domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | Beyoncé celebra as raízes do country e do gospel com o espetacular ‘Act II: Cowboy Carter’

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“Toda música é negra”, disse Lady Gaga em entrevista à Billboard em setembro de 2020, poucos meses depois de ter lançado seu elogiado sexto álbum de estúdio, ‘Chromatica’. É notável como a indústria do entretenimento, seja ela no âmbito cinematográfico ou fonográfico, é pautado em uma supremacia branca que renega as origens de cada forma artística – cujos traços, eventualmente, nos levam de volta às primeiras pulsões de criatividade dos povos africanos e, por consequência, ao legado que as comunidades negras deixaram e continuam a deixar. E, dentre esses nomes, Beyoncé é uma das performers que utiliza sua merecida plataforma no escopo mainstream como baluarte para resgatar o que outrora foi perdido e o que precisa ser reclamado por aqueles que vieram antes.

Em 2022, nossa adorada Queen B causou um estrondo gigantesco ao lançar o melhor álbum do ano (e um dos maiores do século, diga-se de passagem), intitulado Act I: Renaissance – primeira parte de uma ambiciosa trilogia que revolucionaria sua própria imagem dentro da indústria. Não demorou muito até que lhe fosse atribuído o resgate da música house e do disco como forma de empoderamento do povo afro-americano, considerando as origens de ambos os estilos, imbuindo a construção do compilado com frenéticas misturas de R&B, pop, electro-house, hi-NRG, afro-house, tropical-house, reggae e diversos outros estilos que transformaram a obra em uma experiência sinestésica e incomparável. Dois anos e uma ovacionada turnê depois, Beyoncé estava pronta para virar a página no segundo capítulo dessa saga multimidiática – e assim nasce Act II: Cowboy Carter.



Esse grandioso épico, que conta com nada menos que 27 faixas, já vinha sendo trabalhado há muitos anos, desde quando a cantora e compositora sofria uma retaliação inexplicável ao se apresentar no Country Music Awards com a faixa “Daddy Lessons”, ao lado da banda The Chicks. À época, inúmeros artistas gritavam que ela não pertencia à premiação e nem mesmo ao gênero – uma constatação que, como bem sabemos, veio acompanhada de um teor racista e injustificável, considerando as raízes do country. E é claro que Beyoncé faria o que sabe fazer de melhor – provar a todos que estavam enganados. Pouco depois, ela fez história (mais uma vez) com o lançamento dos dois primeiros singles promocionais do álbum, “Texas Hold ‘Em” e “16 Carriages”, facilmente duas das melhores canções de 2024, dando apenas um gostinho do que vinha nos preparando.

Buscando inspirações nas raízes da família, a artista mergulhou de cabeça em um esquadrinhamento irretocável do country, do R&B, do gospel e até mesmo do trap em Cowboy Carter. O compilado abre com a espetacular faixa “Ameriican Requiem”, cujo título faz alusão à litúrgica declaração de re-empoderamento que deseja promover; através de um coro arrepiante e saudosista, ela navega por uma conceitualização do problema identitário ao nos presentear com versos como “eles costumavam dizer que eu falava muito country; então a rejeição veio, disseram que eu não era country o bastante”. Cada trecho dos quase cinco minutos e meio da faixa é pensado sob uma ótima específica, trazendo a dissonância da guitarra elétrica ao impacto da bateria e à sutileza do piano em uma vibrante e urgente jornada.

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Durante essa aventura sonora, são vários os ápices que encontramos: obviamente, um dos aspectos que mais nos chama a atenção é o cover à la bluegrass de “Jolene”, clássica canção de Dolly Parton (que participa do álbum e que havia comentado que adoraria que Bey regravasse seu atemporal hit), colocando uma personalidade irrefreável e deixando-se levar por uma naturalidade vocal de tirar o fôlego e de arrepiar até mesmo os mais céticos. “Bodyguard” é uma perfeita rendição country-pop com infusões de um soft-rock que nos transporta a um western contemporâneo e recheado de teatralidades que ninguém além de Beyoncé poderia nos entregar com tamanha perfeição e comprometimento com o que a letra pede – uma mistura de sensualidade e camp arrepiantes. “Ya Ya”, seguindo uma menção à Linda Martell, é uma amálgama dançante de country-pop, country-rock e go-go, cujas notas iniciais buscam referência na clássica “These Boots Are Made For Walkin’”, de Nancy Sinatra.

