domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | Ari Aster entrega três horas de pura PRETENSÃO cinematográfica com ‘Beau Tem Medo’

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Em 2018, o ambicioso cineasta Ari Aster fazia sua estreia oficial no circuito de longas-metragens com o adorado ‘Hereditário’, que trouxe performances icônicas de nomes como Toni Collette e Alex Wolff. Estabelecendo-se como um novo estandarte do terror psicológico, Aster continuou a expandir seu intrincado e distorcido universo com ‘Midsommar’ (que já não teve o mesmo sucesso que o título anterior) e, agora, ele está de volta com a comédia de terror Beau Tem Medo.

Considerando as predileções bizarras do realizador para construir suas narrativas, não poderíamos esperar nada menos que uma impactante e complexa história que nos deixaria à beira dos assentos e arrepiados do começo ao fim. E, para o bem ou para o mal, é exatamente isso que ele nos entrega; aliando-se ao vencedor do Oscar Joaquin Phoenix, o enredo acompanha Beau, um homem com inúmeros problemas pessoais que se vê em um impasse de enfrentar um cruel e opressor mundo para visitar sua mãe, Mona (Zoe Lister-Jones na versão mais nova e Patti Lupone na mais velha) no aniversário de morte do pai – que, segundo ela, morreu após chegar ao clímax durante a relação sexual que concebeu o protagonista titular. A partir daí, Beau enfrenta diversos acontecimentos inexplicáveis que parecem ter saído de um pesadelo inescapável, colocando em xeque as próprias crenças e uma vida recheada de medos e inseguranças.



A verdade é que o resultado do filme é controverso: de um lado, temos um cosmos que almeja ao surrealismo, mas falha por completo em fazer jus à conhecida vanguarda que surgiu na Europa no começo do século XX. Afinal, para aqueles não familiarizados, esse movimento artístico teve como principal nome Salvador Dalí (do quadro “A Persistência da Memória”), cujas explorações oníricas e fora da realidade concreta refletiam a insegurança da sociedade no período entre guerras. Aster abraça tal estética com ferocidade surpreendente, fazendo questão de que cada frame beire o absurdo e ocasione uma série de reações no público; mas como nos sentimos quando essa estrutura é manchada por uma meteórica presunção e por drásticas metáforas vencidas?

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Beau é a personificação de, grosso modo, todos os medos que sentimos: o medo do próximo, do não-pertencimento, da solidão, da morte. Morando sozinho em um apartamento no centro de uma cidade recheada de criminosos, ele é obrigado a enfrentar os loucos que cruzam seu caminho para sobreviver – subjugando-se a um invólucro de temor que o impede de experimentar a própria vida. Entretanto, as coisas mudam quando, pouco depois de ter conversado com a mãe, descobre que ela morreu em um trágico acidente, compelindo-o a cruzar o país para, ao menos, ver seu corpo antes do sepultamento. No meio do caminho, ele se envolve com uma família disfuncional que finge querer ajudá-lo e um grupo de teatro itinerante que o leva a uma jornada hipotética do que poderia ter sido seu futuro – até chegar a seu destino e desenterrar segredos chocantes.

A premissa, em si, é interessante e audaz; todavia, cede constantemente a repetições exauríveis, simbologias fracas e uma necessidade de se provar aos espectadores, transformando-se em um anfigúrico “épico” de três horas de duração que, no final das contas, não diz nada. Afinal, a ideia surrealista parte de premissas compreensíveis no âmbito sígnico – e o longa-metragem é apenas um amontoado de fragmentos sem nexo que visa ao conceitualismo e morre na praia, afogado em uma arquitetura pedante. Há até mesmo um flerte com as investidas kafkianas de analisar de que forma burocracias sociais regem o funcionamento das relações humanas, mas nada que, de fato, se concretize.

Ainda assim, é necessário comentar sobre o trabalho espetacular do elenco: Phoenix isola-se em uma performance que mistura melancolia e insanidade, incapaz de agir frente a forças maiores e desculpando-se com tudo e todos por pensar que as coisas poderiam ser diferentes; Amy Ryan e Nathan Lane entregam-se de corpo e alma como Grace e Roger, o casal que atropela Beau e o “adota” como forma de poder recompensá-lo pelos danos; Parker Posey está incrível nas poucas cenas em que aparece, sendo desperdiçada em uma microtrama dispensável; e LuPone, encarnando a mãe do personagem principal, reitera seu importante status no cenário do entretenimento, mergulhando em uma visceralidade aplaudível. Não obstante as atuações impecáveis, nem mesmo os atores e atrizes são fortes o suficiente para ofuscar os múltiplos deslizes.

