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Quando Britney Spears fez sua monstruosa estreia no mundo da música com o lançamento de ‘…Baby One More Time’, ela se consolidou como o suprassumo da música teen e logo se tornou um ídolo a ser adorado ao redor do mundo. Seu sucesso ascendeu a níveis astronômicos pouco depois, com ‘Oops!… I Did It Again’, cujas músicas já se afastavam dos meros enlaces românticos e já demonstravam um apreço pelo empoderamento e pela independência.
Eventualmente, Spears enfrentaria um dos momentos mais críticos de sua recém-alimentada carreira: o amadurecimento. Afinal, ela não poderia permanecer como símbolo adolescente para sempre, o que a levaria a buscar incursões diferentes para investidas artísticas futuras. O que ninguém imaginava é que a cantora e compositora faria isso de forma muito rápida, iniciando um frenético processo de crescimento que ganharia vida no subestimado ‘Britney’. O álbum homônimo, gestado com vários colaboradores frequentes da princesa do pop (como Max Martin e Rami Yacoub), fez seu début em 2001 e, apesar das críticas mistas à época de divulgação, envelheceu da melhor maneira possível e hoje é reconhecido por abrir um novo capítulo para a performer.
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A artista imortalizou sua imagem confinada a um bubblegum pop explosivo e dançante, marcado por versos chiclete e por ganchos memoráveis que dominaram e continuam dominando as rádios e playlists do planeta. Para migrar entre os gêneros e apostar fichas em uma mudança radical, Britney teria que sentar-se e repensar como gostaria de ser compreendida por seus fãs a partir de então – e se encontrou em um solilóquio body positive sensual e que demonstrava a transição entre a adolescência e a vida adulta. E foi então que, há vinte anos e dois meses, chocava todos com o lead single “I’m a Slave 4 U”. Recheada de mensagens subliminares, a canção já se inicia com os versos “eu sei que posso ser jovem, mas tenho sentimentos também”, entendendo seu lugar numa indústria segregada e constantemente fustigado por um machismo estrutural – afinal, não apenas os homens tinham o direito de falar sobre liberdade sexual.
Impactada pela ascensão do R&B e hip-hop, que voltara ao cenário mainstream nos anos 1990 por grupos como En Vogue, TLC e Destiny’s Child, Spears percebeu que tinha todos os elementos em mãos para desconstruir o que as pessoas pensavam sobre ela: além da track supracitada, temos a densa exuberância de “Overprotected”, escrita e produzida por Martin e Rami, em que ela volta a endereçar a problemática da fama e como ela conseguiu se livrar das amarras restritivas daqueles à sua volta, declarando que “preciso de tempo, amor e diversão… Preciso de mim”. Apesar de não nutrir com quaisquer similaridades à “Stronger”, nota-se um dialogismo com a faixa de ‘Oops!… I Did It Again’ através de uma temática que também dá as caras em “Lonely” (“por que você está ferrando com a minha cabeça?”).
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As baladas retornam com força e, como é de se esperar, usam e abusam das progressões pop e do piano. “I’m Not a Girl, Not Yet a Woman”, uma das assinaturas da cantora, explica com maestria o propósito do álbum em questão e premeditou o que poderíamos esperar de seu brilhante futuro: “não sou uma garota, nem ainda uma mulher”, tradução emprestada ao título, é a máxima que resume as angústias de alguém que encontrou consciência sobre seu corpo e sua mentalidade e que agora sabe como escolher um caminho e como seguir em frente; “Let Me Be” faz ode a Janet Jackson, uma das principais inspirações para o disco, com um escopo mais contemporâneo guiado pela fusão do dance e do R&B e por sutis sintetizadores que reforçam o charme da qual a cantora se vale; “That’s Where You Take Me” é uma iteração ambiciosa e diferente, mas cujo resultado não é tão aprazível quanto as outras, motivo pelo qual fica perdida na conclusão da jornada.
É notável como, mesmo prestando homenagem a tantos outros que vieram antes dela, Spears arquiteta uma aventura muito clara que teve início ainda em 1999 e vem se tornando cada vez mais intrigante e envolvente. Enquanto luta pelo controle da própria voz, assinando algumas das músicas do álbum, ela se rende ao nostálgico escapismo de “Before The Goodbye”, se rendendo ao dance e ao glitch pop e criando um paralelismo reconhecível com o refrão de “Your Disco Needs You”, de Kylie Minogue, lançada meses antes; “Bombastic Love” vai mais longe e viaja para o Reino Unido, seguindo os passos de Billie Piper com “Something Deep Inside”, fomentando um deep pop instigante. E, de forma mais óbvia, a regravação da clássica “I Love Rock ‘n’ Roll”, que, apesar das boas intenções, comete erros similares a “(I Can’t Get No) Satisfaction”, da obra anterior.
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‘Britney’ pode até deslizar em pontos mais expressivos que os dois álbuns anteriores da princesa do pop, mas revela uma maturidade incrível para alguém que, tão jovem, já dominava as paradas e os corações de tantas pessoas. Não é possível comentar sobre um “divisor de águas”, visto que isso aconteceria dois anos mais tarde; em vez disso, devemos compreender que a celebração da sensualidade veio como arma de empoderamento para uma artista que não ficaria mais quieta e resoluta.
Nota por faixa (Digital Deluxe Version):
1. I’m a Slave 4 U – 5/5
2. Overprotected – 5/5
3. Lonely – 5/5
4. I’m Not a Girl, Not Yet a Woman – 5/5
5. Boys – 4/5
6. Anticipating – 4/5
7. I Love Rock ‘n’ Roll – 3/5
8. Cinderella – 4,5/5
9. Let Me Be – 3,5/5
10. Bombastic Love – 5/5
11. That’s Where You Take Me – 2/5
12. When I Found You – 3,5/5
13. I Run Away – 4/5
14. What It’s Like to Be Me – 4/5
15. Before The Goodbye – 4/5