Elvis Presley é uma das grandes lendas da música e um dos principais nomes por trás da popularização do rock ‘n’ roll a partir dos anos 1950. Considerado um dos principais ícones da cultura mundial, Elvis atravessou gerações e tornou-se símbolo do show business por suas performances sensuais e seus movimentos frenéticos – algo que, à época de sua ascensão, era visto com maus olhos pela parcela mais conservadora da sociedade. Além disso, Presley tinha profundo respeito pela cultura afro-americana e incorporava diversos elementos imortalizados por B.B. King, Little Richard e Loretta Sharpe, como o blues e o jazz, a um estilo que viria a dominar o planeta.
Pensando em todo o legado que Elvis deixou (motivo pelo qual seu nome é familiar até mesmo à nova geração), era apenas questão de tempo que sua conturbada e intricada vida fosse levada às telonas – e que o icônico cineasta Baz Luhrmann ficaria responsável pela cinebiografia. E foi assim que nasceu ‘Elvis’, uma carta de amor frenética e recheada de brilho e cor que, apesar da extensa duração e dos claros problemas estruturais, ainda consegue nos emocionar principalmente por uma performance estelar de Austin Butler no papel titular e por Tom Hanks numa irreconhecível rendição como o Coronel Tom Parker, sinistro empresário que descobriu o Rei do Rock.
É notável como as engrenagens do longa-metragem são arquitetadas com meticuloso carinho por Luhrmann, que se consagra como um dos principais autores da contemporaneidade. Afinal, o diretor, roteirista e musicista sempre teve uma afeição por transformar o óbvio em um espetáculo visual, regado a glamour e a pulsões artísticas, pegando as fórmulas do gênero e transmutando-as em uma investida pós-moderna que é amada ou odiada pelo público. ‘Elvis’ nutre de diversas similaridades com obras predecessoras do diretor, como a romântica predileção de ‘Moulin Rouge!’ para discorrer sobre aspectos pontuais da vida de Presley, ou a modernização contundente de ‘Romeu + Julieta’ para a emergência de uma Las Vegas que mais parece um mundo fantasioso e perigoso. Porém, não podemos desviar os olhos pelo íntimo problema rítmico que se espalha pela produção – em que as quase três horas galopam em frenesi incontrolável e exaurem o público logo no primeiro ato.
Luhrmann resolve desviar de alguns convencionalismos do gênero retratado e transfere a perspectiva para o Coronel Parker: para vivê-lo, Hanks foi engolfado em um traje que o deixou o mais próximo possível da figura real, pintando-o com um sotaque característico e escondendo os segredos através de uma capacidade de manipulação sólida e obscura, premeditando os trágicos eventos que se sucederiam. Como é de se esperar, Hanks faz um bom trabalho como Tom, mas é ofuscado, por incrível que pareça, por Butler como o protagonista – uma tour-de-force aplaudível e de tirar o fôlego.
Conheci Butler pela primeira vez quando tinha dez ou onze anos, vendo-o em séries como ‘Manual de Sobrevivência Escolar do Ned’ e ‘Zoey 101’ – e observá-lo fazer essa transição gritante para o papel definidor de sua carreira é emocionante em todos os aspectos. O ator de apenas trinta anos absorve cada um dos trejeitos de Elvis, desde os ousados movimentos com o quadril até a peculiar tecedura vocal do performer. Mais do que isso, é perceptível como ele se diverte com as nuances de Presley e converte-se em um astro da música, sabendo exatamente o que fazer quando em cima do palco e quando longe dos holofotes, transbordando por uma melancolia destrutiva que tiraria sua vida muito cedo. As cenas de sua decadência e de seu surto psicótico contra Parker, inclusive, são as mais profundas do filme e revelam uma triste realidade dos maiores ícones da indústria do entretenimento.
Além dos deslizes de ritmo, o principal obstáculo enfrentado pela consagração completa da produção é, surpreendentemente, a falta de coesão visual. Para aqueles familiarizados com a estética de Luhrmann, é admirável sua preocupação com a sinestesia imagética e seu célebre e intrincado jogo de luzes, cores e enquadramentos – o supracitado ‘Moulin Rouge!’, por exemplo, nos encanta por esses aspectos tratados com cuidado e com uma contraposta necessidade de causar algo no público. Aqui, o cineasta almeja a algo similar, mas não consegue cumprir com o objetivo, fragmentando as cansativas mudanças de cenário em pequenas peças fílmicas que são aglutinadas com pressa e apenas com a missão de dar continuidade até os créditos finais aparecerem em tela. Dessa maneira, Luhrmann recorre a Elliott Wheeler para transparecer a dramaticidade através do pedantismo de uma trilha sonora nada inspirada.
‘Elvis’ parece destinado apenas aos fãs de uma das maiores celebridades de todos os tempos, mas ainda assim nos entrega uma divertida aventura. Butler é o principal astro dessa vibrante jornada e entrega uma atuação esplendorosa, que merece ser reconhecida na próxima temporada de premiações. Ademais, mesmo tropeçando no meio do caminho, o filme é aprazível e faz o melhor que pode dentro de seus próprios limites.