quarta-feira , 20 novembro , 2024

Crítica | Antebellum – Um Morno Encontro entre Jordan Peele e M. Night Shyamalan

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Com estreia prevista via streaming a partir de 18 de setembro nos EUA, A Procurada (Antebellum) chegou aos cinemas franceses no dia 9 de setembro, enquanto o lançamento no Brasil é incerto. No meio de indefinições, contudo, o interesse do público brasileiro é evidente e o trailer da produção atiçou a nossa curiosidade, já que possui os mesmos produtores de Corra! (2017) e Nós (2019). Os diretores e roteiristas Gerard Bush e Christopher Renz, no entanto,  miram na crítica social de Jordan Peele, mas acertam nas escavações mentais de M. Night Shyamalan.

Com o enredo montado em três partes, os debutantes cineastas apresentam como ponto de partida a citação de William Faulkner: “The past is never dead. It’s not even past” (em português, “O passado nunca está morto. Nem sequer passou”). Frase esta que levou Woody Allen a um processo judicial por usá-la em Meia-Noite em Paris (2011) sem mencionar a fonte. Da obra de Allen, neste suspense de horror, sobrou apenas a questão nostálgica e o desejo de preservar aspectos do passado, precisamente a Guerra de Secessão (1861-1865), nos Estados Unidos. 



 

Assim como o movimento antirracista tornou-se a pauta política em 2020 (antes tarde do que nunca), os filmes sobre a questão racial têm buscado fazer esta mudança na percepção imagética, isto é, deixar apenas de falar da escravidão para colocar os negros no protagonismo do mundo, ainda que eles tenham que enfrentar essa opressão histórica. Filmes como Histórias Cruzadas (2011), 12 Anos de Escravidão (2013) e Estrelas Além do Tempo (2016), além do vergonhoso Green Book – O Guia (2018), ainda apresentam a perspectiva da raça negra à mercê do homem/mulher branco(a) e suas qualidades de benfeitores, generosidade e/ou piedade.  

Não é preciso ressaltar que essas são representações históricas, porém sempre chegam aos olhos do público da mesma forma. Portanto, quando Jordan Peele consegue trazer com humor uma discussão social atual, as pessoas aplaudem de pé, tal como Infiltrados na Klan (2018), de Spike Lee, para citar obras recentes. Nesta conjuntura, Antebellum chega para incrementar esta vertente, entretanto, não tão aguçado quanto os supracitados.

Após brilhar em Estrelas Além do Tempo e Moonlight (2016), a talentosa cantora Janelle Monáe encara a protagonista em duas narrativas, como a escrava Eden e a palestrante Veronica Henley. Com um pôr-do-sol escarlate, a dupla de cineastas introduz o filme a partir de uma selvagem cena de caça, tortura e extermínio de escravos em fuga de uma plantação de algodão. Espancada pelo seu capataz, Eden é obrigada a dizer como se chama e sofre pesadas torturas nas mãos do Senador Denton (Eric Lang), um líder dos Estados Confederados. 

A partir deste doloroso começo, o filme intensifica a exploração sexual das mulheres negras, o estupro, a violência e o escárnio. Apesar do cenário e indumentária, algo logo destoa da ambientação campesina e da dúbia submissão servil dos catadores de algodão. A chegada de novos escravos, principalmente a grávida Julia (Kiersey Clemons), à plantação é o ponto de virada do jogo em que o roteiro começa a colocar o público dentro da encenação pretendida pelos diretores.

Se o espectador já esteve em contato com o trailer de Antebellum, a linha narrativa do enredo se projeta em decrescente expectativa. Depois de 40 minutos, Veronica Henley acorda ao lado do formoso marido Nick (Marque Richardson) e sua adorável filha Kennedi (London Boyce). Seu dia começa como um comercial de margarina, ela assiste à sua participação em um debate televisivo, toma café com a família e realiza uma entrevista por Skype, a qual mostra a primeira conexão entre as narrativas. Na pele da entrevistadora Elizabeth, Jena Malone (Jogos Vorazes: Em Chamas, 2015) incorpora uma vilã debochada com comentários racistas.

