sábado , 14 dezembro , 2024

Crítica | Babenco ‑ Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou – O Candidato do Brasil ao Oscar 2021

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Selecionado do Brasil para disputar uma vaga entre as indicações de filme estrangeiro no Oscar 2021, o documentário Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou é uma homenagem apaixonada às marcas do cineasta argentino-brasileiro na sétima arte. Em preto e branco, Bárbara Paz promove a fusão do autor com as suas obras. Ao retirar os traços de temporalidade das imagens, a trajetória diacrônica é percebida de forma sincrônica com as dores dos últimos dias de vida de Héctor Eduardo Babenco, falecido em 2016. 

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Com um olhar poético, a estreante cineasta utiliza a água e a chuva, elementos mutáveis e transitórios, para compor seu recital de memórias e homenagem ao homem que amou. Em certo momento da narrativa, ao tentar achar uma definição para o documentário, Bárbara Paz descarta as palavras “inspirado”, “baseado”, “relato de fatos”, para então, Babenco chegar à conclusão: “este filme é para eu esquecer a minha vida”. Como se ao registrar, ele retirasse o peso de guardar as lembranças na memória, mas ele, ou melhor, ela as eterniza na película. 

Mesmo sendo Bárbara Paz que direciona o olhar do espectador, a sensação é da voz de Babenco a guiá-la por essa intempérie, de direção e despedida, como seu mestre. As imagens de Babenco ao mar se apresentam em pleno diálogo com as suas criações, assim sentimos que o homem e obra se completam e se exaurem. Com a câmera, a diretora busca prover o que a fala de Babenco expõe. Ele explica que o cinema é fazer as pessoas terem um sentimento único, no sentido de especial, em um exato momento, de maneira a brincar com o cérebro. Afinal, a gente vê, reconhece e sente, mesmo que a experiência não seja própria ou, no caso dos filmes, real. 

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Como neste documentário, em que as cenas de suas ficções juntam-se à narrativa de sua dor em camas de hospitais. Portador de um câncer desde os 38 anos, Babenco conta como a notícia do seu parceiro maligno veio logo depois da sua indicação de melhor diretor ao Oscar de 1986, pelo filme O Beijo da Mulher Aranha (1985). Tendo sido o primeiro latino-americano a receber esta nomeação, ele perdeu a estatueta para Sydney Pollack (Entre Dois Amores), mas o seu nome já estava gravado na história cinematográfica. 

Em tom confessional, o cineasta diz que sempre admirou o lado marginal, diz-se anarquista e mais interessado no povo brasileiro que no argentino. Acredita-se um pária, isto é, sem pátria, porque, para ele, os argentinos o veem como brasileiro e os brasileiros, como um argentino. Contudo é o Brasil marginal que Babenco decide eternizar em suas lentes, tal como em Lúcio Flávio: O Passageiro da Agonia (1977), Pixote: A Lei do Mais Fraco (1980) e Carandiru (2003). Sua trajetória sublima-se com a dos seus personagens, tal quando aparece como um projecionista em O Passado (2007) ao lado de Gael Garcia Bernal, mas é na preparação de Willem Dafoe para Meu Amigo Hindu (2015), o qual seria seu último filme, que a representação e a realidade se embaçam. 

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Em apenas 1h15min de projeção, Bárbara Paz pincela a imagem do homem consciente do seu destino e temeroso em realizar os seus últimos anseios. Um deles é representado pela admiração do cineasta a contemplar Bárbara Paz nas gravações de seu último longa-metragem. Em uma belíssima cena, ela faz a coreografia de Gene Kelly em Cantando na Chuva (1942) de forma sensual, engraçada e explosiva. Ali, vemos a mulher que Babenco via, ou, ao menos, a que ele quer que vejamos. Esse encontro de olhares, o dele sobre ela e o dela sobre ele, torna o documentário deleitável e revigorante ao acompanhar a paixão entre os dois e pelo cinema. 

Em suas elucubrações sobre vida e morte, Babenco afirma que as pessoas que têm mais chances de viver são as que ainda tem sonhos a serem preenchidos. Embora o documentário não esclareça se seus sonhos foram realizados, suas obras e a parceria com Bárbara Paz (sempre ao seu lado) nos dão o vislumbre de uma resposta. Ele declara “quando eu morrer, eu quero que todo mundo sinta a minha falta. Enquanto eles leem o obituário, eu vou estar em Hong Kong”. 

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Com a finalidade de torná-lo imortal, os últimos minutos do filme, tal como o cena inicial, são pelas ruas de Hong Kong ao som da canção “Exit Music (For A Film)”, do Radiohead. A premissa nos sugere a esperança de encontrar Babenco, de repente, numa esquina. Por mais de uma vez, o documentário encerra-se e ilumina-se, como se a morte de um cineasta fosse jamais possível. Afinal de contas, Babenco deixa suas criações que serão descobertas ainda por milhares de pessoas após o seu tempo na Terra. 

