domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | ‘ALICIA’ é um dos capítulos mais importantes da discografia de Alicia Keys

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Chegando ao fim da nossa jornada através da carreira de Alicia Keys, está na hora de analisar seu interessante álbum homônimo lançado no segundo semestre do ano passado. ALICIA, como ficou conhecida a produção, é uma interessante e experimental aventura que coloca a cantora e compositora em contradição com sua arte musical sem abandoná-la de fato – um movimento complexo e controverso, por assim dizer. Debutando em quarto lugar da Billboard 200, é inegável dizer que o CD passou longe do radar mainstream e foi ofuscada por outras construções mais mercadológicas, o que não o impediu de ser um sucesso crítico, elogiado pelo teor vocal e lírico de quinze faixas (na versão padrão, diga-se de passagem).

Já havia ficado bem claro que Keys tomava o tempo necessário para retornar aos holofotes da indústria fonográfica, motivo pelo qual levou outros quatro anos para investir esforços no sétimo capítulo oficial de sua saga. O resultado, apesar de algumas dissonâncias espectrais, é sólido o suficiente para mantê-la coesa à temática explorada em HERE (incluindo o empoderamento feminino e a exaltação da cultura afro-americana) ao mesmo tempo que apostou fichas em gêneros esquecidos. A principal característica da obra é sua multiplicidade artística, que abre portas para gêneros específicos como o folk e a música caribenha – e a fusão impactante e explosiva de estéticas contraditórias. Afinal, logo de cara, “Truth Without Love” serve como resposta aos prólogos e interlúdios familiares da discografia da artista ao estender-se por quase três minutos e se render ao pop orquestral e às maravilhas da instrumentalização clássica.



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O álbum rendeu nada menos que seis singles e uma sétima peça promocional que não teve o mesmo desenlace. Tais escolhas refletem uma necessidade da lead singer em expandir seus discursos sobre os problemas enfrentados pela comunidade negra no mundo e de que forma o racismo estrutural permanece como uma das várias ramificações da escravidão. Não é à toa que boa parte dos temas analisados nos versos fale de que forma a sociedade continua se esquivando das questões que realmente importam – e, ao lado de The Weeknd, H.E.R. e tantos outros, Alicia faz parte de um seleto grupo que fala pública e corajosamente sobre aquilo que nem todos estão prontos para ouvir. Por esse motivo, ela mesma encara as tracks como um amontoado de músicas sem gênero cujo propósito é muito maior do que o imediatismo sonoro.

Assista também:
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Assim como suas inflexões anteriores, Keys tem a contracultura musical como principal influência. Em “Time Machine”, uma das melhores canções que já escreveu até hoje, temos a etérea atmosfera do retro-funk banhando uma narrativa que fala sobre a efemeridade do tempo e como devemos aproveitar o agora. Os sintetizadores e as batidas bem-demarcadas são uma ode a um passado não tão longínquo assim e servem de base para rendições irretocáveis. “Perfect Way To Die”, facilmente uma das mais potentes baladas do ano passado e das últimas décadas, é pungente e cruel, denunciando a brutalidade potencial e o crescente genocídio negro (resumido pelo impactante verso “ao menos você ficará jovem para sempre; acho que escolheu o jeito perfeito de morrer”).

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Quase tudo sobre a obra resgata a sofisticação de Songs in A Minor e ‘The Diary of Alicia Keys’, principalmente quando pensamos na ambientação intimista das composições. Diferente da perspectiva individualista e romântica de relacionamentos complicados, as experiências particulares da cantora, dotadas de pontos de vista específicos, são traduzidos em ideias universas e em realizações sociopolíticas e antropológicas de como o ser humano se comporta em relação ao outro – transferindo o conteúdo à vivência dos afrodescendentes em uma crescente comunidade supremacista. “Good Job”, também guiada pelas dramáticas teclas do piano, reflete a falta de justiça enquanto destaca os vocais do eu-lírico; “Underdog” se vale de metáforas originais e um escopo contemporâneo de pop-country que exalta o poder dos jovens, das mães solteiras e de todos aqueles que enfrentam obstáculos e, mesmo assim, os superam.

