ‘A Juíza’ traz a luta da norte-americana para os cinema do Brasil, cujas sessões nos primeiros quatro dias de exibição estão sendo gratuitas (fica a dica! Confira a programação e leve as manas!).
Em pouco mais de uma hora, as diretoras Julie Cohen e Betsy West conduzem com competência o espectador por toda a vida desta que se tornou uma das maiores militantes pela igualdade de gêneros. As diretoras optam por intercalar depoimentos de pessoas que conviveram com Ruth de todas as maneiras, incluindo familiares e os primeiros pleiteantes dos casos que a então jovem advogada assumira. O trabalho arqueológico de resgate da memória do que um dia já foi lei naquele país é um dos pontos fortes do filme, que recebeu duas indicações ao Oscar 2019: de Melhor Documentário e Melhor Canção Original (que poderia ter ganhado, se Lady Gaga não estivesse no páreo).
O roteiro foi cuidadosamente elaborado, e não tem um tom doutrinador. O ritmo mantém a atenção do espectador porque intercala cenas da atual Ruth – vejam só, aos 86 anos de idade e fazendo malhação três vezes na semana! – com histórias do passado, seja em fotos ou em imagens recuperadas da TV. O discurso de posse da Juíza Associada da Suprema Corte dos Estados Unidos está todo lá, e é curioso (para não dizer engraçado) a cara blasé com que a maioria branca e masculina da corte fica olhando para ela – dentre os quais, George Bush Filho.
A Notória Ruth, como também é chamada, chegou a cursar um ano de Direito na faculdade de Harvard, numa época em que apenas 2% dos alunos eram mulheres (até 1950 só havia homens), antes de se mudar para Nova York, onde se formou em Columbia. É reconfortante ver a neta de Ruth mostrando uma foto a ela, de sua própria formatura, falando que no aniversário de 200 anos de Harvard, pela primeira vez na história da instituição houve 50% de alunas mulheres. Ou seja, foram necessários 200 anos, mas finalmente a igualdade foi atingida naquela faculdade.
Dentre os depoimentos, um dos mais emocionantes é o da ativista e feminista Gloria Steinem, que apontou o quanto o trabalho de Ruth ajudou as mulheres a entenderem que elas não eram malucas, e sim o sistema que era. Por ter traduzido a biografia de Gloria Steinem no Brasil, é, para mim, difícil ser imparcial com este filme, cuja exibição nos cinemas é tão urgente, uma vez que somos o país com uma das maiores taxas de feminicídio no mundo.
É claro que os depoimentos da própria Ruth são os mais inspiradores, por exemplo, quando ela fala que em 1957, quando estudava e era a única mulher da turma, ela se sentia constantemente observada e na obrigação de vencer, pois, caso falhasse, ela falharia com todas as mulheres. Ou quando conta sobre o jantar com o Reitor de Harvard, onde ela e as outras pouquíssimas alunas se reuniram e o Reitor lhes perguntou (e elas tiveram que responder individualmente) por quê estavam ocupando o lugar na faculdade que deveria ser de um homem. Ou, ainda, quando ela conta o que sentiu enquanto fazia seu primeiro discurso na Corte Suprema, quando defendia o caso (quase perdido) de uma moça que trabalhava para a Força Aérea Americana, mas que não recebia os mesmos benefícios que os colegas homens, pelo simples fato de ser mulher. Ruth conta que, enquanto se dirigia àqueles juízes, se perguntava se eles estavam apenas tolerando que ela falasse ou se ela realmente estava dizendo algo que eles nunca tinham ouvido antes.
Apesar da história ser sobre uma juíza dos EUA, o que importa aqui é a trajetória de luta, de dar exemplo às jovens mulheres que ainda hoje estão buscando seus direitos ao redor do mundo. Embora muita coisa tenha mudado, ainda é muito pouco diante de como deveria ser, e documentários como este ‘A Juíza’ ajudam não só a levantar o debate, mas também a jogar luz na própria constituição brasileira, obscurecida por tanta corrupção.