domingo , 24 novembro , 2024

Crítica | Alicia Keys faz uma das maiores estreias do século com o atemporal ‘Songs in A Minor’

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Há vinte anos, uma das lendas da música começava uma carreira quase irretocável: Alicia Keys. Em sua estreia na indústria fonográfica, Songs in A Minor, Keys mostrava que não estava brincando quando se tratava de construir narrativas competentes e dominar o cenário mainstream, seguindo os passos de outras mulheres negras que vinham ganhando espaço nos anos anteriores – principalmente o grupo Destiny’s Child, que dominava o R&B. Em 2001, o début de uma das maiores cantoras e compositoras de todos os tempos recuperava o neo soul com força impactante e com dissonância apaixonante, demonstrando potentes vocais e um sucesso crítico e comercial que a colocou no topo dos charts do mundo inteiro – incluindo uma estreia em primeiro lugar na Billboard 200.

Mas o que transforma esse álbum em um clássico? Alicia vinha trabalhando no início de sua estética sonora desde 1995, quando tinha apenas catorze anos. Depois de ser rejeitada pela Columbia Records, ela assinou contrato com a J Records e pôde mostrar ao público seu poder. Misturando gêneros como gospel, jazz, blues e hip hop, o escopo narrativo se afastava das costumeiras incursões românticas para uma profunda análise das complexidades dos relacionamentos, normalmente colocando-a como centro de uma perspectiva marcada por traumas, abandonos e paixões enfurecidas. Mais do que isso, Keys demonstrou sua versatilidade instrumental ao comandar com solidez a produção de boa parte das faixas através de seu treinamento clássico do piano, além de assinar inúmeras iterações por conta própria.



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Em seu primeiro álbum, a performer mostrou que não estava para brincadeira – e sua necessidade de se provar alcançou seu objetivo, seja por ter vendido nada menos que 12 milhões de cópias desde seu lançamento, seja por ter garantido cinco estatuetas do Grammy à lead singer. Logo de cara, com a breve e evocativa introdução “Piano & I”, a artista exibe aos ouvintes um domínio das “normas cultas” da música, por assim dizer, enquanto promove um sensual e envolvente anacronismo. As cartas estão dadas – e ela não perde a mão em nenhuma das tracks subsequentes. A upbeat e misteriosa atmosfera de “Girlfriend”, que foi lançado como single final da obra, merecia mais reconhecimento do que tem e definitivamente integra uma das quintessenciais construções de sua carreira; a epopeica “Rock wit U”, estendendo por mais de cinco minutos, é uma jornada em rapsódia digna de nota e de estudo – afinal, como não ficar intrigado com a mistura de violino, piano e bateria que ergue-se logo nos segundos iniciais?

Alicia Keys, mais do que uma das forças-motrizes que abriram espaço para os múltiplos atos femininos nos anos seguintes, é, da mesma forma que Beyoncé, um dos ícones da cultura afrodescendente nos Estados Unidos. Alastrando suas referências para a contracultura do hip hop de meados dos anos 1970, vê-se um movimento de convecção que reapropria o gênero e a traz, assim como os Black Spades pretendiam década atrás, hinos de empoderamento para o cenário em voga, dominado consistentemente pelos brancos. Keys, querendo ou não, contribuiu para a desconstrução segregacionista que se instalava em um contínuo crescendo, fosse com os solilóquios saudosistas de “Lovin U”, que nutre-se dos corais gospels e das aplaudíveis brincadeiras vocais que trata com naturalidade invejável.