Como é de praxe àqueles familiarizados com a discografia da performer, o álbum dá espaço para ótimas e emocionantes baladas que ajudam a diminuir o ritmo à medida que cultivam terreno para entregas confessionais e declamatórias. Temos, por exemplo, o aguardado dueto entre Bey e Miley Cyrus na espetacular “II Most Wanted”, uma memorialística e narcótica track pincelada com as melódicas notas do violão e do banjo – em uma acústica desenhada com majestade por duas das maiores vozes da atualidade; “Protector” emerge como uma espécie de cantiga folk cuja multiplicidade de vozes é certeira e que premedita o ciclo da vida em que a cantora sabe que seus filhos estão crescendo (“eu sei que, algum dia, você vai brilhar por conta própria”); e, finalizando com chave de ouro, a performer ata os laços abertos da faixa de abertura com a evocativa e epifânica “Amen”, denotando sua fé inabalável em um cântico gospel aplaudível e inebriante.

Já é redundante dizer que Beyoncé faz mágica com seus álbuns – e Act II: Cowboy Carter é uma excelente adição a uma discografia que beira a transcendentalidade. Mais uma vez, nossa Queen B reitera seu inescapável status na indústria fonográfica com um disco que celebra a cultura negra não apenas ao reavivá-la, mas ao reclamá-la e retirá-la da subjugação a uma supremacia artística branca que se esquece do que veio antes e de quem merece, de fato, ser idolatrado como precursor e pioneiro.

Nota por faixa:

1. Ameriican Requiem – 5/5
2. Blackbiird – 5/5
3. 16 Carriages -5/5
4. Protector – 4,5/5
5. My Rose – 5/5
6. Smoke Hour ★ Willie Nelson – 5/5
7. Texas Hold ‘Em – 5/5
8. Bodyguard – 5/5
9. Dolly P – 5/5
10. Jolene – 5/5
11. Daughter – 5/5
12. Spaghettii – 4,5/5
13. Alliigator Tears – 4/5
14. Smoke Hour II – 5/5
15. Just For Fun – 5/5
16. II Most Wanted – 5/5
17. Levii’s Jeans – 5/5
18. Flamenco – 5/5
19. The Linda Martell Show – 5/5
20. Ya Ya – 5/5
21. Oh Louisiana – 4,5/5
22. Desert Eagle – 5/5
23. Riiverdance – 5/5
24. II Hands II Heaven – 5/5
25. Tyrant – 5/5
26. Sweet ★ Honey ★ Buckiin’ – 5/5
27. Amen – 5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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“Toda música é negra”, disse Lady Gaga em entrevista à Billboard em setembro de 2020, poucos meses depois de ter lançado seu elogiado sexto álbum de estúdio, ‘Chromatica’. É notável como a indústria do entretenimento, seja ela no âmbito cinematográfico ou fonográfico, é pautado em uma supremacia branca que renega as origens de cada forma artística – cujos traços, eventualmente, nos levam de volta às primeiras pulsões de criatividade dos povos africanos e, por consequência, ao legado que as comunidades negras deixaram e continuam a deixar. E, dentre esses nomes, Beyoncé é uma das performers que utiliza sua merecida plataforma no escopo mainstream como baluarte para resgatar o que outrora foi perdido e o que precisa ser reclamado por aqueles que vieram antes.

Em 2022, nossa adorada Queen B causou um estrondo gigantesco ao lançar o melhor álbum do ano (e um dos maiores do século, diga-se de passagem), intitulado Act I: Renaissance – primeira parte de uma ambiciosa trilogia que revolucionaria sua própria imagem dentro da indústria. Não demorou muito até que lhe fosse atribuído o resgate da música house e do disco como forma de empoderamento do povo afro-americano, considerando as origens de ambos os estilos, imbuindo a construção do compilado com frenéticas misturas de R&B, pop, electro-house, hi-NRG, afro-house, tropical-house, reggae e diversos outros estilos que transformaram a obra em uma experiência sinestésica e incomparável. Dois anos e uma ovacionada turnê depois, Beyoncé estava pronta para virar a página no segundo capítulo dessa saga multimidiática – e assim nasce Act II: Cowboy Carter.

Esse grandioso épico, que conta com nada menos que 27 faixas, já vinha sendo trabalhado há muitos anos, desde quando a cantora e compositora sofria uma retaliação inexplicável ao se apresentar no Country Music Awards com a faixa “Daddy Lessons”, ao lado da banda The Chicks. À época, inúmeros artistas gritavam que ela não pertencia à premiação e nem mesmo ao gênero – uma constatação que, como bem sabemos, veio acompanhada de um teor racista e injustificável, considerando as raízes do country. E é claro que Beyoncé faria o que sabe fazer de melhor – provar a todos que estavam enganados. Pouco depois, ela fez história (mais uma vez) com o lançamento dos dois primeiros singles promocionais do álbum, “Texas Hold ‘Em” e “16 Carriages”, facilmente duas das melhores canções de 2024, dando apenas um gostinho do que vinha nos preparando.

