domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | A Sombra do Pai – Mistura o terror do abandono e a fuga para o místico

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Com um tenso clima de suspense e opressão, Gabriela Amaral Almeida constrói uma história de relações debilitadas e assombradas pela crença no universo espiritual. A Sombra do Pai é uma instigante narrativa através do olhar da menina Dalva (Nina Medeiros) e de seu pai Joaquim (Júlio Machado), ambos em luto pela morte da mãe e esposa, respectivamente, após dois anos do acontecimento.

O filme tem um ótimo apelo cênico, com tomadas que incutem a ambientação de mistério e uma tensão presente, a partir da qual é imprevisível saber o que ocorre na próxima cena. Essas qualidades são extremamente fortes no filme, no entanto, a expectativa construída, por meio do enquadramento e da fotografia, vão dando lugar a uma inquietação por conta da falta de acontecimentos.



As sequências alimentam a imagem da menina cada vez mais ressabiada e um pai apático, levando-nos a acreditar em um apogeu de tragédia ou redenção. Os dois campos se misturam quando a tia de Dalva, Cristina (Luciana Paes), decide casar-se e deixar a menina aos cuidados do pai. Ele, entretanto, já devastado pela morte da mulher entra em um processo catatônico ao testemunhar o suicídio do seu companheiro de trabalho.

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Com Joaquin cada vez mais distante e Cristina ausente, Dalva começa a desejar que a sua mãe retorne para cuidá-la. Em uma mistura de misticismo, inspirado pela tia dada a simpatias para segurar o namorado, e uma fixação por filmes de terror, a menina passa a acreditar que possui poderes de controlar os acontecimentos e que pode trazer sua mãe de volta para casa.

A Sombra do Pai traça um paralelo entre as possibilidades míticas e a assustadora inadequação dos lares familiares. Não é de hoje que crianças brincando com magia atraem maus elementos, entretanto, o filme fica entre apresentar o horror do pós-vida e a desgraça da vida cotidiana, mesclando os dois de forma aterradora. Afinal, Joaquin torna-se um zumbi sem emoção e, ao ser confrontado, expressa apenas revolta.

Age como se o homem presente não aceitasse o papel de pai e viúvo e, assim, desiste de cuidar da filha e de si mesmo, desejando acabar com a sua angústia. A clareza das intenções de A Sombra do Pai está nos filmes que Dalva assiste na televisão. As cenas fazem uma alusão com os acontecimentos na vida da garotinha, insinuando que o que vemos vem da imaginação de uma menina assustada com a realidade e entretida com os filmes de terror.

Na tela, Dalva vê A Noite dos Mortos Vivos (1968), George A. Romero, e O Cemitério Maldito, de Mary Lambert, (1989). As cenas dos filmes são mostradas em primeiro plano encaixando com uma explicação do que vem em seguida. Como no filme, baseado na obra de Stephen King, Dalva enterra os dentes da mãe para que germine. Daqui para frente, os acontecimentos partem do real para o lúdico, enquanto a mãe renasce, o pai torna-se um morto-vivo.

Com toda a tensão criada e crueza no trato, A Sombra do Pai apresentar-se como uma homenagem aos filmes clássicos de terror, mas revela-se mais fantasioso, tal como o norte-americano O Sono da Morte (2016), com Jacob Tremblay. Estreante com o filme O Animal Cordial (2017), Gabriela Amaral Almeida é parte dos poucos cineastas nacionais que fazem um cinema de gênero no Brasil, tendo como maior representante Marco Dutra, com o qual ela trabalhou juntamente no roteiro do ótimo Quando Eu Era Vivo (2014).

