quinta-feira , 21 novembro , 2024

Crítica | Assassinos da Lua das Flores – Scorsese apresenta OBRA-PRIMA sobre histórico genocídio nos EUA [Cannes 2023]

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Filme assistido no Festival de Cinema de Cannes 2023

Quando Martin Scorsese não aceitou o convite para incluir Assassinos da Lua das Flores (Killers of The Flower Moon) na competição pela Palma de Ouro em Cannes, ele não estava fazendo-se de rogado, mas sendo generoso com outros colegas de profissão. Durante 3h27, o cineasta apresenta um dos seus melhores trabalhos e a melhor obra do evento. Ou seja, com certeza, a produção da Apple Studios seria a merecedora do prêmio.



Situado no início do século XX nos Estados Unidos, Assassinos da Lua das Flores é baseado no real massacre dos ameríndios Osages no condado de mesmo nome em Oklahoma no curso de 20 anos. Entre meados de 1910  a 1930, mais de 60 pessoas dessa comunidade morreram de forma suspeita por conta da riqueza vinda da extração de petróleo de suas terras. 

O plano, no entanto, não era apenas o derramamento de sangue desenfreado dos ameríndios, mas a obtenção legal de propriedades por meio da hereditariedade. Para a realização do maligno e astuto esquema, William Hale (vivido por Robert De Niro) contou com ajuda dos seus sobrinhos vindos do Texas, após a Primeira Grande Guerra, para explorar o petróleo: Ernest (Leonardo DiCaprio) e Bryan (Scott Shepherd). 

Com maestria e a partir do livro de David Grann, o roteiro criado a quatro mãos por Martin Scorsese e Eric Roth conta com a narrativa astuciosa de Hale a partir da chegada de Ernest em sua casa. Logo, ele coloca o jovem à parte da estratégia e insinua os benefícios que a aproximação com Molly Burkhart (Lily Gladstone) poderia lhe trazer. Seja por ingenuidade ou ignorância, seja por ambição e cobiça, Ernest começa a cortejar a rica indígena. 

Durante os anos de casamento dos dois, o casal constrói uma família de três filhos; mas cada vez adoecida pela hepatite, Molly vê suas irmãs, primos e a própria mãe morrerem sem explicação ou interesse da polícia local. Com todos os líderes da região no bolso, William Hale aposta em seguros de propriedades, vida e nos casamentos dos seus sobrinhos e filhos com os proprietários do combustível fóssil para seguir no poder.

Como nos extasiantes Os Bons Companheiros (1990) e Os Infiltrados (2006), Scorsese nos conduz de mãos dadas pela trajetória de ascensão dos seus protagonistas até sua cartada final, passando pelos golpes, artimanhas e tropeços. Entre a ganância de poder e o amor pela família, Ernest é um personagem complexo e torturado pelo seu misto de inocência e avidez ao acreditar que poderia ter os dois prêmios finais do jogo: o amor e o dinheiro.

Leonardo DiCaprio compreende com sofreguidão a mistura de vítima e vilão do seu personagem e nos entrega uma performance única. Já Robert De Niro segue em alto nível o seu papel de mau caráter bem intencionado por meio de suas entonações e expressões marcantes. 

Para compor sua obra de arte, Scorsese a pincelou com personagens inescrupulosos e cínicos cujas interpretações colocam fogo na lenha e risos de incredulidade nos espectadores. O público é brindado igualmente com as participações especiais de dois proeminentes atores do cinema nos últimos dois anos: Jesse Plemons (Ataque dos Cães) e Brendan Fraser (A Baleia).

Assassinos da Lua das Flores é uma denúncia gritante de desprezo das culturas ameríndias pelos imigrantes europeus e a impunidade do homem branco desde sempre nas terras do Tio Sam. Com um olhar brasileiro, é possivel traçar um paralelo com a luta pela sobrevivência dos povos Yanomami por conta do garimpo ilegal no Amazonas e Roraima.

