domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | Argentina, 1985 – Representante do país ao Oscar Traz Ricardo Darín em Atuação Memorável

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Filme visto no Festival do Rio 2022.

Se hoje todos nós temos a liberdade de escrever e falar nossas opiniões, sejam elas quais forem, é graças à democracia. Esse sistema político, que rege os países da América Latina há quase quarenta anos, foi colocado em risco no passado recente, quando muitos países ficaram sob o regime da ditadura militar, incluindo o Brasil. Passadas quase quatro décadas do reestabelecimento democrático, chega também o momento de olharmos para esse período e falarmos sobre ele, para não repetirmos hoje os erros do passado. Numa tentativa de diálogo com as gerações atuais e futuras, a Argentina lança seu candidato ao Oscar 2023 para Melhor Filme Estrangeiro, de nome ‘Argentina, 1985’, que acaba de estrear na Prime Video para todos os assinantes.



Tendo fim o período do regime militar na Argentina (que torturou, perseguiu e matou civis aleatoriamente sob um discurso autolegitimado de estar enfrentando “insurgentes”, “populistas”, “comunistas”, “subvertidos” – pessoas que, a critério dos militares, seriam contra o progresso argentino), o Judiciário do país busca responsabilizar e punir os culpados por esses crimes, e, diante da impossibilidade de realizar o julgamento na esfera militar, o processo cai no âmbito civil, de modo que, para ter andamento, é preciso que um promotor monte e apresente o caso, enfrentando, consequentemente, os mais cruéis e perigosos militares da ditadura. É assim que promotor Julio César Strassera (Ricardo Darín) acaba encabeçando o mais importante julgamento da história da Argentina, sendo auxiliado pelo promotor adjunto Luis Moreno Ocampo (Peter Lanzani). Juntos eles conseguiram reunir mais de 700 depoimentos de sobreviventes como prova das atrocidades cometidas pela ditadura.

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Argentina, 1985’ estreia para o mundo no exato dia em que o processo judicial começou, trinta e sete anos antes, em 21 de outubro, e celebrando os 35 anos da democracia no país. Esse período sinaliza também que os bebês e crianças daquela época são hoje adultos, formando suas próprias famílias, o que demonstra a importância do cinema em não deixar as gerações atuais e futuras esquecerem os horrores do passado. Nesse sentido, o filme funciona como importante ferramenta contra o memoricídio social que anda ameaçando tomar conta dos países latino-americanos nos últimos anos.

Partindo de um tema tão sensível e importante, o roteiro de Mariano Llinás e Santiago Mitre faz escolhas pessoais para não mergulhar tanto no dolorido drama social. Assim, das duas horas e vinte minutos de produção, boa parte acompanha os dilemas individuais do promotor Strassera, desde sua paranoia com relação ao namorado da filha, passando por sua busca em montar uma equipe de advogados assistentes para compor o caso e, por fim, as múltiplas ameaças sofridas por sua família por conta do julgamento. Por acompanharmos constantemente o protagonista, perdemos um pouco do envolvimento com o contexto social, que entra muito timidamente no enredo a partir do personagem de Peter Lanzani, um advogado cuja família é militar. Para quem não é argentino, chega a ser um pouco difícil de acompanhar. Por outro lado, o roteiro consegue dar emoção extrema a dois momentos-chave do filme: o depoimento dramático de uma mãe que deu a luz em um camburão militar, e a acusação final, feita pelo promotor Strassera. Esses dois momentos, cujas emoções são irresistíveis, podem ser suficientes para garantir a presença do filme como concorrente os Oscar de Filme Estrangeiro e, quem sabe, também para Darín, como Melhor Ator. Seria um reconhecimento merecido.

Santiago Mitre (que já trabalhou quatro vezes antes com Darín) faz de seu ‘Argentina, 1985’ um importante exemplo de como o audiovisual, que sempre é impactado por ditaduras, pode e deve usar o impacto semiótico que tem a favor do estímulo do debate e do pensamento crítico. O mergulho que o diretor faz para recriar a Buenos Aires perdida economicamente, mas sob constante tensão, e seu esforço em humanizar esses personagens cujas histórias são baseadas em eventos reais faz com que seu filme se torne, sim, um dos melhores produzidos por aquele país nas últimas décadas, apesar de as mulheres no projeto serem relegadas a papéis de assistência e auxílio aos personagens masculinos.