Há um senso de otimismo que permeia parte das músicas e que contrasta com a barbaridade da realidade, talvez refletindo que, em meio aos constantes malefícios, Alicia ainda tem esperança no futuro da humanidade. “Author of Forever” é auxiliado pela conhecida produção de Mark Ronson, que imprime suas características exploradas em ‘Joanne’ (2016) para a criação de um microcosmos idílico. Os aspectos bucólicos também aparecem com força em “Gramercy Park”, uma arromântica balada que gira em torno de amantes que não mais se entendem e nem ao menos se conhecem pelas mudanças que passaram; “Love Looks Better” dá espaço para os flertes com as rapsódias e com uma grave progressão, cuja familiar fórmula equilibra-se com o electro-pop do final dos anos 2010 e, da mesma maneira, recua para assuntos amorosos.

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Apesar da coerência estilística que une as faixas, faz-se necessário mencionar que a quantidade absurda de colaborações, as quais estendem por quase metade do álbum. Algumas iterações funcionam, como a sutil “Show Me Love” ao lado de Miguel, ou então a sensual dream-pop e R&B “3 Hour Drive” com Sampha; outras tentam se afastar dos convencionalismos e experimentar coisas novas, mas falham e dão origens a espasmódicas e circinais arquiteturas, como é o caso de “Me x 7”, com a famosa rapper Tierra Whack, e “Jill Scott”, com a cantora homônima (de longe a pior faixa da obra).

No final das contas, ALICIA cumpre para além do esperado um retorno aos holofotes de um dos nomes mais importantes da música contemporânea. Alicia Keys permanece ciente de seu lugar como mulher negra e de seus privilégios como parte da elite mainstream – utilizando o palanque que construiu para dar voz àqueles que mais precisam.

Nota por faixa:

  1. Truth Without Love – 5/5
  2. Time Machine – 5/5
  3. Author Of Forever – 4,5/5
  4. Wasted Energy (feat. Diamond Platnumz) – 3,5/5
  5. Underdog – 4/5
  6. 3 Hour Drive (feat. Sampla) – 4/5
  7. Me x 7 (feat. Tierra Whack) – 2/5
  8. Show Me Love (feat. Miguel) – 3,5/5
  9. So Done (feat. Khalid) – 4/5
  10. Gramercy Park – 4/5
  11. Love Looks Better – 3,5/5
  12. You Save Me (feat. Snoh Aalegra) – 4,5/5
  13. Jill Scott (feat. Jill Scott) – 1/5
  14. Perfect Way To Die – 5/5
  15. Good Job – 4,5/5
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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Crítica | ‘ALICIA’ é um dos capítulos mais importantes da discografia de Alicia Keys

Chegando ao fim da nossa jornada através da carreira de Alicia Keys, está na hora de analisar seu interessante álbum homônimo lançado no segundo semestre do ano passado. ALICIA, como ficou conhecida a produção, é uma interessante e experimental aventura que coloca a cantora e compositora em contradição com sua arte musical sem abandoná-la de fato – um movimento complexo e controverso, por assim dizer. Debutando em quarto lugar da Billboard 200, é inegável dizer que o CD passou longe do radar mainstream e foi ofuscada por outras construções mais mercadológicas, o que não o impediu de ser um sucesso crítico, elogiado pelo teor vocal e lírico de quinze faixas (na versão padrão, diga-se de passagem).

Já havia ficado bem claro que Keys tomava o tempo necessário para retornar aos holofotes da indústria fonográfica, motivo pelo qual levou outros quatro anos para investir esforços no sétimo capítulo oficial de sua saga. O resultado, apesar de algumas dissonâncias espectrais, é sólido o suficiente para mantê-la coesa à temática explorada em HERE (incluindo o empoderamento feminino e a exaltação da cultura afro-americana) ao mesmo tempo que apostou fichas em gêneros esquecidos. A principal característica da obra é sua multiplicidade artística, que abre portas para gêneros específicos como o folk e a música caribenha – e a fusão impactante e explosiva de estéticas contraditórias. Afinal, logo de cara, “Truth Without Love” serve como resposta aos prólogos e interlúdios familiares da discografia da artista ao estender-se por quase três minutos e se render ao pop orquestral e às maravilhas da instrumentalização clássica.

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O álbum rendeu nada menos que seis singles e uma sétima peça promocional que não teve o mesmo desenlace. Tais escolhas refletem uma necessidade da lead singer em expandir seus discursos sobre os problemas enfrentados pela comunidade negra no mundo e de que forma o racismo estrutural permanece como uma das várias ramificações da escravidão. Não é à toa que boa parte dos temas analisados nos versos fale de que forma a sociedade continua se esquivando das questões que realmente importam – e, ao lado de The Weeknd, H.E.R. e tantos outros, Alicia faz parte de um seleto grupo que fala pública e corajosamente sobre aquilo que nem todos estão prontos para ouvir. Por esse motivo, ela mesma encara as tracks como um amontoado de músicas sem gênero cujo propósito é muito maior do que o imediatismo sonoro.