Beau Tem Medo é falho em diversos aspectos e dá um passo maior do que consegue. Aster, já tendo perdido a mão desde seu filme anterior, parece duvidar da capacidade do público de entender construções simplórias – enchendo as telonas de sequências tão conceituais que se tornam ridiculamente esquecíveis e exageradamente arrogantes.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Crítica | Ari Aster entrega três horas de pura PRETENSÃO cinematográfica com ‘Beau Tem Medo’

Em 2018, o ambicioso cineasta Ari Aster fazia sua estreia oficial no circuito de longas-metragens com o adorado ‘Hereditário’, que trouxe performances icônicas de nomes como Toni Collette e Alex Wolff. Estabelecendo-se como um novo estandarte do terror psicológico, Aster continuou a expandir seu intrincado e distorcido universo com ‘Midsommar’ (que já não teve o mesmo sucesso que o título anterior) e, agora, ele está de volta com a comédia de terror Beau Tem Medo.

Considerando as predileções bizarras do realizador para construir suas narrativas, não poderíamos esperar nada menos que uma impactante e complexa história que nos deixaria à beira dos assentos e arrepiados do começo ao fim. E, para o bem ou para o mal, é exatamente isso que ele nos entrega; aliando-se ao vencedor do Oscar Joaquin Phoenix, o enredo acompanha Beau, um homem com inúmeros problemas pessoais que se vê em um impasse de enfrentar um cruel e opressor mundo para visitar sua mãe, Mona (Zoe Lister-Jones na versão mais nova e Patti Lupone na mais velha) no aniversário de morte do pai – que, segundo ela, morreu após chegar ao clímax durante a relação sexual que concebeu o protagonista titular. A partir daí, Beau enfrenta diversos acontecimentos inexplicáveis que parecem ter saído de um pesadelo inescapável, colocando em xeque as próprias crenças e uma vida recheada de medos e inseguranças.

A verdade é que o resultado do filme é controverso: de um lado, temos um cosmos que almeja ao surrealismo, mas falha por completo em fazer jus à conhecida vanguarda que surgiu na Europa no começo do século XX. Afinal, para aqueles não familiarizados, esse movimento artístico teve como principal nome Salvador Dalí (do quadro “A Persistência da Memória”), cujas explorações oníricas e fora da realidade concreta refletiam a insegurança da sociedade no período entre guerras. Aster abraça tal estética com ferocidade surpreendente, fazendo questão de que cada frame beire o absurdo e ocasione uma série de reações no público; mas como nos sentimos quando essa estrutura é manchada por uma meteórica presunção e por drásticas metáforas vencidas?

Beau é a personificação de, grosso modo, todos os medos que sentimos: o medo do próximo, do não-pertencimento, da solidão, da morte. Morando sozinho em um apartamento no centro de uma cidade recheada de criminosos, ele é obrigado a enfrentar os loucos que cruzam seu caminho para sobreviver – subjugando-se a um invólucro de temor que o impede de experimentar a própria vida. Entretanto, as coisas mudam quando, pouco depois de ter conversado com a mãe, descobre que ela morreu em um trágico acidente, compelindo-o a cruzar o país para, ao menos, ver seu corpo antes do sepultamento. No meio do caminho, ele se envolve com uma família disfuncional que finge querer ajudá-lo e um grupo de teatro itinerante que o leva a uma jornada hipotética do que poderia ter sido seu futuro – até chegar a seu destino e desenterrar segredos chocantes.

A premissa, em si, é interessante e audaz; todavia, cede constantemente a repetições exauríveis, simbologias fracas e uma necessidade de se provar aos espectadores, transformando-se em um anfigúrico “épico” de três horas de duração que, no final das contas, não diz nada. Afinal, a ideia surrealista parte de premissas compreensíveis no âmbito sígnico – e o longa-metragem é apenas um amontoado de fragmentos sem nexo que visa ao conceitualismo e morre na praia, afogado em uma arquitetura pedante. Há até mesmo um flerte com as investidas kafkianas de analisar de que forma burocracias sociais regem o funcionamento das relações humanas, mas nada que, de fato, se concretize.

Ainda assim, é necessário comentar sobre o trabalho espetacular do elenco: Phoenix isola-se em uma performance que mistura melancolia e insanidade, incapaz de agir frente a forças maiores e desculpando-se com tudo e todos por pensar que as coisas poderiam ser diferentes; Amy Ryan e Nathan Lane entregam-se de corpo e alma como Grace e Roger, o casal que atropela Beau e o “adota” como forma de poder recompensá-lo pelos danos; Parker Posey está incrível nas poucas cenas em que aparece, sendo desperdiçada em uma microtrama dispensável; e LuPone, encarnando a mãe do personagem principal, reitera seu importante status no cenário do entretenimento, mergulhando em uma visceralidade aplaudível. Não obstante as atuações impecáveis, nem mesmo os atores e atrizes são fortes o suficiente para ofuscar os múltiplos deslizes.

Beau Tem Medo é falho em diversos aspectos e dá um passo maior do que consegue. Aster, já tendo perdido a mão desde seu filme anterior, parece duvidar da capacidade do público de entender construções simplórias – enchendo as telonas de sequências tão conceituais que se tornam ridiculamente esquecíveis e exageradamente arrogantes.

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