Com uma única exibição de gala no Festival do Rio, ‘Argentina, 1985’ é, sem dúvida, um filme importantíssimo e tocante. Aconteceu no país vizinho, mas reflete a história de muitos países, inclusive o nosso. Sem se aprofundar nos acusados, o longa mostra o quanto a permanência da democracia é uma luta constante e árdua, e que nós, hoje, não podemos tê-la como garantida; é só ver filmes como ‘Argentina, 1985’ para entender.

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Janda Montenegrohttp://cinepop.com.br
Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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Tendo fim o período do regime militar na Argentina (que torturou, perseguiu e matou civis aleatoriamente sob um discurso autolegitimado de estar enfrentando “insurgentes”, “populistas”, “comunistas”, “subvertidos” – pessoas que, a critério dos militares, seriam contra o progresso argentino), o Judiciário do país busca responsabilizar e punir os culpados por esses crimes, e, diante da impossibilidade de realizar o julgamento na esfera militar, o processo cai no âmbito civil, de modo que, para ter andamento, é preciso que um promotor monte e apresente o caso, enfrentando, consequentemente, os mais cruéis e perigosos militares da ditadura. É assim que promotor Julio César Strassera (Ricardo Darín) acaba encabeçando o mais importante julgamento da história da Argentina, sendo auxiliado pelo promotor adjunto Luis Moreno Ocampo (Peter Lanzani). Juntos eles conseguiram reunir mais de 700 depoimentos de sobreviventes como prova das atrocidades cometidas pela ditadura.

Argentina, 1985’ estreia para o mundo no exato dia em que o processo judicial começou, trinta e sete anos antes, em 21 de outubro, e celebrando os 35 anos da democracia no país. Esse período sinaliza também que os bebês e crianças daquela época são hoje adultos, formando suas próprias famílias, o que demonstra a importância do cinema em não deixar as gerações atuais e futuras esquecerem os horrores do passado. Nesse sentido, o filme funciona como importante ferramenta contra o memoricídio social que anda ameaçando tomar conta dos países latino-americanos nos últimos anos.

Partindo de um tema tão sensível e importante, o roteiro de Mariano Llinás e Santiago Mitre faz escolhas pessoais para não mergulhar tanto no dolorido drama social. Assim, das duas horas e vinte minutos de produção, boa parte acompanha os dilemas individuais do promotor Strassera, desde sua paranoia com relação ao namorado da filha, passando por sua busca em montar uma equipe de advogados assistentes para compor o caso e, por fim, as múltiplas ameaças sofridas por sua família por conta do julgamento. Por acompanharmos constantemente o protagonista, perdemos um pouco do envolvimento com o contexto social, que entra muito timidamente no enredo a partir do personagem de Peter Lanzani, um advogado cuja família é militar. Para quem não é argentino, chega a ser um pouco difícil de acompanhar. Por outro lado, o roteiro consegue dar emoção extrema a dois momentos-chave do filme: o depoimento dramático de uma mãe que deu a luz em um camburão militar, e a acusação final, feita pelo promotor Strassera. Esses dois momentos, cujas emoções são irresistíveis, podem ser suficientes para garantir a presença do filme como concorrente os Oscar de Filme Estrangeiro e, quem sabe, também para Darín, como Melhor Ator. Seria um reconhecimento merecido.

Santiago Mitre (que já trabalhou quatro vezes antes com Darín) faz de seu ‘Argentina, 1985’ um importante exemplo de como o audiovisual, que sempre é impactado por ditaduras, pode e deve usar o impacto semiótico que tem a favor do estímulo do debate e do pensamento crítico. O mergulho que o diretor faz para recriar a Buenos Aires perdida economicamente, mas sob constante tensão, e seu esforço em humanizar esses personagens cujas histórias são baseadas em eventos reais faz com que seu filme se torne, sim, um dos melhores produzidos por aquele país nas últimas décadas, apesar de as mulheres no projeto serem relegadas a papéis de assistência e auxílio aos personagens masculinos.

Com uma única exibição de gala no Festival do Rio, ‘Argentina, 1985’ é, sem dúvida, um filme importantíssimo e tocante. Aconteceu no país vizinho, mas reflete a história de muitos países, inclusive o nosso. Sem se aprofundar nos acusados, o longa mostra o quanto a permanência da democracia é uma luta constante e árdua, e que nós, hoje, não podemos tê-la como garantida; é só ver filmes como ‘Argentina, 1985’ para entender.

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Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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