quinta-feira , 21 novembro , 2024

Crítica | Amor Até as Cinzas – Uma relação de lealdade, poder e humilhação

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Em três atos, Amor até as Cinzas (Jiang hu er nv) conta a história do casal Qiao (Tao Zhao) e Bin (Fan Liao) na China da virada do século XXI até o dias atuais. Com elegância e atitude, Qiao é a namorada do pequeno gângster Bin, que dentro do seu ambiente possui poder e leais seguidores. Ao lado dele, Qiao encontra vivacidade em oposição a sua miséria na vila em que mora com o pai.

Na primeira etapa, o casal lida com um conflito com uma gangue local que tenta desarmar o poder que Bin exerce na região. Com caprichadas tomadas, Zhangke Jia encena com perfeição as ameaças e o ataque trágico dos seus rivais, sendo este um dos ápices do filme. Com violência e morosidade, sob a cor vermelha, a cena se desenvolve até Qiao salvar o amante dando um tiro para alto e tomar a culpa pela posse de arma.



As cores são um dos elementos de maior composição do filme, acompanhando as sensações do personagens, tal como a do espectador. As paredes azuis da prisão, por exemplo, exalam letargia e modéstia, confrontando o tempo de confinamento de Qiao e o conhecimento de que Bin está livre do lado de fora. Outro elemento de arranjo são as músicas, do pop norte-americano às baladas melancólicas chinesas, mais do que uma trilha sonora as canções também atuam nas cenas.

Os tons quentes e pálidos do amarelo, bege e laranja estão presentes no segundo ato da narrativa, quando Qiao reassume a sua liberdade e vai em busca do namorado em outra cidade. Sendo a parte do filme mais esfuziante e afrontosa ao mesmo tempo, pois mescla sagacidade e frustração. Enquanto a ex-detenta assume sua lealdade e amor a Bin, ele se recusa a encontrá-la e revela um relacionamento com outra mulher.

Dirigida pelo seu marido, a atriz Tao Zhao compartilha a dor da sua personagem de forma sincera e afetuosa. O reencontro entre o casal, após cinco anos, é um pesaroso diálogo de dor, decepção e lamento, sem um entendimento positivo. O percurso de Qiao para abandonar os seus sentimentos e seguir a sua vida para trás é bastante simbólico e perfeitamente confeccionado, tanto que o filme poderia acabar ali e deixar as reticências para o público.

Por outro lado, Zhangke Jia – também roteirista – decide seguir sua narrativa com um salto temporal e mais um reencontro. Após sofrer um derrame, Bin não consegue se locomover sozinho e é enviado para sua cidade natal. Quem o acolhe é exatamente a mulher que o salvou, foi abandonada e, agora, ainda o respeita. Assim, Bin é reintegrado aos personagens do início filme, seus irmãos, aqueles que o apoiavam em qualquer situação.

Os tons mais escuros marcam presença nesta etapa. A batalhadora mulher se pergunta porque Bin voltou, já o convalescido homem busca entender porque Qiao nunca casou-se. Ela o ajuda a melhorar seus movimentos, o leva em médicos e cuida das suas necessidades, enquanto Bin sente-se cada vez mais humilhado e não consegue aceitar as atuais circunstâncias.

A última parte é pesarosa, como uma sobra de comida amarga em mundo que não pertence mais àquelas pessoas. Com a chegada da era moderna, a última cena – da mulher encostada na parede através da câmera de segurança – é o retrato da sensibilidade que Amor Até as Cinzas transmite. Buscando compor uma épica história de amor, Zhangke Jia acertou na solidão em todas as etapas.  

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Na primeira etapa, o casal lida com um conflito com uma gangue local que tenta desarmar o poder que Bin exerce na região. Com caprichadas tomadas, Zhangke Jia encena com perfeição as ameaças e o ataque trágico dos seus rivais, sendo este um dos ápices do filme. Com violência e morosidade, sob a cor vermelha, a cena se desenvolve até Qiao salvar o amante dando um tiro para alto e tomar a culpa pela posse de arma.

As cores são um dos elementos de maior composição do filme, acompanhando as sensações do personagens, tal como a do espectador. As paredes azuis da prisão, por exemplo, exalam letargia e modéstia, confrontando o tempo de confinamento de Qiao e o conhecimento de que Bin está livre do lado de fora. Outro elemento de arranjo são as músicas, do pop norte-americano às baladas melancólicas chinesas, mais do que uma trilha sonora as canções também atuam nas cenas.

Os tons quentes e pálidos do amarelo, bege e laranja estão presentes no segundo ato da narrativa, quando Qiao reassume a sua liberdade e vai em busca do namorado em outra cidade. Sendo a parte do filme mais esfuziante e afrontosa ao mesmo tempo, pois mescla sagacidade e frustração. Enquanto a ex-detenta assume sua lealdade e amor a Bin, ele se recusa a encontrá-la e revela um relacionamento com outra mulher.

Dirigida pelo seu marido, a atriz Tao Zhao compartilha a dor da sua personagem de forma sincera e afetuosa. O reencontro entre o casal, após cinco anos, é um pesaroso diálogo de dor, decepção e lamento, sem um entendimento positivo. O percurso de Qiao para abandonar os seus sentimentos e seguir a sua vida para trás é bastante simbólico e perfeitamente confeccionado, tanto que o filme poderia acabar ali e deixar as reticências para o público.

Por outro lado, Zhangke Jia – também roteirista – decide seguir sua narrativa com um salto temporal e mais um reencontro. Após sofrer um derrame, Bin não consegue se locomover sozinho e é enviado para sua cidade natal. Quem o acolhe é exatamente a mulher que o salvou, foi abandonada e, agora, ainda o respeita. Assim, Bin é reintegrado aos personagens do início filme, seus irmãos, aqueles que o apoiavam em qualquer situação.

Os tons mais escuros marcam presença nesta etapa. A batalhadora mulher se pergunta porque Bin voltou, já o convalescido homem busca entender porque Qiao nunca casou-se. Ela o ajuda a melhorar seus movimentos, o leva em médicos e cuida das suas necessidades, enquanto Bin sente-se cada vez mais humilhado e não consegue aceitar as atuais circunstâncias.

A última parte é pesarosa, como uma sobra de comida amarga em mundo que não pertence mais àquelas pessoas. Com a chegada da era moderna, a última cena – da mulher encostada na parede através da câmera de segurança – é o retrato da sensibilidade que Amor Até as Cinzas transmite. Buscando compor uma épica história de amor, Zhangke Jia acertou na solidão em todas as etapas.  

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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