Ariana Grande não se tornou uma das popstars de maior sucesso da história por qualquer motivo: após ter estreado como atriz do canal Nickelodeon, a artista migrou para o mundo da música com comprometimento irretocável e, em pouco tempo, havia se consagrado como um dos nomes mais conhecidos na indústria fonográfica – com hits que são conhecidos ao redor do planeta e uma habilidade vocal que lhe rendeu comparações com lendas do entretenimento, como Mariah Carey e Whitney Houston. E, quatro anos depois de sua última incursão oficial no cenário musical, ela está de volta com o antecipadíssimo ‘eternal sunshine’, seu sétimo álbum de estúdio cujo nome é homenagem ao clássico longa-metragem ‘Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças’, estrelado por Jim Carrey e Kate Winslet.
Ao longo de treze breves faixas (comportadas em uma breve jornada de pouco mais de trinta e cinco minutos), Grande soa muito mais vulnerável do que sua jornada anterior – em que exaltava o poder do próprio corpo e do empoderamento feminino através de uma indesculpável e apaixonante personalidade. Não é surpresa que a temática que une as tracks seja a forma como o mundo espera que ela seja, nos presenteando com o ótimo lead single “yes, and?” pouco depois das alegações que enfrentou e de ser taxada de “destruidora de lares” por uma legião de internautas que não estava interessada em ouvir os dois lados da história, e sim em descreditar uma artista de enorme e contínuo sucesso. Afastando-se de uma costumeira construção mais íntima e introspectiva, Ariana de jogou de cabeça nas pulsões do house e na assinatura de versos crus e sem meias-palavras (um movimento ousado e bastante característico de sua carreira).
Enquanto muitos poderiam estar com um pé atrás com a suposta pressa com que o álbum foi construído, é notável como ‘eternal sunshine’ é uma obra pensada com minúcia e muita atenção a cada um dos detalhes. O resultado é uma gloriosa jornada tour-de-force que nos guia por um amadurecimento compulsório, um abandono da imagem que Grande carregava consigo e a abertura de um novo capítulo recheado de questões pendentes que só podem ser resolvidas com seu próprio eu – e que a eterniza como uma das vocalistas e compositoras mais honestas da contemporaneidade. Cada canção é um poema testamentário e de empoderamento que coloca o disco fora de uma cronologia palpável e dentro de uma atemporalidade que navega pelas múltiplas fases dos emblemas artísticos, misturando trap, dance, synth-pop e R&B em uma explosiva aventura pessoalista.
O aspecto de maior paixão promovido pelo álbum é seu teor confessional e declamatório. Em entrevista à Billboard, a performer afirmou que a produção mergulhava num conceitualismo temático, oferecendo “diferentes peças de uma mesma história, de uma mesma experiência”, abrindo ângulos diferentes de um mesmo eixo narrativo. Temos, por exemplo, a iteração “bye”, cujo título já nos prepara para uma trama envolvendo um término e um livramento que a permite se livrar das amarras de um relacionamento falido – pautado em menções caprichosas ao trabalho de Giorgio Moroder nos anos 1970 e 1980; “supernatural”, uma semi-balada synth-R&B que arranca uma de suas rendições mais escrupulosas e movida por versos como “esse amor está me possuindo, mas eu não me importo” ou “está se apoderando de mim, não quero lutar contra a queda” em um esperançoso prospecto sentimental; e “we can’t be friends (wait for your love)”, arquitetado sobre uma estrutura synth-pop cortesia das habilidosas mãos de Max Martin e Ilya Salmanzadeh e que nutre de similaridades envolventes com o trabalho de Robyn, por exemplo.
Grande também presta homenagens à sua própria carreira ao trazer o trap e o R&B de volta em diversas faixas, como podemos ver em “don’t wanna break up again”, em que aproveita para traçar um elo entre um de seus maiores ídolos, Carey; “true story”, que poderia muito bem ter participado de ‘thank u, next’ e que foi colocada em um lugar muito estratégico neste compilado – principalmente pelo uso impactante dos sintetizadores e de uma bateria bem demarcada; e “the boy is mine”, que preza por um fraseamento típico dos girl groups dos anos 1990, como TLC e En Vogue, assinando uma carta de amor àqueles que continuam-na inspirando para sempre se reinventar.
Conforme nos aproximamos das últimas tracks, percebemos que a atmosfera alimentada pela cantora adota uma camada mais cinemática, trazendo certos elementos orquestrais em investidas burlescas e minimalistas que se comprimem em melancólicas progressões sem deixar que a conhecida identidade artística de Ariana seja varrida para debaixo do tapete (ainda mais quando paramos para analisar a delicada produção da dilacerante “i wish i hated you”). E, à medida que essa epopeia intimista se conclui, não podemos desviar atenção do fato de que Grande, dando mais espaço para um lado que não costumamos ver muito, é uma ótima compositora e se apoderou de cada uma das faixas com força descomunal, sendo a única responsável por boa parte das canções e utilizando-as como reflexo de uma alma marcada por ressentimentos e pelo desejo efêmero de uma eternidade que, talvez, chegará.
‘eternal sunshine’ emerge como um dos melhores álbuns da carreira de Ariana Grande, pincelado com um misto perfeito de teatralidade, drama, melancolia, humor e nostalgia. Neste inédito compilado de originais, a performer aposta fichas em uma sofisticação inebriante, nos convidando a uma narcótica jornada que esperávamos há anos – e que, no final das contas, valeu muito a pena.
Nota por faixa:
1. intro (end of the world) – 5/5
2. bye – 5/5
3. don’t wanna break up again – 4,5/5
4. Saturn Returns Interlude – 5/5
5. eternal sunshine – 4,5/5
6. supernatural – 5/5
7. true story – 4,5/5
8. the boy is mine – 5/5
9. yes, and? – 4,5/5
10. we can’t be friends (wait for your love) – 5/5
11. i wish i hated you – 5/5
12. imperfect for you – 4,5/5
13. ordinary things (feat. nonna) – 4,5/5