Este segundo ato é tomado pela presença da relações públicas Dawn, amiga de Veronica, vivida por Gabourey Sidibe (Preciosa: Uma História de Esperança, 2009). Com puro charme e graça, a personagem funciona como alívio cômico da tensão em torno das pistas sobre o destino de Veronica. Se a sensação era de uma fantasia, um escapismo da realidade ou mesmo uma falha temporal, Antebellum não é nada disso. A obra poderia discutir como seria o roubo de uma vida bem sucedida para a condição de escravizada, considerando apenas a questão do tom de pele no espaço-tempo.

Essas elucubrações, entretanto, ficam por conta do espectador, uma vez que Antebellum não as provoca diretamente e, indiretamente, traça um paralelo pacóvio. No terceiro ato, Veronica/ Eden vai engendrar sua vingança e libertação, no entanto, as descobertas e resoluções parecem com as epopeias de M. Night Shyamalan a brincar com a percepção do espectador, mas não de forma impactante como em O Sexto Sentido (1999) e A Vila (2004), na verdade, mais próximo de Fim dos Tempos (2008) e Vidro (2019). 

Com uma premissa envolvente, Antebellum promete uma discussão sobre o papel social das pessoas negras, contudo se envereda pela apresentação do mal interior dos seres humanos, no qual o sucesso alheio é um expurgo aos seus privilégios. Com um jogo de narrativas entre grupos, como o sangrento A Caçada (2020), de Craig Zobel, Bush e Renz traz uma estética de câmera lenta e profundidade de batalha, ambas vistas nos filmes de Zack Snyder (Batman vs Superman: A Origem da Justiça), mas a qualidade cênica não apaga um certo desencanto.

Antebellum mostra um sadismo que ainda dificulta as lutas antirracistas, ou seja, os seres humanos que ainda necessitam pegar em armas de extermínio para provar serem mais forte que outros. Por outro lado, este quadro de vingança alude ao final de Django Livre (2012), de Quentin Tarantino, mas sem o seu traço de violência exacerbada. Com um valoroso começo em longas-metragens, a dupla Bush e Renz, infelizmente, deixa a desejar no terror e na discussão social.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Com o enredo montado em três partes, os debutantes cineastas apresentam como ponto de partida a citação de William Faulkner: “The past is never dead. It’s not even past” (em português, “O passado nunca está morto. Nem sequer passou”). Frase esta que levou Woody Allen a um processo judicial por usá-la em Meia-Noite em Paris (2011) sem mencionar a fonte. Da obra de Allen, neste suspense de horror, sobrou apenas a questão nostálgica e o desejo de preservar aspectos do passado, precisamente a Guerra de Secessão (1861-1865), nos Estados Unidos. 

 

Assim como o movimento antirracista tornou-se a pauta política em 2020 (antes tarde do que nunca), os filmes sobre a questão racial têm buscado fazer esta mudança na percepção imagética, isto é, deixar apenas de falar da escravidão para colocar os negros no protagonismo do mundo, ainda que eles tenham que enfrentar essa opressão histórica. Filmes como Histórias Cruzadas (2011), 12 Anos de Escravidão (2013) e Estrelas Além do Tempo (2016), além do vergonhoso Green Book – O Guia (2018), ainda apresentam a perspectiva da raça negra à mercê do homem/mulher branco(a) e suas qualidades de benfeitores, generosidade e/ou piedade.  

Não é preciso ressaltar que essas são representações históricas, porém sempre chegam aos olhos do público da mesma forma. Portanto, quando Jordan Peele consegue trazer com humor uma discussão social atual, as pessoas aplaudem de pé, tal como Infiltrados na Klan (2018), de Spike Lee, para citar obras recentes. Nesta conjuntura, Antebellum chega para incrementar esta vertente, entretanto, não tão aguçado quanto os supracitados.