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A performer também não pensa duas vezes antes de homenagear seus grandes ídolos, seja com covers, seja com inspirações miméticas extremamente polidas e bem organizadas (aliás, o álbum inteiro é uma lição de como construir uma trama com começo, meio e fim, sem esbarras nos exageros floreados da virada do século). “How Come You Don’t Call Me” ganha uma versão interessante numa fusão entre passado e presente – e uma rendição memorável que foi elogiada inclusive pelo compositor e cantor original, Prince. “Ele me disse que ouviu a música e amou […] Foi realmente uma honra”, ela comentou em uma entrevista ao Toronto Sun ainda em 2002. “Jane Doe”, por sua vez, traz uma breve parceria com Kandu Burruss e consagra o movimento funk dos anos 1960, tudo revestido com uma contemporaneidade atemporal e que envelheceu muito bem nos dias de hoje (motivo pelo qual também representa um dos ápices da discografia da cantora).

“Fallin’”, sem sombra de dúvida, é a música pela qual vínhamos todos esperando. Condecorada com diversos prêmios, incluindo três prêmios do Grammy (Música do Ano, Melhor Música R&B e Melhor Música Feminina R&B), a faixa é o suprassumo do neo soul e uma das precursoras do futuro do gênero (cujo legado é visto sobretudo nos primeiros anos da década de 2010). O single de estreia de Keys teve uma recepção massiva e, até hoje, é considerada uma das músicas mais bem-sucedidas do início do século. As múltiplas camadas de voz que espalham-se pelos três minutos e meio são cautelosas e fogem da fugacidade, unindo-se em uma ambiência que nos relembra de Aretha Franklin e de James Brown ao mesmo tempo, em uma sutileza arrepiante e uma história sobre a espiralada jornada do amor.

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Songs in A Minor é uma das melhores estreias do século XXI por uma série de motivos (que foram explicados ao longo desse texto). Vinte anos atrás, Alicia Keys começava sua jornada com o pé direito, munida das originalidades de uma persona faminta por deixar a sua marca e que reclamaria pelo que lhe pertencia por direito, não importa quanto tempo levasse.

Nota por faixa:

  1. Piano & I – 5/5
  2. Girlfriend – 4/5
  3. How Come You Don’t Call Me – 4/5
  4. Fallin’ – 5/5
  5. Troubles – 5/5
  6. Rock wit U – 5/5
  7. A Woman’s Worth – 5/5
  8. Jane Doe – 5/5
  9. Goodbye – 4,5/5
  10. The Life – 4,5/5
  11. Mr. Man (with Jimmy Cozier) – 4,5/5
  12. Never Felt This Way – 4,5/5
  13. Butterflyz – 4/5
  14. Why Do I Feel so Sad – 4/5
  15. Caged Bird – 5/5
  16. Lovin U – 5/5
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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Mas o que transforma esse álbum em um clássico? Alicia vinha trabalhando no início de sua estética sonora desde 1995, quando tinha apenas catorze anos. Depois de ser rejeitada pela Columbia Records, ela assinou contrato com a J Records e pôde mostrar ao público seu poder. Misturando gêneros como gospel, jazz, blues e hip hop, o escopo narrativo se afastava das costumeiras incursões românticas para uma profunda análise das complexidades dos relacionamentos, normalmente colocando-a como centro de uma perspectiva marcada por traumas, abandonos e paixões enfurecidas. Mais do que isso, Keys demonstrou sua versatilidade instrumental ao comandar com solidez a produção de boa parte das faixas através de seu treinamento clássico do piano, além de assinar inúmeras iterações por conta própria.

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Em seu primeiro álbum, a performer mostrou que não estava para brincadeira – e sua necessidade de se provar alcançou seu objetivo, seja por ter vendido nada menos que 12 milhões de cópias desde seu lançamento, seja por ter garantido cinco estatuetas do Grammy à lead singer. Logo de cara, com a breve e evocativa introdução “Piano & I”, a artista exibe aos ouvintes um domínio das “normas cultas” da música, por assim dizer, enquanto promove um sensual e envolvente anacronismo. As cartas estão dadas – e ela não perde a mão em nenhuma das tracks subsequentes. A upbeat e misteriosa atmosfera de “Girlfriend”, que foi lançado como single final da obra, merecia mais reconhecimento do que tem e definitivamente integra uma das quintessenciais construções de sua carreira; a epopeica “Rock wit U”, estendendo por mais de cinco minutos, é uma jornada em rapsódia digna de nota e de estudo – afinal, como não ficar intrigado com a mistura de violino, piano e bateria que ergue-se logo nos segundos iniciais?