Ainda que tenha trabalhado com Jack Nicholson e Meryl Streep, o diretor confessa que amava contar histórias sobre o povo brasileiro. Em uma singela declaração, ele revela que desejava na juventude acordar doente para passar o dia lendo um livro, porque, por vezes, terminar um romance era mais importante que qualquer outra coisa. São essas sutilezas que fazem de Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou um filme único e mágico do ponto de vista de uma mulher apaixonada pela arte, o autor e o cinema.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Com um olhar poético, a estreante cineasta utiliza a água e a chuva, elementos mutáveis e transitórios, para compor seu recital de memórias e homenagem ao homem que amou. Em certo momento da narrativa, ao tentar achar uma definição para o documentário, Bárbara Paz descarta as palavras “inspirado”, “baseado”, “relato de fatos”, para então, Babenco chegar à conclusão: “este filme é para eu esquecer a minha vida”. Como se ao registrar, ele retirasse o peso de guardar as lembranças na memória, mas ele, ou melhor, ela as eterniza na película. 

Mesmo sendo Bárbara Paz que direciona o olhar do espectador, a sensação é da voz de Babenco a guiá-la por essa intempérie, de direção e despedida, como seu mestre. As imagens de Babenco ao mar se apresentam em pleno diálogo com as suas criações, assim sentimos que o homem e obra se completam e se exaurem. Com a câmera, a diretora busca prover o que a fala de Babenco expõe. Ele explica que o cinema é fazer as pessoas terem um sentimento único, no sentido de especial, em um exato momento, de maneira a brincar com o cérebro. Afinal, a gente vê, reconhece e sente, mesmo que a experiência não seja própria ou, no caso dos filmes, real. 

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Como neste documentário, em que as cenas de suas ficções juntam-se à narrativa de sua dor em camas de hospitais. Portador de um câncer desde os 38 anos, Babenco conta como a notícia do seu parceiro maligno veio logo depois da sua indicação de melhor diretor ao Oscar de 1986, pelo filme O Beijo da Mulher Aranha (1985). Tendo sido o primeiro latino-americano a receber esta nomeação, ele perdeu a estatueta para Sydney Pollack (Entre Dois Amores), mas o seu nome já estava gravado na história cinematográfica. 

Em tom confessional, o cineasta diz que sempre admirou o lado marginal, diz-se anarquista e mais interessado no povo brasileiro que no argentino. Acredita-se um pária, isto é, sem pátria, porque, para ele, os argentinos o veem como brasileiro e os brasileiros, como um argentino. Contudo é o Brasil marginal que Babenco decide eternizar em suas lentes, tal como em Lúcio Flávio: O Passageiro da Agonia (1977), Pixote: A Lei do Mais Fraco (1980) e Carandiru (2003). Sua trajetória sublima-se com a dos seus personagens, tal quando aparece como um projecionista em O Passado (2007) ao lado de Gael Garcia Bernal, mas é na preparação de Willem Dafoe para Meu Amigo Hindu (2015), o qual seria seu último filme, que a representação e a realidade se embaçam. 

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Em apenas 1h15min de projeção, Bárbara Paz pincela a imagem do homem consciente do seu destino e temeroso em realizar os seus últimos anseios. Um deles é representado pela admiração do cineasta a contemplar Bárbara Paz nas gravações de seu último longa-metragem. Em uma belíssima cena, ela faz a coreografia de Gene Kelly em Cantando na Chuva (1942) de forma sensual, engraçada e explosiva. Ali, vemos a mulher que Babenco via, ou, ao menos, a que ele quer que vejamos. Esse encontro de olhares, o dele sobre ela e o dela sobre ele, torna o documentário deleitável e revigorante ao acompanhar a paixão entre os dois e pelo cinema. 

Em suas elucubrações sobre vida e morte, Babenco afirma que as pessoas que têm mais chances de viver são as que ainda tem sonhos a serem preenchidos. Embora o documentário não esclareça se seus sonhos foram realizados, suas obras e a parceria com Bárbara Paz (sempre ao seu lado) nos dão o vislumbre de uma resposta. Ele declara “quando eu morrer, eu quero que todo mundo sinta a minha falta. Enquanto eles leem o obituário, eu vou estar em Hong Kong”. 

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Com a finalidade de torná-lo imortal, os últimos minutos do filme, tal como o cena inicial, são pelas ruas de Hong Kong ao som da canção “Exit Music (For A Film)”, do Radiohead. A premissa nos sugere a esperança de encontrar Babenco, de repente, numa esquina. Por mais de uma vez, o documentário encerra-se e ilumina-se, como se a morte de um cineasta fosse jamais possível. Afinal de contas, Babenco deixa suas criações que serão descobertas ainda por milhares de pessoas após o seu tempo na Terra. 

Ainda que tenha trabalhado com Jack Nicholson e Meryl Streep, o diretor confessa que amava contar histórias sobre o povo brasileiro. Em uma singela declaração, ele revela que desejava na juventude acordar doente para passar o dia lendo um livro, porque, por vezes, terminar um romance era mais importante que qualquer outra coisa. São essas sutilezas que fazem de Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou um filme único e mágico do ponto de vista de uma mulher apaixonada pela arte, o autor e o cinema.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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