Após brilhar em Estrelas Além do Tempo e Moonlight (2016), a talentosa cantora Janelle Monáe encara a protagonista em duas narrativas, como a escrava Eden e a palestrante Veronica Henley. Com um pôr-do-sol escarlate, a dupla de cineastas introduz o filme a partir de uma selvagem cena de caça, tortura e extermínio de escravos em fuga de uma plantação de algodão. Espancada pelo seu capataz, Eden é obrigada a dizer como se chama e sofre pesadas torturas nas mãos do Senador Denton (Eric Lang), um líder dos Estados Confederados. 

A partir deste doloroso começo, o filme intensifica a exploração sexual das mulheres negras, o estupro, a violência e o escárnio. Apesar do cenário e indumentária, algo logo destoa da ambientação campesina e da dúbia submissão servil dos catadores de algodão. A chegada de novos escravos, principalmente a grávida Julia (Kiersey Clemons), à plantação é o ponto de virada do jogo em que o roteiro começa a colocar o público dentro da encenação pretendida pelos diretores.

Se o espectador já esteve em contato com o trailer de Antebellum, a linha narrativa do enredo se projeta em decrescente expectativa. Depois de 40 minutos, Veronica Henley acorda ao lado do formoso marido Nick (Marque Richardson) e sua adorável filha Kennedi (London Boyce). Seu dia começa como um comercial de margarina, ela assiste à sua participação em um debate televisivo, toma café com a família e realiza uma entrevista por Skype, a qual mostra a primeira conexão entre as narrativas. Na pele da entrevistadora Elizabeth, Jena Malone (Jogos Vorazes: Em Chamas, 2015) incorpora uma vilã debochada com comentários racistas.

Este segundo ato é tomado pela presença da relações públicas Dawn, amiga de Veronica, vivida por Gabourey Sidibe (Preciosa: Uma História de Esperança, 2009). Com puro charme e graça, a personagem funciona como alívio cômico da tensão em torno das pistas sobre o destino de Veronica. Se a sensação era de uma fantasia, um escapismo da realidade ou mesmo uma falha temporal, Antebellum não é nada disso. A obra poderia discutir como seria o roubo de uma vida bem sucedida para a condição de escravizada, considerando apenas a questão do tom de pele no espaço-tempo.

Essas elucubrações, entretanto, ficam por conta do espectador, uma vez que Antebellum não as provoca diretamente e, indiretamente, traça um paralelo pacóvio. No terceiro ato, Veronica/ Eden vai engendrar sua vingança e libertação, no entanto, as descobertas e resoluções parecem com as epopeias de M. Night Shyamalan a brincar com a percepção do espectador, mas não de forma impactante como em O Sexto Sentido (1999) e A Vila (2004), na verdade, mais próximo de Fim dos Tempos (2008) e Vidro (2019). 

Com uma premissa envolvente, Antebellum promete uma discussão sobre o papel social das pessoas negras, contudo se envereda pela apresentação do mal interior dos seres humanos, no qual o sucesso alheio é um expurgo aos seus privilégios. Com um jogo de narrativas entre grupos, como o sangrento A Caçada (2020), de Craig Zobel, Bush e Renz traz uma estética de câmera lenta e profundidade de batalha, ambas vistas nos filmes de Zack Snyder (Batman vs Superman: A Origem da Justiça), mas a qualidade cênica não apaga um certo desencanto.

Antebellum mostra um sadismo que ainda dificulta as lutas antirracistas, ou seja, os seres humanos que ainda necessitam pegar em armas de extermínio para provar serem mais forte que outros. Por outro lado, este quadro de vingança alude ao final de Django Livre (2012), de Quentin Tarantino, mas sem o seu traço de violência exacerbada. Com um valoroso começo em longas-metragens, a dupla Bush e Renz, infelizmente, deixa a desejar no terror e na discussão social.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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