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Ella Marija Lani Yelich-O’Connor, mais conhecida por seu alter-ego Lorde, fez um enorme sucesso com sua aclamada estreia em 2013, tanto com a canção “Royals” quanto com o subsequente lançamento do memorável ‘Pure Heroine’. Entretanto, não seria até quatro anos mais tarde que a cantora e compositora neozelandesa conquistaria o público e com a crítica com o álbum conceitual ‘Melodrama’: a surpreendente aclamação lhe renderia uma indicação ao Grammy de Álbum do Ano e entrada em diversas listas de melhores da década, colocando-a no centro dos holofotes por remar contra a maré mainstream e abrir portas para o art pop – sendo elogiada até mesmo pelo lendário David Bowie.
Por incrível que pareça, Lorde não é uma das artistas mais prolíficas da atualidade, motivo pelo qual se jogou de cabeça num longo processo de gestação até o anúncio do próximo compilado de originais, ‘Solar Power’. Anunciado há alguns meses, o álbum se tornou um dos mais aguardados de 2021 e foi precedido por três faixas promocionais: a música-titular, que fez homenagem às incursões noventistas de George Michael e às fábulas fonográficas de Bruno Coulais; a belíssima balada “Stoned at the Nail Salon”, que puxou referências da colega Lana Del Rey; e a recente e simples “Mood Ring” – um trio movido por competentes produções que se afastaram por completo da identidade apresentada na última década.
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Manter o nível de ‘Melodrama’ e ‘Pure Heroine’ seria um trabalho relativamente difícil: Lorde já havia trabalhado com os produtores Joel Little e Jack Antonoff, escolhendo este para retomar as colaborações – um dos principais nomes do cenário do entretenimento, visto que emprestou suas habilidades para artistas como The Chicks, Taylor Swift e Del Rey em produções memoráveis e premiadas. Logo, levando o tempo que a dupla teve para arquitetar uma narrativa e a competência criativa de ambas as partes, era apenas natural que as expectativas estivessem lá em cima. E, se tínhamos certeza de alguma coisa, era que a performer nunca, de fato, se importou em alcançar sucesso mercadológico, mas sim amadurecer ano após ano e transcrever as angústias da fama e de um crescimento em meio ao estrelato em versos pungentes, metafóricos e acessíveis em todas as suas camadas.
A artista não tem medo de arriscar – isso é um fato e deve ser reconhecido. ‘Solar Power’ se afasta de inflexões anteriores e aposta num tom mais melódico e sinestésico, guiado pela singeleza e por um controle gigantesco; o problema é quando isso esbarra no simplório, como é o caso do álbum. Apesar da melhor das intenções (algo bastante apelativo, principalmente para os fãs), o resultado é bem aquém do esperado, ainda mais considerando o que ela já havia entregado no passado. Temos uma quantidade sólida de tracks muito bem produzidas e que resgatam inspirações de outrora, como Michael Jackcson e Bowie, em uma atemporalidade que mescla décadas e se recusa a seguir o que está em voga; na mesma medida, há investidas repetitivas que solidificam uma jornada cíclica, cansativa e frustrante por não fazer jus ao que esperaríamos.
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Lorde contraria nossas expectativas ao deixar os sintetizadores de lado e esconder simbologias poderosas, apoiando-se com força nos conhecidos e nostálgicos tons do violão e de um baixo que pincela as melhores canções do álbum. A primeira metade, para além dos singles supracitados, abre com um interessante retorno aos anos 1980 intitulada “The Path”, um hino de respeito às respostas que a natureza pode nos dar em vez da materialidade celebratória (uma escolha bem-vinda e que respalda em conceitos até mesmo literários). O mesmo é visto na belíssima “Fallen Fruit”, que se volta ao dream-pop e pega elementos emprestados de “Looking for America”, uma das melhores músicas de 2019 – mesmo não tendo a mesma originalidade; mais para frente, percebe-se uma mudança fabulesca em “Leader of a New Regime”, uma rendição teatral e que merece mais atenção do que provavelmente terá.
Os problemas se estendem para, bem, todas as outras faixas. A cantora e compositora parece não ter muitas inspirações para pensar além do óbvio e, como já mencionado, espalha progressões muito similares entre si e conta uma história que ouvimos inúmeras vezes, entregando-se a uma exaurível mesmice. “Secrets from a Girl (Who’s Seen it All)” não traz nada de novo para o sol, e nem mesmo seus versos parecem ter sido pensados com articulação suficiente; “The Man with the Axe” e “Big Star” se amalgamam em extensões uma a outra, mesclando-se em iterações esquecíveis; “Dominoes” tenta fugir do óbvio, mas não sabe em que caminhos seguir; e a faixa de conclusão, “Oceanic Feeling”, se estende por quase sete minutos que poderiam muito bem ser editados em prol de um desenlace digno.
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‘Solar Power’ tinha tudo para ser mais uma entrada incrível a uma discografia impecável, ainda que não muito frutífera. É notável o trabalho do qual Lorde e Antonoff se dispõe, unindo forças para a honestidade lírica que precisávamos em tempos complicados; porém, o álbum fica no meio do caminho entre o bom e o ruim, infundido numa luta de opostos que nos deixa com um gosto agridoce e uma sensação de incompletude.
Nota por faixa:
- The Path – 4,5/5
- Solar Power – 5/5
- California – 2/5
- Stoned in the Nail Salon – 5/5
- Fallen Fruit – 4/5
- Secrets From a Girl (Who’s Seen It All) – 2/5
- The Man with An Axe – 1,5/5
- Dominoes – 2/5
- Big Star – 2/5
- Leader of a New Regime – 4/5
- Mood Ring – 5/5
- Oceanic Feeling – 1/5