Maternar é uma tarefa que se aprende enquanto se é mãe; por mais que nossas próprias mães possam orientar e guiar, é o ato, em si, que ensina às mulheres como ser e agir com seus filhos. Isso significa muitos aprendizados, tropeços, acertos e descobertas durante a jornada que nunca tem fim. Talvez por isso inspire tantas histórias e debates, tanto na literatura quanto no cinema, e também é o mote de ‘Aos Nossos Filhos’, filme nacional que chega às salas de cinema no próximo dia 28.
Vera (Marieta Severo) é mãe de Tânia (Laura Castro), cuja união estável com Vanessa (Marta Nobrega) em algum nível a incomoda, e por isso as duas não se falam há tempos. Tânia está estudando para passar no concurso para juiz, enquanto Vanessa trabalha com moda e as duas estão tentando engravidar através de inseminação artificial, um tratamento caro. Enquanto Vera não acha certo gastar dinheiro com o procedimento – ganhando a inimizade da filha – Fernando (José de Abreu), pai da moça, se torna o queridinho da família, sempre incentivando as duas. Sobrevivente de torturas durante a ditadura militar, Vera ainda sofre com esse passado não cicatrizado, e seu dia a dia numa ONG de adoção de crianças soropositivas em uma comunidade do Rio faz com que ela reviva constantemente o clima de tensão.
Diferentemente das narrativas redondas que tanto agradam a maioria do público brasileiro, ‘Aos Nossos Filhos’ se desafia em recortar a família através da linhagem matriarcal. Assim, o longa se costura como crônicas da maternagem imperfeita, cheia de cicatrizes, mágoas, rancores e, também, amores e afetos – que nunca cessam apesar das ranhuras diárias.
O roteiro de Laura Castro e Maria de Medeiros joga foco nas vidas das mulheres trazendo os desafios tanto do ser mulher quanto de ser filha e ser mãe, tornando o longa de Maria de Medeiros, acima de tudo, um filme sobre mãe e filhas. E isso faz a diferença.
Assim, todas as personagens têm razão em suas atitudes, ainda que também tenham seus medos e seus preconceitos. Ninguém é perfeita. Isso as torna mais humanas, as aproxima do público, e ajuda a desconstruir a imagem da mãe etérea que tudo sabe e tudo acerta. Por isso a atuação de Marieta Severo se faz potente, entregando angústia, teimosia e inquietude que justificam e também contradizem essa protagonista cheia de camadas. Ainda que o roteiro insira alguns elementos que pouco se desenvolvem, estes entram em cena para preencher a passagem de tempo das crônicas familiares dessas três mães em desenvolvimento constante.
‘Aos Nossos Filhos’ é um drama que incomoda com a veracidade dos sentimentos. Talvez muitas pessoas se reconheçam em falas e atitudes das personagens. Ao jogar luz sobre a maternidade e a maternagem de formas separadas, ajuda a desconstruir estigmas e a reconstruir as possibilidades para as novas gerações, além de também retratar toda uma geração de mães que, marcadas pelas dores da ditadura, fizeram seu melhor, ainda que as atuais gerações pareçam ter esquecido que esse passado ainda é recente e que lidamos no dia a dia com muitas pessoas sobreviventes desse trauma. Um filme para ver e refletir.