Nos últimos anos, praticamente todos os grandes estúdios de cinema quiseram um universo compartilhado para chamar de seu. Como deu certo com a Disney, houve um consenso entre os investidores de que funcionaria para todos. No entanto, a Warner deu uma patinada em momentos cruciais, o que acabou prejudicando a expansão do Universo DC nos cinemas. Mas, apesar de vir acumulando uma série de acertos nesses últimos três anos, foi justamente nos filmes em que não houve a tentativa de emplacar um universo compartilhado que a empresa conseguiu fazer seus melhores projetos, como Coringa (2019) e agora o novo filme do Batman.
Sem qualquer tipo de ligação com os filmes da Liga da Justiça, o Batman do Ben Affleck ou até mesmo o Coringa de Joaquin Phoenix, o longa de Matt Reeves volta àquela pega mais pé no chão que tanto fez sucesso na trilogia de Christopher Nolan nos anos 2000. O filme já começa com o Batman (Robert Pattinson) atuando como herói, com elementos clássicos, como o Bat-sinal e o traje escuro, já estabelecidos. Então, a equipe criativa evita mostrar novamente o assassinato dos Wayne, apesar do tema repercutir ao longo da trama. Isso traz uma boa dinâmica para o longa, que não perde tempo contando tudo aquilo que já foi mostrado em dezenas de produções anteriores e já não causa mais tanto impacto assim.
Com isso, o filme se preocupa em desenvolver um Batman mais iniciante e porradeiro. Quando foi escalado para o papel, Pattinson foi criticado por seu porte esguio. No filme, ele não está gigante como outros heróis, o que permite a ele ter mais agilidade nas cenas de combate, que são um dos melhores pontos de todo o filme. Ele traz as melhores coreografias de luta do herói de todas as adaptações do personagem para os cinemas.
Essa desenvoltura nas cenas de luta só é possível por conta do físico do ator e do uniforme, que passa imponência, mas também é muito prático, sendo leve e trazendo aparatos com aparência amadora e muita eficácia.
Alvo de muitas críticas quando foi revelado ao público, o traje do herói funciona muito bem para a proposta do filme. Esse visual meio tático mais improvisado casa perfeitamente com o controverso Bruce Wayne e parece remeter a outras roupas do Morcegão nas telonas. A máscara, por exemplo, tem momentos em que lembra muito a do Batman dos anos 60, não apenas pelo formato, mas também por dar mais espaço para os olhos e cobrir menos o rosto, deixando a mandíbula toda exposta, o que permite que Pattinson passe mais sentimentos com o olhar e expressões faciais do que seus antecessores.
Agora vivida por Zoë Kravitz, a Mulher-Gato é parte importantíssima da trama, porque funciona como uma ferramenta de humanização do herói, que desce desse posto de criatura invencível quando se vê envolvido na trama pessoal dela. Isso costuma dar errado nos cinemas, porque a tendência é que a personagem feminina acabe sendo diminuída. Porém, ela tem mesmo uma trama própria e termina o filme sendo a versão mais apaixonante da Mulher-Gato no século XXI. Ela consegue ser sexy sem apelar e demonstra muito talento no furto, além de ser muito obstinada.
Ela é parte daquilo que mais me chamou atenção no longa: o desenvolvimento do entorno do herói. Ao longo das entrevistas de divulgação de Batman, o diretor Matt Reeves disse que Homem Morcego seria psicótico, tão louco quanto seus vilões. E a forma como ele escolhe para mostrar essa insanidade é diretamente refletida em quem está ao seu entorno e na própria Gotham. Assim vemos um Alfred (Andy Serkis) detetive, um Charada (Paul Dano) que é praticamente um Batman pobre e uma Mulher-Gato marcada por traumas e sede de vingança. Vivendo nesse meio, não tinha como Bruce Wayne ser diferente.
Quem escapa desses reflexos insanos é justamente Jim Gordon (Jeffrey Wright), que se torna o símbolo do caminho positivo que o Batman deve seguir. Mesmo vivendo em meio a um ninho de corruptos, o policial segue com seus valores de confiança e fé na justiça. Enquanto o Batman vai aprendendo com seus erros e julgamentos – uma das poucas versões do herói que efetivamente terminam o filme aprendendo alguma coisa -, Gordon o auxilia com muita vontade e sacrifício.
Essa dinâmica da dupla é fantástica, fazendo do policial praticamente um Robin de terno. É um tipo de mentoria misturada com amizade, que tem um certo carisma em toda a seriedade com que é retratada. E a boa notícia é que há planos para uma série focada nessa unidade que deve chegar ao HBO Max em 2023. Poder explorar mais das máfias de Gotham será algo fascinante. No filme, as máfias são representadas pelo famoso Carmine Falcone, interpretado por John Turturro, que traz um jeitão meio Castor de Andrade pro personagem, e pelo Pinguim, vivido por um Colin Farrell simplesmente irreconhecível.
Por fim, há de se louvar a execução desse projeto. Matt Reeves dirigiu perfeitamente esse longa que tinha tudo para ser problemático, mas que soube trabalhar tão bem a harmonia caótica de seus personagens com a cidade, que terminou realizando um dos melhores projetos baseados no Batman de todos os tempos.
A forma como ele conduz a dualidade de herói e vilão é brilhante, principalmente ao mostrar que eles se enfrentam, mas parecem concordar em certos pontos. A ideia de trazer um Batman com seus valores, mas que poderia facilmente ser visto como um vilão reflete até mesmo na trilha sonora do filme. A música tema do herói lembra parcialmente o icônico tema do Darth Vader. Tanto que certos momentos em que a direção usa um fundo vermelho para valorizar a imponência do traje com a capa fazem lembrar cenas do clássico vilão de Star Wars.
É um suspense noir aventuresco que teve todos os detalhes escolhidos a dedo por um diretor simplesmente apaixonado pelo personagem, que entendeu como poucos a mitologia e a essência do Batman. O final deixa um gancho já esperado, mas que com certeza vai empolgar até mesmo a quem não é tão fã do personagem. Ah sim, tem uma cena pós-créditos, mas se você estiver precisando muito ir ao banheiro após as 2h56 do filme, ela não influencia em muita coisa, não.
Batman estreia nos cinemas em 3 de março de 2022, mas com sessões disponíveis a partir do dia 1º de março.