sexta-feira, março 29, 2024

Crítica | Border – Indicado ao Oscar de maquiagem é o filme mais bizarro do início de ano

Os Hobbits

Os primeiros momentos do drama sueco Border (Fronteira), apresentam certo desconforto ao conhecermos a protagonista Tina, uma agente da alfândega, dona de feições brutas e visual levemente grotesco. O objetivo do longa é realmente destacar a aparência da personagem – para causar o estranhamento necessário no espectador.

A maquiagem utilizada na atriz Eva Melander (uma bela mulher) é tão perfeita que pode enganar os desavisados. Não por acaso, Border estava indicado ao Oscar em tal categoria este ano, mas acabou perdendo o prêmio para o igualmente impressionante trabalho de próteses de Vice.

Na trama, Tina é uma mulher introvertida, muito devido à sua aparência física. Sua rotina monótona, tanto no trabalho quanto em casa ao lado do marido encostado (papel de Jörgen Thorsson), não apresentam sequer um raio de luz de felicidade na vida da mulher. No fundo, tal melancolia vem servida de grande sensação de ‘não pertencimento’ da protagonista. Ela sente-se deslocada em sua própria existência, como se algo não encaixasse e seu lugar não fosse esse.

A metáfora ganha força de tal forma, vindo a se tornar realmente literal. Ao poucos, Tina vai descobrindo que existe um motivo real pelo seu estranhamento social. Tudo ocorre após a aparição de Vore (Eero Milonoff), um sujeito tão… peculiar quanto ela. Acidentalmente, ou quem sabe não, os destinos deles se cruzam, revelando finalmente para a protagonista, depois de uma vida inteira, quem verdadeiramente ela é, e qual seu propósito no mundo. Neste momento em diante, Border deixa o figurativo de lado e embarca no terreno da fantasia – adicionando elementos tão bizarros à mistura, que fazem jus ao cinema de gente como David Lynch, por exemplo – o que é a cena do bebê?!

Border é baseado no conto do sueco John Ajvide Lindqvist, autor do livro que deu origem ao longa Deixa Ela Entrar (2008). Quem conhece o filme citado, sobre a amizade entre um menino solitário e sua nova vizinha, uma menininha bem diferente, sabe que é especialidade do escritor utilizar elementos fantásticos e sobrenaturais para adereçar problemas sociais e psicológicos rotineiros – como solidão, abandono, bullying, exclusão, amizade, conexão e, principalmente, o sentimento de não pertencer.

As duas obras possuem muitas similaridades, mas enquanto Deixa Ela Entrar via com muito lirismo através da perspectiva de crianças, conseguindo extrair beleza da violência e do grotesco, Border – por trabalhar com personagens adultos – exala certo amargor e cinismo, numa história de autodescoberta tardia, que não deixa de ter seus predicados. Enquanto acha seu lugar no mundo, e finalmente se aceita, Tina também se depara com uma encruzilhada – mostrando que nem tudo nos é servido sempre numa bandeja de prata. Dilema bem trabalhado pelo diretor Ali Abbasi.

Existem dois filmes em Border, o figurativo e o literal. E embora os dois queiram passar a mesma mensagem, eles não se entrecruzam de forma tão satisfatória quanto planejada. É preciso ter apetite pelo fantástico, ao menos o suficiente para entender e aceitar a proposta aqui: usar tais elementos metaforicamente para adereçar outras questões. Por outro lado, o “show de horrores” é tão bem dominado pelo elenco, em especial a protagonista, que se torna crível e identificável. Border é o tipo de filme que levanta mais questões do que as responde com facilidade, e só por isso já ganha muitos pontos.

O desconforto mencionado no início do texto, que nos é proposto na primeira cena, perdura por toda a projeção, conscientemente nos deixando inquietos. Um dos grandes trunfos de qualquer obra, cada vez mais raros, é a imprevisibilidade – que assim como a vida, apenas nos usa como peões. Border é um destes filmes que nos deixa sempre a um passo atrás de sua narrativa, qualidade escassa e que deve sempre ser enaltecida. Border pega uma ideia simples e a tempera com ousadia, risco e coragem, já criando em sua proposta seu grande diferencial.

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