Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças
A aceitação da senilidade e a espera da morte é um assunto sempre delicado. O fim da vida é um ritual de passagem abordado de diferentes formas, variando culturalmente. O assunto também já foi tema de diversos filmes, dentro da maioria dos gêneros. A Viagem de Meu Pai (Floride no original, ou Flórida, o estado americano) é a nova produção francesa a abordar o tópico.
Dirigido por Phillipe Le Guay (Pedalando com Molière), A Viagem de Meu Pai narra o relacionamento de Carole (Sandrine Kiberlain), presidente de uma empresa de papelões na França, com seu pai. Claude (papel do veterano Jean Rochefort) já foi o presidente da mesma empresa, mas agora aos oitenta e poucos anos, só lhe resta desfrutar da aposentadoria. Esse é um plano ideal, não fosse o fantasma agravante de problemas acarretados pela idade, como a falta de memória cada vez mais constante.
Para cuidar do idoso, sua filha precisa se desdobrar entre o trabalho e os afazeres do lar, o que inclui o marido. Existe grande recusa do sujeito em aceitar o cuidado de terceiros também, assim passando um verdadeiro desfile de enfermeiras e cuidadoras pela imensa residência do ex-empresário. Um dos maiores traumas é o esquecimento do que aconteceu com sua filha mais nova, morta em um acidente na Flórida, nos EUA, país que escolheu como lar. Daí o título da obra.
Claude lembra constantemente do local, seus sucos de laranja são diretamente providos de lá, no entanto, o falecimento de sua caçula passa em branco para ele. O fato também traz grande ressentimento em relação à sua primogênita, sempre o alvo de insultos e hostilidade da parte de seu patriarca demente.
A Viagem de Meu Pai – exibido no Festival Varilux de Cinema Francês 2016 – transita bem entre o lado cômico de situações, a doçura – em muitos momentos voltada mais ao teor agridoce – e o peso dramático que um tema como este merece. Le Guay, que também adapta para o cinema o texto da peça de Florian Zeller, acha o ponto certo da narrativa, criando grande identificação com o público e confeccionando uma obra com sentimentos, sem ser sentimentalista.
A força de A Viagem de Meu Pai, no entanto, está nas atuações certeiras da dupla protagonista. Kiberlain e Rochefort interagem bem e possuem boa química. Em especial o ator veterano entrega um desempenho tão realista que chega a ser perturbador. Em certos momentos, seus olhos vazios refletem a falta de consciência de uma mente esvaída, com a grandiloquência de um mestre do método. Ao disparar frases desconexas em seus diálogos, transitando entre realidade e devaneios, Rochefort nos mostra todo o alcance de um verdadeiro ator, numa das melhores performances dramáticas do ano.