De lá pra cá, quase cem anos se passaram e os povos originários do continente americano continuam a ser massacrados sem direito à defesa, já que esta foi constituída pelos homens brancos a seu próprio favor. Para encerrar com opulência, Martin Scorsese entra em cena para contar os desenlaces dos personagens numa excepcional homenagem à grande era do rádio. Assassinos da Lua das Flores é entrenimento, denúncia e arte.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Situado no início do século XX nos Estados Unidos, Assassinos da Lua das Flores é baseado no real massacre dos ameríndios Osages no condado de mesmo nome em Oklahoma no curso de 20 anos. Entre meados de 1910  a 1930, mais de 60 pessoas dessa comunidade morreram de forma suspeita por conta da riqueza vinda da extração de petróleo de suas terras. 

O plano, no entanto, não era apenas o derramamento de sangue desenfreado dos ameríndios, mas a obtenção legal de propriedades por meio da hereditariedade. Para a realização do maligno e astuto esquema, William Hale (vivido por Robert De Niro) contou com ajuda dos seus sobrinhos vindos do Texas, após a Primeira Grande Guerra, para explorar o petróleo: Ernest (Leonardo DiCaprio) e Bryan (Scott Shepherd). 

Com maestria e a partir do livro de David Grann, o roteiro criado a quatro mãos por Martin Scorsese e Eric Roth conta com a narrativa astuciosa de Hale a partir da chegada de Ernest em sua casa. Logo, ele coloca o jovem à parte da estratégia e insinua os benefícios que a aproximação com Molly Burkhart (Lily Gladstone) poderia lhe trazer. Seja por ingenuidade ou ignorância, seja por ambição e cobiça, Ernest começa a cortejar a rica indígena. 

Durante os anos de casamento dos dois, o casal constrói uma família de três filhos; mas cada vez adoecida pela hepatite, Molly vê suas irmãs, primos e a própria mãe morrerem sem explicação ou interesse da polícia local. Com todos os líderes da região no bolso, William Hale aposta em seguros de propriedades, vida e nos casamentos dos seus sobrinhos e filhos com os proprietários do combustível fóssil para seguir no poder.

Como nos extasiantes Os Bons Companheiros (1990) e Os Infiltrados (2006), Scorsese nos conduz de mãos dadas pela trajetória de ascensão dos seus protagonistas até sua cartada final, passando pelos golpes, artimanhas e tropeços. Entre a ganância de poder e o amor pela família, Ernest é um personagem complexo e torturado pelo seu misto de inocência e avidez ao acreditar que poderia ter os dois prêmios finais do jogo: o amor e o dinheiro.

Leonardo DiCaprio compreende com sofreguidão a mistura de vítima e vilão do seu personagem e nos entrega uma performance única. Já Robert De Niro segue em alto nível o seu papel de mau caráter bem intencionado por meio de suas entonações e expressões marcantes. 

Para compor sua obra de arte, Scorsese a pincelou com personagens inescrupulosos e cínicos cujas interpretações colocam fogo na lenha e risos de incredulidade nos espectadores. O público é brindado igualmente com as participações especiais de dois proeminentes atores do cinema nos últimos dois anos: Jesse Plemons (Ataque dos Cães) e Brendan Fraser (A Baleia).

Assassinos da Lua das Flores é uma denúncia gritante de desprezo das culturas ameríndias pelos imigrantes europeus e a impunidade do homem branco desde sempre nas terras do Tio Sam. Com um olhar brasileiro, é possivel traçar um paralelo com a luta pela sobrevivência dos povos Yanomami por conta do garimpo ilegal no Amazonas e Roraima.

De lá pra cá, quase cem anos se passaram e os povos originários do continente americano continuam a ser massacrados sem direito à defesa, já que esta foi constituída pelos homens brancos a seu próprio favor. Para encerrar com opulência, Martin Scorsese entra em cena para contar os desenlaces dos personagens numa excepcional homenagem à grande era do rádio. Assassinos da Lua das Flores é entrenimento, denúncia e arte.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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