Filme assistido durante o Festival de Sundance 2024
A Sociedade Americana dos Negros Mágicos surge no line up do Festival de Sundance 2024 como uma espécie de falha na matrix. Se levando a sério – como se realmente tivesse algo a nos ensinar -, o longa de Kobi Libii é pedante, se coloca em um pedestal imaginário que lhe garante o direito de “palestrar” sobre o restante da audiência e tem a audácia de se associar a um vitimismo brega e que não convence mais ninguém atualmente. Simulando guerras raciais inexistes e se apropriando de problemas reais para tentar justificar sua proposta mal desenvolvida, a comédia dramática usa o racismo como uma muleta social, uma desculpa para um comportamento doentio que desconsidera outras raças e transforma o preconceito em algo unicamente aplicado e existente contra pessoas pretas.
Na trama, Aren (Justice Smith) é recrutado por uma sociedade secreta onde os negros dedicam suas vidas a uma única causa: tornar a vida de pessoas brancas mais fácil. E como coadjuvantes de suas próprias histórias, os membros dessa instituição orbitam ao redor daqueles personagens caricatos e redundantes, apresentados como rascunhos miméticos do comportamento humano. E fazendo um paralelo soberbo e arrogante entre duas raças, a comédia dramática tenta apresentar parte de seus protagonistas como nobres, (quase) imaculados e justiceiros – apenas por conta da cor de sua pele -, enquanto o outro espectro é introduzido de forma animalesca, superficial e tola, seguindo a mesma premissa racial.
Ofuscando questões reais e dando as costas para casos genuínos de racismo, o longa é uma mera mimetização de um surto coletivo social que surgiu nos idos da pandemia, em que movimentos como o Black Lives Matter passaram a reduzir essa problemática a tudo e qualquer coisa. A fim de criar uma agressiva ruptura interna na sociedade, eles ajudaram a colocar negros e brancos em lados opostos de uma guerra inventada por filósofos do Twitter amargurados e sedentos por confusão. A Sociedade Americana dos Negros Mágicos reduz o racismo real a uma piada de mau gosto, tornando nossa comunidade em tokens, chaveirinhos que existem para “facilitar” e “amenizar” as agruras da “ira branca”. Profundamente constrangedor, o longa é fruto de um compilado de tweets feitos por pseudointelectuais que querem parecer descolados, inteligentes e “aliados” de uma causa que se quer entendem – mas engolem por temer o linchamento virtual.
Com um humor que funciona em raríssimas ocasiões e um viés dramático que se quer se aproxima dos verdadeiros dilemas raciais existentes no mundo, a produção é uma tentativa preguiçosa de diminuir uma comunidade inteira apenas por suas origens caucasianas, à medida em que envergonha a nós, negros, nos apagando em direção a uma falsa posição de vigilantes sociais que só são capazes de se esquivar do racismo quando se dedicam a uma bajulação inconveniente e reducionista. E na expectativa ideológica de que seu filme abra um debate sobre o racismo sistêmico, o novato cineasta Kobi Libii logo descobrirá que aquelas opiniões do Twitter consideradas por ele e por tantos outros como sendo tão “sensatas”, na prática não passam de meras problematizações ruins, infundadas e que já não convencem nem o afegão médio. A verdade é que estamos cansados dos sequestros de pautas importantes e dessas conversas rasas, embasadas em nada. E o fracasso sociocultural desse filme é uma evidência clara disso.
Não deixe de assistir:
E se esforçando para dar sentido a um roteiro marcado por frases de efeito e momentos constrangedores, o ator Justice Smith até tenta nos convencer de algo, mas se perde em um longa que jamais deveria ter saído da gaveta. Ofensivo para negros e racista contra brancos, a comédia dramática não funcionaria nem como uma ironia mal executada, muito menos como uma tentativa de sátira do contexto social em que nos metemos, ao permitirmos que pessoas seriamente problemáticas tentassem ditar como o negro deveria se comportar, votar, se relacionar e se apresentar. Se perdendo em seu próprio personagem, o filme é incapaz de fazer uma autoanálise e ao contrário do poderoso Ficção Americana, não sabe usar a metalinguagem para confrontar preceitos enganosos e enganadores.
E por falar neste aclamado indicado ao Oscar 2024, ele é quase uma resposta direta a essas simulações bregas e ignorantes que o progressismo racial criou com seus debates tolos e mal elaborados destilados na internet. Uma aula de roteiro e uma crítica social afiada, a produção – desenvolvida e lançada antes desta comédia -, é uma reflexão à frente do seu tempo sobre como reduzimos um povo unicamente a sua cor. É como se nós, esses tais “negros mágicos”, fôssemos apenas isso: rabiscos e sketches estereotipados de uma negritude inventada. Como se só pudéssemos ser aquilo que os regentes ideológicos da cultura afro determinaram. Marionetes daqueles mesmo filósofos do Twitter. Pastiches de um povo e não um povo genuíno.
E por fim, a comédia dramática tenta florear e colorir seu debate frouxo fazendo um “somebody love” com seu roteiro, tentando trazer pequenas reflexões sobre a realidade do racismo estrutural. Mas ao invés de verdadeiramente abordar esse problema – real e ainda vigente -, a produção fica nas obviedades, transforma tudo em racismo e se esquece de que tal reducionismo simplesmente apaga os inúmeros casos que de fato acarretam em vítimas. E não se engane, preconceito contra pretos é real e precisa ser combatido. Mas definitivamente não é o que acontece em A Sociedade Americana dos Negros Mágicos.