Assim como suas inflexões anteriores, Keys tem a contracultura musical como principal influência. Em “Time Machine”, uma das melhores canções que já escreveu até hoje, temos a etérea atmosfera do retro-funk banhando uma narrativa que fala sobre a efemeridade do tempo e como devemos aproveitar o agora. Os sintetizadores e as batidas bem-demarcadas são uma ode a um passado não tão longínquo assim e servem de base para rendições irretocáveis. “Perfect Way To Die”, facilmente uma das mais potentes baladas do ano passado e das últimas décadas, é pungente e cruel, denunciando a brutalidade potencial e o crescente genocídio negro (resumido pelo impactante verso “ao menos você ficará jovem para sempre; acho que escolheu o jeito perfeito de morrer”).

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Quase tudo sobre a obra resgata a sofisticação de Songs in A Minor e ‘The Diary of Alicia Keys’, principalmente quando pensamos na ambientação intimista das composições. Diferente da perspectiva individualista e romântica de relacionamentos complicados, as experiências particulares da cantora, dotadas de pontos de vista específicos, são traduzidos em ideias universas e em realizações sociopolíticas e antropológicas de como o ser humano se comporta em relação ao outro – transferindo o conteúdo à vivência dos afrodescendentes em uma crescente comunidade supremacista. “Good Job”, também guiada pelas dramáticas teclas do piano, reflete a falta de justiça enquanto destaca os vocais do eu-lírico; “Underdog” se vale de metáforas originais e um escopo contemporâneo de pop-country que exalta o poder dos jovens, das mães solteiras e de todos aqueles que enfrentam obstáculos e, mesmo assim, os superam.

Há um senso de otimismo que permeia parte das músicas e que contrasta com a barbaridade da realidade, talvez refletindo que, em meio aos constantes malefícios, Alicia ainda tem esperança no futuro da humanidade. “Author of Forever” é auxiliado pela conhecida produção de Mark Ronson, que imprime suas características exploradas em ‘Joanne’ (2016) para a criação de um microcosmos idílico. Os aspectos bucólicos também aparecem com força em “Gramercy Park”, uma arromântica balada que gira em torno de amantes que não mais se entendem e nem ao menos se conhecem pelas mudanças que passaram; “Love Looks Better” dá espaço para os flertes com as rapsódias e com uma grave progressão, cuja familiar fórmula equilibra-se com o electro-pop do final dos anos 2010 e, da mesma maneira, recua para assuntos amorosos.

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Apesar da coerência estilística que une as faixas, faz-se necessário mencionar que a quantidade absurda de colaborações, as quais estendem por quase metade do álbum. Algumas iterações funcionam, como a sutil “Show Me Love” ao lado de Miguel, ou então a sensual dream-pop e R&B “3 Hour Drive” com Sampha; outras tentam se afastar dos convencionalismos e experimentar coisas novas, mas falham e dão origens a espasmódicas e circinais arquiteturas, como é o caso de “Me x 7”, com a famosa rapper Tierra Whack, e “Jill Scott”, com a cantora homônima (de longe a pior faixa da obra).

No final das contas, ALICIA cumpre para além do esperado um retorno aos holofotes de um dos nomes mais importantes da música contemporânea. Alicia Keys permanece ciente de seu lugar como mulher negra e de seus privilégios como parte da elite mainstream – utilizando o palanque que construiu para dar voz àqueles que mais precisam.

Nota por faixa:

  1. Truth Without Love – 5/5
  2. Time Machine – 5/5
  3. Author Of Forever – 4,5/5
  4. Wasted Energy (feat. Diamond Platnumz) – 3,5/5
  5. Underdog – 4/5
  6. 3 Hour Drive (feat. Sampla) – 4/5
  7. Me x 7 (feat. Tierra Whack) – 2/5
  8. Show Me Love (feat. Miguel) – 3,5/5
  9. So Done (feat. Khalid) – 4/5
  10. Gramercy Park – 4/5
  11. Love Looks Better – 3,5/5
  12. You Save Me (feat. Snoh Aalegra) – 4,5/5
  13. Jill Scott (feat. Jill Scott) – 1/5
  14. Perfect Way To Die – 5/5
  15. Good Job – 4,5/5
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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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