Crítica livre de spoilers.
Em 1976, uma das franquias de terror mais memoráveis da história do cinema ganhava vida: ‘A Profecia’. Apesar de ter tido recepção bastante desfavorável por parte da crítica, o longa-metragem foi reavaliado como um clássico cult que angariou uma legião de fãs com o passar dos anos e que é revisitado até os dias hoje como forma de inspiração para o gênero.
Agora, caminhamos para o sexto capítulo dessa icônica saga com o lançamento de ‘A Primeira Profecia’ – que também funciona como uma pré-sequência direta da produção original.
A trama nos leva de volta ao começo dos anos 70 e acompanha uma jovem noviça estadunidense chamada Margaret Daino (Nell Tiger Free), que é convocada para trabalhar em um orfanato cristão apenas para meninas em Roma, à supervisão do Cardeal Lawrence (Bill Nighy), antes de realizar seus votos para sagrar-se freira. Quando chega lá, Margaret é recebida pela Irmã Silvia (Sônia Braga), que lhe apresenta o local e que, de alguma forma, a coloca em contato com a jovem Carlita Scianna (Nicole Sorace), uma das crianças mais velhas do orfanato e que é isolada das outras meninas por algum motivo que Margaret não consegue entender. Não demora muito até que a noviça descubra segredos que se escondem nas paredes da Abadia e que um grupo secreto dentro da Igreja Católica está tramando para lutar contra a revolução cultural que se alastra entre a geração mais jovem.
Como poderíamos imaginar, o longa não consegue chegar aos pés do impacto que o original causou, mas ainda assim cumpre com o prometido e aumenta as camadas desse famoso universo através de uma narrativa que não se leva a sério e que nos entretém do começo ao fim. Todavia, apesar da clara humildade com qual a diretora Arkasha Stevenson trata o projeto, ela não deixa de realizar incursões ambiciosas, principalmente no tocante artístico e fotográfico, construindo pequenas gemas visuais que corroboram com a perspectiva proposta pelo filme. Stevenson, conhecida por seu trabalho no circuito televisivo com títulos como ‘Legion’ e ‘Channel Zero’, não é nenhuma estreante no terror e no suspense – e utiliza suas habilidades para fazer uma sólida estreia diretorial na sétima arte que, apesar dos deslizes, é competente o bastante para nos deixar engolfados nessa angustiante e macabra aventura.
Mas nada disso seria possível sem um elenco de ponta a povoar as telonas. Free, que participou da série ‘Game of Thrones’, não deixa que ninguém roube seus holofotes e entrega-se de corpo e alma (sem trocadilhos propositais) ao papel de Margaret, postando-se como uma noviça que quer apenas realizar seus votos antes de mergulhar em um compulsório arco de insanidade que a coloca como vítima das circunstâncias. É desesperador ver como Free não pensa duas vezes antes de transparecer essa loucura mandatória, pegando elementos do giallo e do gore para uma crua rendição que merece o devido reconhecimento.
Acompanhando-a de perto, temos a presença ilustre de uma das maiores atrizes da história do nosso país como a Irmã Silvia: Braga é uma força descomunal em cena e não precisa sequer mudar a expressão de seu rosto para nos convencer de uma personalidade vilanesca apaixonante e tenebrosa, ao mesmo tempo. Sorace é uma descoberta muito bem-vinda e, ao encarnar Carlita, tem seus momentos de glória e mostra-se como parte importante da intrincada engrenagem que se desenrola à nossa frente, enquanto Nighy, apesar de não ter tanto destaque, domina as sequências de que participa com uma compleição amedrontadora. E, para completar essa amálgama de performances, temos Ralph Ineson como o Padre Brennan – um dos poucos que tenta alertar Margaret do que realmente está acontecendo na Abadia.
No tocante aos obstáculos enfrentados pelo longa-metragem, o maior deles envolve sua extensão – e não por causa do tempo de tela, mas sim por não saber como terminar a narrativa sem alongar-se em demasia. O terceiro ato, que conclui o enredo e até mesmo apresenta um gancho que se une com o filme de 1976, parece se finalizar mais de uma vez e acaba criando prolongamentos que poderiam ser facilmente retirados do corte final, aumentando o proveito por parte do público e deixando claro que cada beat tem seu propósito no “andar da carruagem”. De qualquer forma, mesmo essas “barrigas” conseguem, em boa parte, auxiliar na construção da atmosfera derradeira do projeto.
‘A Primeira Profecia’ é uma sólida entrada a uma franquia muito popular e, quiçá, a melhor iteração desde o filme clássico dirigido por Richard Donner.
É impressionante ver como um título ambicioso consegue cumprir com o prometido sem dar um passo maior que a perna – e tudo graças à competência de uma cineasta que ainda tem muito a nos contar e que faz um début aprazível e convincente.
Assista a nossa entrevista com a diretora e confira nossas primeiras impressões: