Dias Sombrios Virão
A Warner Bros, estúdio retentor dos direitos de personagens icônicos da cultura pop (como o Superman, por exemplo), já foi muito acusada de seguir por um caminho sombrio com tais propriedades. Todo fanboy sabe e recita: a Marvel é alegre e colorida, enquanto a DC (Warner) é monocromática, séria e pesada. O estúdio segue estendendo tal estética para outras posses, mesmo as não saídas da famosa editora.
A Lenda de Tarzan é a nova investida no clássico personagem criado por Edgar Rice Burroughs em 1912, transformada em superprodução para o verão norte-americano. E o que temos aqui exatamente? Tarzan já foi tema de diversos filmes, seriados, animações (uma da Disney inclusive), sendo sem dúvidas um dos personagens mais famosos no imaginário popular, reconhecível para a vovó, mamãe, filha e netinha. O que fazer com um produto tão utilizado? Remodelá-lo para um novo público.
A nova roupagem confeccionada pela Warner e pelo diretor David Yates (prata da casa, tendo no panteão os quatro últimos filmes do bruxinho Harry Potter) apresenta um Tarzan civilizado, vivendo na cidade como um nobre, casado com sua Jane e avesso a alcunha e ao seu tempo passado na selva – agora ele é John Clayton III, de Greystoke (sim, aquele filme de 1984 com Christopher Lambert).
Mas o protagonista precisa voltar à natureza, caso contrário, não teríamos um filme. Logo, as maquinações começam para devolver o rei da selva de volta ao seu habitat, onde ele precisará salvar uma tribo (e os animais, por que não?) do vilanesco Leon Rom, que deseja com a construção de uma ferrovia se tornar General Governante de um país africano.
O roteiro escrito por Adam Cozad (Jack Ryan – Operação Sombra) e Craig Brewer (Footloose 2011) não faz um bom trabalho em desenvolver motivações de seus personagens, deixando o motor por trás de tudo, o que impulsiona de fato a trama, sem óleo e a ponto de pifar. O motivo da volta de Tarzan à selva é insípido, básico e um tanto quanto preguiçoso (e essa parece ser a regra geral nos blockbusters atuais). O que importa agora é a forma, a substância nem tanto.
O vilão precisa atrair Tarzan (e para isso sequestra Jane, obviamente) para o líder de uma tribo local, o chefe Mbonga (Djimon Hounsou), e quando você descobrir o motivo ficará achando que as “Marthas” de Batman Vs. Superman foi a melhor sacada dos últimos tempos. Outra tentativa é não fazer de Jane uma “donzela em perigo”, e em determinado momento a personagem inclusive chega a proferir: “você quer que eu grite como uma donzela?”. No entanto, apesar de apontar o fato, é exatamente para o que a personagem serve na maior parte da projeção – tirando alguns momentos inspirados, como uma fuga de capangas e hipopótamos num lago.
Bem, a esta altura vale mencionar que essa Jane, um pouco mais decidida e enérgica, tem as formas de Margot Robbie (a musa do momento) para vender o filme. Infelizmente, a produção a despe de seu esperado carisma – a beleza continua. Quanto a Leon Rom, quem mais poderia interpretá-lo a não ser o vilão du jour Christoph Waltz. De Hans Landa a Cardeal Richelieu, passando por Ernst Stavro Blofeld, o talentoso austríaco vem montando sua filmografia com o biótipo de performances similares (mas nem por isso, menos satisfatórias).
Alexander Skarsgard exibe o físico, o grito (sim, o memorável berro do personagem está de volta) e entrega um herói austero. O grande chamariz da obra, porém, é Samuel L. Jackson, que na pele do aliado George Washington Williams injeta gás na engrenagem, trazendo as melhores tiradas e os momentos mais divertidos. E aqui cheguemos ao ponto chave, a falta de diversão, que muito tem a ver com o que foi dito no primeiro parágrafo. A Lenda de Tarzan é um filme escuro, os dias são sempre nublados e chuvosos, não deixando espaço sequer para um momento ensolarado no qual pudéssemos sentir alegria em mais uma produção retratando o personagem.
Uma atmosfera sorumbática rege a obra, nos deixando com a sensação que este é o anti-Mogli. Ao contrário do menino lobo da Disney, o novo filme de Tarzan é solene demais para os jovens, que certamente ficarão inquietos durante discussões políticas e tramas de golpes de estado. A Lenda de Tarzan possui alguns momentos auto-referentes legais, o resultado, no entanto, não deixará essa lenda ser passada adiante.