A primeira cena de ‘Biohackers’, a nova série alemã da Netflix,, é daquelas difíceis de se esquecer. Em uma viagem de trem, uma passageira dorme tranquilamente quando alguém pede por ajuda e pergunta se há algum médico a bordo. A jovem usa um colar com o nome ‘Mia’, se identifica como estudante de medicina e vai ajudar o homem sofrendo de um ataque cardíaco. Em seguida, uma mulher começa a ter os mesmos sintoma. Em questão de segundos, todos os passageiros daquele vagão estão caídos no chão — inclusive o suposto namorado de Mia. Todos, menos ela.
Ciência e mistérios
A claustrofóbica cena de abertura que sugere a eclosão repentina de uma pandemia nada tem de relação com o coronavírus. Ainda que neste primeiro momento possa parecer que essa é a verdade da série, em seguida ela parte para assuntos bem distintos. Estamos falando de biologia sintética, mutação genética e o limite da ética, um caminho que se inicia duas semanas antes do acontecimento no trem. É neste momento que Mia conhece seus excêntricos colegas de apartamento, antes de iniciar os estudos em medicina na renomada Universidade de Freiburg.
Criada por Christian Ditter (‘Como Ser Solteira’, ‘Simplesmente Acontece’, ‘Girlboss’), ‘Biohackers’ passa bem longe das comédias e romances anteriores do diretor, e navega num caminho tortuoso de um thriller que investiga até onde vai o limite da ética dentro do estudo da genética. A protagonista, Mia (Luna Wedler), logo deixa claro que tem naquela faculdade um objetivo além de sua paixão pela medicina. Seu objetivo é encontrar a badalada professora Tanja Lorenz (Jessica Schwarz), e um embate entre ambas fica claro desde o primeiro episódio.
O ritmo frenético do piloto, aliás, é cativante por uma trilha sonora ágil e otimista, que corre junto à personalidade sarcástica da nossa protagonista. Ela é inteligente e sabe disso, mas também esconde seus dotes em um tipo de falsa modéstia que faz dela uma pessoa que você iria facilmente subestimar e deixar ir até onde quiser, antes de perceber que ela é mais do que você havia suposto. Os seus segredos, e aquilo que a levou até a universidade e Lorenz, têm relação com sua família e um irmão gêmeo cuja existência ela esconde.
A gênese de ‘Biohackers’
Embora mais movida pela curiosidade em volta dos mistérios, ‘Biohackers’ também conta muito com o carisma de Wedler como a personagem principal. O emaranhado de informações aos poucos se encaixam no lugar e compõem o que é um thriller e suspense com pitadas intrigantes de drama e um debate filosófico sobre medicina, religião e o ato de “brincar de Deus.” A disputa de Mia com Lorenz, os colegas de apartamento não convencionais, um triângulo amoroso, segredos familiares e as infinitas possibilidades que surgem da investigação e do hack genético. Eventualmente, tudo isso se encaixa.
Em alguns momentos, a série excede em explicações óbvias, o que acaba sendo um problema. Ela coloca na boca dos personagens diálogos que são claramente destinados à contextualização da audiência. Mesmo assim, isso jamais chega a comprometer a experiência. Embora a série esteja tratando de um tema delicado, consegue imprimir leveza e um ar melodramático que compõem muito bem todo o cenário e jamais a deixam o ritmo cair em algo monótono. A série também não excede o tempo em tela. Em seis episódios, constrói tensão e curiosidade de forma orgânica, sem que esconda fatos do espectador apenas pelo andamento da história.
Desta forma, ‘Biohackers’ se firma dentro da leva de produções alemãs da gigante do streaming que ganham o mundo com carisma e questões universais. O gancho do episódio final abre caminho para um novo mistério no potencial segundo ano, e pode até frustrar por deixar uma grande pergunta sem resposta, mas também mostra que há uma perspectiva mais profunda que heróis e vilões com lugar marcado.