A jornada da Walt Disney Studios com seus remakes em live-action não tem sido tão frutífera quanto imaginávamos: desde que a onda de adaptações começou, tivemos mais baixos do que altos que, apesar de traduzirem uma ótima bilheteria (como foi o caso de ‘O Rei Leão’ e ‘Aladdin’, por exemplo), boa parte passou longe de resgatar o encanto das animações originais e de comover o público. E, com o anúncio de ‘A Pequena Sereia’ para 2023 – sete meses depois do terrível ‘Pinóquio’, dirigido por Robert Zemeckis -, não poderíamos deixar de ficar com um pé atrás (não pelo estelar elenco ou pelos nomes por trás da produção do longa-metragem, e sim pelo histórico duvidoso da Casa Mouse).
Felizmente, o resultado não poderia ter sido mais positivo: ainda que não chegue aos pés da obra original, lançada em 1989, o remake focado em uma das princesas mais adoradas do panteão Disney cumpre com seu papel, expandindo a história e dando destaque a uma das artistas de maior versatilidade no cenário contemporâneo, Halle Bailey, em seu primeiro papel protagonista no cinema. Aqui, o elemento de maior sucesso é não querer reinventar a roda ou recriar uma narrativa atemporal, mas sim reorganizá-la para a nova geração e garantir que os fãs da animação se sintam contemplados em, mais uma vez, poder visitar o fundo do mar nas telonas.
A trama é centrada em Ariel, uma jovem sereia que vive ao lado de suas outras seis irmãs sob o comando do poderoso Tritão (Javier Bardem), rei dos sete mares. Apesar de terem sido ensinadas a temer e a odiar os humanos, Ariel, tem o sonho de explorar o mundo para além do próprio lar, coletando objetos estranhos e escondendo-os em uma estrutura cavernal, longe dos olhos do pai. E, à medida que a curiosidade acerca do que existe lá em cima aumenta, ela cruza caminho com Eric (Jonah Hauer-King), herdeiro do trono e que, assim como a protagonista titular, se sente deslocado no palácio em que vive. É claro que a ideia de Ariel se misturar com aqueles que trouxeram tanta catástrofe à sua espécie enfurece Tritão – que destrói toda a coleção preciosa da filha e a leva a confiar na perigosa bruxa Úrsula (Melissa McCarthy).
Desesperada para ser compreendida e, talvez, encontrar seu lugar junto àqueles que a entendem, ela fecha um acordo drástico: abrindo mão de sua mística e apaixonante voz, Ariel teria a chance de ganhar pernas humanas e subir à superfície; todavia, para permanecer daquele jeito para sempre, ela deveria, num prazo de três dias, dar um beijo de amor verdadeiro em Eric. E, conhecendo a clássica antagonista da animação, é claro que as coisas não seriam tão fáceis assim. Úrsula, guiada por um desejo sombrio de vingança contra o irmão, Tritão, faz o possível para impedir que o beijo aconteça e garantir que Ariel seja sua prisioneira para toda a eternidade.
O responsável por comandar o remake é Rob Marshall, cineasta cuja carreira é marcada por grandes acertos e erros. O diretor é celebrado por seu espetacular trabalho em obras como ‘Chicago’, ‘Caminhos da Floresta’ e ‘O Retorno de Mary Poppins’, que lhe garantiram aclame por parte da crítica e inúmeros prêmios; todavia, ele também é o nome por trás de sólidos fracassos da sétima arte, incluindo ‘Memórias de uma Gueixa’, ‘Nine’ e ‘Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas’. E, levando isso em consideração, o receio era certo; mas Marshall parece ter compreendido os excessos criativos presentes em suas obras e, sem abandonar uma imagética familiar, usou e abusou da nostalgia para apresentar ao público uma perspectiva diferente e saudosista.
Um dos principais pontos de discussão logo após o lançamento do trailer foi a falta de cor – um argumento falho, considerando que vídeos promocionais não costumam contemplar o tratamento final de títulos audiovisuais. E, se esse era o seu temor, posso tranquilizá-los ao dizer que os vibrantes tons do fundo do mar estão lá e entram em contraste com os momentos de drama, autorrealização e tragédia; ora, eles até mesmos são utilizados como ponto de convergência entre o reino subaquático e o terrestre, como se fizessem parte de uma história similar. Não é surpresa, pois, que “Under the Sea” receba uma importância ainda maior e seja uma garantia emocional para os espectadores.
Os equívocos existem, mas não com força suficiente para nos drenar de toda a maravilhosa aventura eternizada por Marshall. McCarthy adota os trejeitos propositalmente exagerados de Úrsula no melhor estilo camp – e até ousa aqui e ali com o solo “Poor Unfortunate Souls”; Awkwafina e Daveed Diggs dividem os holofotes como os escapes cômicos, interpretando Sabidão e Sebastião, respectivamente: o trabalho de voz dos atores é motivo de deleite puro e, pouco a pouco, nos fazem esquecer da construção hiper-realista dos personagens; Hauer-King também faz um ótimo trabalho como Eric, mas parece colocado em segundo plano ao lado de Jacob Tremblay como Linguado. E, como é de esperar, Bailey é o nosso principal foco, imprimindo uma identidade fantástica em todos os aspectos ao encarnar Ariel – fazendo jus ao legado que lhe foi dado em mãos e nos tirando o fôlego quando começa a cantar “Part of Your World”.
Problemas à parte – incluindo a frustrante cena da batalha final e alguns enquadramentos que ficam fora do lugar -, o live-action de ‘A Pequena Sereia’ se consagra como uma das melhores adaptações da Disney. Mais do que isso, ela se eleva como uma carta de amor à animação dos anos 1980 e aos próprios fãs, novos ou antigos, que com certeza irão se (re)apaixonar pela produção.