Alicia Keys, mais do que uma das forças-motrizes que abriram espaço para os múltiplos atos femininos nos anos seguintes, é, da mesma forma que Beyoncé, um dos ícones da cultura afrodescendente nos Estados Unidos. Alastrando suas referências para a contracultura do hip hop de meados dos anos 1970, vê-se um movimento de convecção que reapropria o gênero e a traz, assim como os Black Spades pretendiam década atrás, hinos de empoderamento para o cenário em voga, dominado consistentemente pelos brancos. Keys, querendo ou não, contribuiu para a desconstrução segregacionista que se instalava em um contínuo crescendo, fosse com os solilóquios saudosistas de “Lovin U”, que nutre-se dos corais gospels e das aplaudíveis brincadeiras vocais que trata com naturalidade invejável.

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A performer também não pensa duas vezes antes de homenagear seus grandes ídolos, seja com covers, seja com inspirações miméticas extremamente polidas e bem organizadas (aliás, o álbum inteiro é uma lição de como construir uma trama com começo, meio e fim, sem esbarras nos exageros floreados da virada do século). “How Come You Don’t Call Me” ganha uma versão interessante numa fusão entre passado e presente – e uma rendição memorável que foi elogiada inclusive pelo compositor e cantor original, Prince. “Ele me disse que ouviu a música e amou […] Foi realmente uma honra”, ela comentou em uma entrevista ao Toronto Sun ainda em 2002. “Jane Doe”, por sua vez, traz uma breve parceria com Kandu Burruss e consagra o movimento funk dos anos 1960, tudo revestido com uma contemporaneidade atemporal e que envelheceu muito bem nos dias de hoje (motivo pelo qual também representa um dos ápices da discografia da cantora).

“Fallin’”, sem sombra de dúvida, é a música pela qual vínhamos todos esperando. Condecorada com diversos prêmios, incluindo três prêmios do Grammy (Música do Ano, Melhor Música R&B e Melhor Música Feminina R&B), a faixa é o suprassumo do neo soul e uma das precursoras do futuro do gênero (cujo legado é visto sobretudo nos primeiros anos da década de 2010). O single de estreia de Keys teve uma recepção massiva e, até hoje, é considerada uma das músicas mais bem-sucedidas do início do século. As múltiplas camadas de voz que espalham-se pelos três minutos e meio são cautelosas e fogem da fugacidade, unindo-se em uma ambiência que nos relembra de Aretha Franklin e de James Brown ao mesmo tempo, em uma sutileza arrepiante e uma história sobre a espiralada jornada do amor.

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Songs in A Minor é uma das melhores estreias do século XXI por uma série de motivos (que foram explicados ao longo desse texto). Vinte anos atrás, Alicia Keys começava sua jornada com o pé direito, munida das originalidades de uma persona faminta por deixar a sua marca e que reclamaria pelo que lhe pertencia por direito, não importa quanto tempo levasse.

Nota por faixa:

  1. Piano & I – 5/5
  2. Girlfriend – 4/5
  3. How Come You Don’t Call Me – 4/5
  4. Fallin’ – 5/5
  5. Troubles – 5/5
  6. Rock wit U – 5/5
  7. A Woman’s Worth – 5/5
  8. Jane Doe – 5/5
  9. Goodbye – 4,5/5
  10. The Life – 4,5/5
  11. Mr. Man (with Jimmy Cozier) – 4,5/5
  12. Never Felt This Way – 4,5/5
  13. Butterflyz – 4/5
  14. Why Do I Feel so Sad – 4/5
  15. Caged Bird – 5/5
  16. Lovin U – 5/5
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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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