Quando pensamos em adaptações de videogames, é automático que tenhamos uma certa hesitação; afinal, tais incursões, tanto para o cinema quanto para a televisão, costumam falhar em traduzir sob uma nova ótica a essência que conquistou milhares de fãs ao redor do mundo. Vez ou outra, tais releituras nos surpreendem – como foi o caso de ‘Sonic’, ‘The Last of Us’ e a recente série ‘Fallout’, apostando fichas ou em uma homenagem clara ao material original, ou abraçando uma narrativa original e que fizesse sentido dentro de determinado cosmo. Agora, somos convidados a conhecer a nova empreitada da Lionsgate com o live-action de ‘Borderlands’, baseado na aclamada franquia de games da 2K.
O longa-metragem parte da icônica e distorcida mente de Eli Roth, conhecido por seu trabalho em produções como ‘Cabana do Inferno’ e ‘Feriado Sangrento’. Unindo forças com Joe Crombie para assinar o roteiro, Roth nos leva ao longínquo planeta de Pandora, uma terra devastada por criaturas vorazes e caçadores de recompensas mortais – e que é lar de uma relíquia conhecida como Vault (Cofre, na tradução para o português), que pode restaurar a paz e a sanidade. Para acessar esse poderoso objeto, faz-se necessário ter em mãos três chaves específicas, uma das quais insurge na figura de Tina (Ariana Greenblatt).
Todavia, Tina é raptada por um ex-combatente chamado Roland (Kevin Hart), o que leva o pai da jovem garota, o magnata Atlas (Edgar Ramírez), a alistar a renegada Lilith (Cate Blanchett) para trazê-la de volta às suas mãos. Entretanto, ao chegar à Pandora, Lilith percebe que as coisas não são exatamente o que parecem e acaba formando uma aliança improvável com Roland, Tina, o mercenário Krieg (Florian Munteanu), a excêntrica cientista Tannis (Jamie Lee Curtis) e o ácido robô Claptrap (Jack Black) para encontrarem o Cofre e impedirem que Atlas e seu exército de asseclas use esse poder imensurável para dar continuidade a um reino de puro caos e desesperança.
Como podemos ver, o live-action acompanha de perto toda a estrutura arquetípica do jogo lançado em 2009, aproveitando-se de algumas breves incursões diferenciadas para expandir (ou ao menos tentar expandir) esse exuberante universo. É notável como Roth conhece o material com o que trabalha e garante que os mínimos detalhes estéticos e cênicos estejam on point e sirvam de presente para os fãs inveterados da saga de games. Seja no figurino de Lilith ou nos trejeitos “psicóticos” de Tina, o preparo visual é, de fato, um espetáculo a ser saboreado pelos espectadores.
Entretanto, o mesmo cuidado não é visto no roteiro – sem sombra de dúvida, o elemento de maior importância para uma narrativa dessa magnitude. Enquanto as primeiras cenas ajudam a dar o tom desse universo e mostram referências a clássicos neo-noir de ficção científica, ou até mesmo a dramédias de ação espaciais que dominaram o cenário mainstream nos últimos anos, cada ato do filme é pincelado como uma réplica direta de um gameplay qualquer. Na verdade, a construção se assemelha a um compilado de cutscenes que não fornece explicações suficientes para sermos introduzidos a esse mundo e que assume que o público deve ter algum pré-conhecimento para compreender as reviravoltas e as conclusões.
Roth procura fornecer um pouco de esclarecimento com diálogos repetitivos ou sutis demais para serem relembrados depois de um tempo, mas nada que tenha força o suficiente para atarmos os nós soltos. Ora, este que vos escreve é um grande fã da franquia de jogos – e mesmo assim não conseguiu compreender algumas intervenções promovidas (e essas pontas desatadas se acumulam em um frenético salto de pouco mais de cem minutos que se apressa em vários momentos para chegar a um determinado objetivo). Não obstante essa despreocupação em demasia e um experimento falho em se afastar dos convencionalismos do gênero, há uma beleza rudimentar existente na construção dos atos conforme percebemos que a ideia é acompanhar as fases do game em distinções gritantes.
Se o enredo não é forte o suficiente, ao menos o elenco dá o máximo de si para que o resultado seja, ao menos, aprazível (ainda que medíocre). Blanchett diverte-se em interpretar a impiedosa e cínica Lilith, e Curtis se restringe aos cacoetes quase imperceptíveis de Tannis; Black também faz um trabalho incrível ao dublar Claptrap, roubando boa parte dos holofotes nos dois primeiros atos e promovendo uma bem-vinda autoconsciência humorística; Greenblatt, Munteanu e Hart também fazem um bom trabalho, apesar de ficarem em segundo plano por uma unidimensionalidade um tanto quanto cansativa que poderia ter sido mais bem planejada.
‘Borderlands’ não chega a ser uma das piores adaptações em live-action de videogames, funcionando dentro de seu limitado valor de entretenimento, mas também não oferece nada de novo. No final das contas, apesar do elenco de peso e de alguns momentos realmente sólidos, sentimos como se estivéssemos assistindo a uma mixórdia caótica de ‘Atlas’, ‘Fallout’ e ‘Bioshock’ que não sabe em que direção seguir e que, por essa razão, resolve atirar para todos os lados.