Buscando inspirações nas raízes da família, a artista mergulhou de cabeça em um esquadrinhamento irretocável do country, do R&B, do gospel e até mesmo do trap em Cowboy Carter. O compilado abre com a espetacular faixa “Ameriican Requiem”, cujo título faz alusão à litúrgica declaração de re-empoderamento que deseja promover; através de um coro arrepiante e saudosista, ela navega por uma conceitualização do problema identitário ao nos presentear com versos como “eles costumavam dizer que eu falava muito country; então a rejeição veio, disseram que eu não era country o bastante”. Cada trecho dos quase cinco minutos e meio da faixa é pensado sob uma ótima específica, trazendo a dissonância da guitarra elétrica ao impacto da bateria e à sutileza do piano em uma vibrante e urgente jornada.

Durante essa aventura sonora, são vários os ápices que encontramos: obviamente, um dos aspectos que mais nos chama a atenção é o cover à la bluegrass de “Jolene”, clássica canção de Dolly Parton (que participa do álbum e que havia comentado que adoraria que Bey regravasse seu atemporal hit), colocando uma personalidade irrefreável e deixando-se levar por uma naturalidade vocal de tirar o fôlego e de arrepiar até mesmo os mais céticos. “Bodyguard” é uma perfeita rendição country-pop com infusões de um soft-rock que nos transporta a um western contemporâneo e recheado de teatralidades que ninguém além de Beyoncé poderia nos entregar com tamanha perfeição e comprometimento com o que a letra pede – uma mistura de sensualidade e camp arrepiantes. “Ya Ya”, seguindo uma menção à Linda Martell, é uma amálgama dançante de country-pop, country-rock e go-go, cujas notas iniciais buscam referência na clássica “These Boots Are Made For Walkin’”, de Nancy Sinatra.

Como é de praxe àqueles familiarizados com a discografia da performer, o álbum dá espaço para ótimas e emocionantes baladas que ajudam a diminuir o ritmo à medida que cultivam terreno para entregas confessionais e declamatórias. Temos, por exemplo, o aguardado dueto entre Bey e Miley Cyrus na espetacular “II Most Wanted”, uma memorialística e narcótica track pincelada com as melódicas notas do violão e do banjo – em uma acústica desenhada com majestade por duas das maiores vozes da atualidade; “Protector” emerge como uma espécie de cantiga folk cuja multiplicidade de vozes é certeira e que premedita o ciclo da vida em que a cantora sabe que seus filhos estão crescendo (“eu sei que, algum dia, você vai brilhar por conta própria”); e, finalizando com chave de ouro, a performer ata os laços abertos da faixa de abertura com a evocativa e epifânica “Amen”, denotando sua fé inabalável em um cântico gospel aplaudível e inebriante.

Já é redundante dizer que Beyoncé faz mágica com seus álbuns – e Act II: Cowboy Carter é uma excelente adição a uma discografia que beira a transcendentalidade. Mais uma vez, nossa Queen B reitera seu inescapável status na indústria fonográfica com um disco que celebra a cultura negra não apenas ao reavivá-la, mas ao reclamá-la e retirá-la da subjugação a uma supremacia artística branca que se esquece do que veio antes e de quem merece, de fato, ser idolatrado como precursor e pioneiro.

Nota por faixa:

1. Ameriican Requiem – 5/5
2. Blackbiird – 5/5
3. 16 Carriages -5/5
4. Protector – 4,5/5
5. My Rose – 5/5
6. Smoke Hour ★ Willie Nelson – 5/5
7. Texas Hold ‘Em – 5/5
8. Bodyguard – 5/5
9. Dolly P – 5/5
10. Jolene – 5/5
11. Daughter – 5/5
12. Spaghettii – 4,5/5
13. Alliigator Tears – 4/5
14. Smoke Hour II – 5/5
15. Just For Fun – 5/5
16. II Most Wanted – 5/5
17. Levii’s Jeans – 5/5
18. Flamenco – 5/5
19. The Linda Martell Show – 5/5
20. Ya Ya – 5/5
21. Oh Louisiana – 4,5/5
22. Desert Eagle – 5/5
23. Riiverdance – 5/5
24. II Hands II Heaven – 5/5
25. Tyrant – 5/5
26. Sweet ★ Honey ★ Buckiin’ – 5/5
27. Amen – 5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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