A Sombra do Pai consegue arquitetar uma acachapante ambientação, no entanto, permite pontos muitos frouxos no roteiro e atores pouco articulados. Como composição é ótimo, mas em conteúdo e coesão a obra desliza e deixa uma sensação de frustração na expectativa de um ápice que perde-se no meio da história.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Com um tenso clima de suspense e opressão, Gabriela Amaral Almeida constrói uma história de relações debilitadas e assombradas pela crença no universo espiritual. A Sombra do Pai é uma instigante narrativa através do olhar da menina Dalva (Nina Medeiros) e de seu pai Joaquim (Júlio Machado), ambos em luto pela morte da mãe e esposa, respectivamente, após dois anos do acontecimento.

O filme tem um ótimo apelo cênico, com tomadas que incutem a ambientação de mistério e uma tensão presente, a partir da qual é imprevisível saber o que ocorre na próxima cena. Essas qualidades são extremamente fortes no filme, no entanto, a expectativa construída, por meio do enquadramento e da fotografia, vão dando lugar a uma inquietação por conta da falta de acontecimentos.

As sequências alimentam a imagem da menina cada vez mais ressabiada e um pai apático, levando-nos a acreditar em um apogeu de tragédia ou redenção. Os dois campos se misturam quando a tia de Dalva, Cristina (Luciana Paes), decide casar-se e deixar a menina aos cuidados do pai. Ele, entretanto, já devastado pela morte da mulher entra em um processo catatônico ao testemunhar o suicídio do seu companheiro de trabalho.

Com Joaquin cada vez mais distante e Cristina ausente, Dalva começa a desejar que a sua mãe retorne para cuidá-la. Em uma mistura de misticismo, inspirado pela tia dada a simpatias para segurar o namorado, e uma fixação por filmes de terror, a menina passa a acreditar que possui poderes de controlar os acontecimentos e que pode trazer sua mãe de volta para casa.

A Sombra do Pai traça um paralelo entre as possibilidades míticas e a assustadora inadequação dos lares familiares. Não é de hoje que crianças brincando com magia atraem maus elementos, entretanto, o filme fica entre apresentar o horror do pós-vida e a desgraça da vida cotidiana, mesclando os dois de forma aterradora. Afinal, Joaquin torna-se um zumbi sem emoção e, ao ser confrontado, expressa apenas revolta.

Age como se o homem presente não aceitasse o papel de pai e viúvo e, assim, desiste de cuidar da filha e de si mesmo, desejando acabar com a sua angústia. A clareza das intenções de A Sombra do Pai está nos filmes que Dalva assiste na televisão. As cenas fazem uma alusão com os acontecimentos na vida da garotinha, insinuando que o que vemos vem da imaginação de uma menina assustada com a realidade e entretida com os filmes de terror.

Na tela, Dalva vê A Noite dos Mortos Vivos (1968), George A. Romero, e O Cemitério Maldito, de Mary Lambert, (1989). As cenas dos filmes são mostradas em primeiro plano encaixando com uma explicação do que vem em seguida. Como no filme, baseado na obra de Stephen King, Dalva enterra os dentes da mãe para que germine. Daqui para frente, os acontecimentos partem do real para o lúdico, enquanto a mãe renasce, o pai torna-se um morto-vivo.

Com toda a tensão criada e crueza no trato, A Sombra do Pai apresentar-se como uma homenagem aos filmes clássicos de terror, mas revela-se mais fantasioso, tal como o norte-americano O Sono da Morte (2016), com Jacob Tremblay. Estreante com o filme O Animal Cordial (2017), Gabriela Amaral Almeida é parte dos poucos cineastas nacionais que fazem um cinema de gênero no Brasil, tendo como maior representante Marco Dutra, com o qual ela trabalhou juntamente no roteiro do ótimo Quando Eu Era Vivo (2014).

A Sombra do Pai consegue arquitetar uma acachapante ambientação, no entanto, permite pontos muitos frouxos no roteiro e atores pouco articulados. Como composição é ótimo, mas em conteúdo e coesão a obra desliza e deixa uma sensação de frustração na expectativa de um ápice que perde-se no meio da história.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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